“… se esses sentimentos de repulsa puderem ser reunidos numa ação comum…”

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(Peter Benenson, criador da Anistia Internacional)

As manifestações de repúdio à globalização tornaram-se rotina sempre que ela é objeto do encontro de líderes das grandes potências. Desde Seattle, em 1999, passando por Davos, até a recente reunião do G-8, realizada em Gênova, sabe-se o que não se quer.

Parece não haver mais lugar na Terra para que os dirigentes dos países líderes (e beneficiários) da globalização possam se reunir, conforme a fina ironia manifestada por Fidel Castro. Em Gênova, a reunião aconteceu em um transatlântico luxuoso e o presidente dos EUA preferiu dormir num porta-aviões da Marinha norte-americana. Nem assim a violência diminuiu e a repressão policial às manifestações deixou o saldo trágico da morte de um jovem de 22 anos, além de cerca de 500 feridos, 200 detidos e US$ 45 milhões de prejuízos materiais.

Ao final da reunião, os líderes do G-8 (os sete países mais ricos do mundo, mais a Rússia) anunciaram como importantes conquistas para o planeta resoluções como a de apoio à proposta africana de realização de um novo fórum para a redução da pobreza e o lançamento de um fundo da ONU de US$ 1,3 bilhão para o combate à aids, à tuberculose e à malária, apesar da solicitação original do presidente da ONU, Kofi Annan, referir-se a US$ 10 bilhões.

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Apesar dos anúncios genéricos de ação decisiva para o combate à pobreza, em especial na África, o acordo para o perdão da dívida dos países mais pobres continuou parcimonioso. Genérico foi o anúncio da força tarefa de oportunidade digital, proposta para a redução do fosso digital existente entre países ricos e pobres. Decepcionantes podem ser consideradas as deliberações para a solução das divergências sobre questões ambientais, em especial o muro erguido entre a União Européia, a favor da ratificação do Protocolo de Kyoto – que estipula metas para a  redução de emissões de carbono que produzem o efeito estufa alterações climáticas -, e os EUA, contra.

Retórica pode ainda ser a classificação das exposições do documento final sobre o regime de direitos de propriedade intelectual (trips) e suas possibilidades de produção de remédios a preços mais razoáveis para os países mais pobres. Inacabada pode ser chamada a proposta de criação de um fundo de US$ 3 bilhões para promover a utilização de energia renovável pelos países mais pobres. O que se pode esperar até a próxima reunião do G-8, prevista para 2002, no Canadá, estrategicamente programada para se realizar na pequena e distante cidade de Kananaskis, nas Montanhas Rochosas?

Se servir como analogia, é bom lembrar que, há 40 anos atrás, foi criada a Anistia Internacional. Com sua sede localizada em Londres, a Anistia conta hoje com mais de 1 milhão de participantes, distribuídos por 160 países. Trabalhou sobre 47 mil casos de prisioneiros de consciência, dos quais 45 mil concluídos. Sem perder o foco de atuar sobre políticas públicas e governos pela libertação de prisioneiros de consciência, a Anistia volta-se também para a atuação em defesa dos direitos humanos no âmbito privado. Alguns sucessos expressivos têm sido alcançados. É o caso das negociações com a Shell, na Nigéria, e da De Beers, na África do Sul.

O nascimento da Anistia Internacional foi assinalado por artigo do advogado inglês Peter Benenson, seu criador, no jornal The Observer, que começava da seguinte forma. “Abra seu jornal qualquer dia da semana e você encontrará um artigo sobre alguém sendo preso, torturado ou executado em algum lugar do mundo porque suas opiniões ou religião são inaceitáveis para o seu governo. O leitor do jornal sente uma sensação de impotência. Mas se esses sentimentos de repulsa puderem ser reunidos numa ação comum, algo efetivo poderá ser feito”.

Algo poderá ser feito, através de uma ação comum, nascida da repulsa e do sentimento de incapacidade, atuando sobre importantes condôminos do governo mundial, como são as empresas-cidadãs.

Qualidade de Empresa-Cidadã
Neste Ano Internacional do Voluntário, merece ser mais conhecida a iniciativa da Alcoa, maior fabricante mundial de alumínio. Kathleen Buechel, presidente mundial da Alcoa Foundtion, tem a certeza de que “as empresas são avaliadas também pela forma como atuam na comunidade” e por isso prega o conceito de cidadania global. Dos 35 países em que o grupo Alcoa está presente, a Alcoa Foundation já atua em 26, tendo investido em 2000 o equivalente a US$ 21,1 milhões, distribuídos por quase 2000 projetos.
Fora dos EUA, sede da companhia, os projetos brasileiros são os que recebem mais recursos, além de ser o Brasil o único em que eles são coordenados por um instituto. O modelo desenvolvido no Instituto Alcoa, que passará a ser exportado para outras regiões do mundo, consiste na participação ativa dos funcionários da empresa na adoção dos projetos sociais, prioritariamente os educacionais. O voluntariado corporativo já alcança 10% dos 7 mil trabalhadores da empresa e em algumas regiões supera esta marca, como no caso do Maranhão, onde chega a 45% entre os colaboradores da Alumar.
A nova fase de implementação no exterior do modelo desenvolvido no Brasil consistirá na reunião de grupos de dez empregados voluntários que apresentarão os projetos candidatos a financiamento pela Alcoa Foundation. Cada projeto aprovado receberá o equivalente a US$ 10 mil para o seu desenvolvimento.

Paulo Márcio de Mello
Professor e diretor de planejamento da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Correio eletrônico: [email protected]

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