Uma semana sob forte turbulência

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O decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, ficou incrédulo com o vídeo da reunião ministerial, ocorrida no Palácio do Planalto, em 22 de abril. E, diante dessa gravidade, espera-se que o ministro atenda ao pedido do ex-ministro Sergio Moro e levante o sigilo da íntegra do vídeo do presidente Jair Bolsonaro com seus auxiliares, em nome do interesse público.

Celso de Mello já destacou em uma decisão do início deste mês “não haver, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério”. O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, defende a divulgação integral do vídeo da reunião.

O vídeo é considerado uma peça-chave nas investigações do “inquérito Moro X Bolsonaro”, que apura se o presidente da República tentou interferir politicamente na Polícia Federal para obter informações sigilosas. Celso de Mello assistiu ao vídeo de sua residência em São Paulo, onde cumpre o distanciamento social em meio à crise sanitária provocada pelo novo coronavírus.

Quando a pandemia foi declarada pela Organização Mundial da Saúde, o decano se recuperava de uma cirurgia no quadril. O magistrado, de 74 anos, é conhecido pelas decisões aprofundadas, elaboradas, repletas de grifos, negritos, trechos sublinhados e citações a especialistas e à jurisprudência da Corte.

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Até agora, apenas dois trechos da reunião foram tornados públicos, conforme transcrição feita pela Advocacia-Geral da União, que defende Bolsonaro no caso. “Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. isso acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o Ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”, afirmou o presidente na ocasião.

A reunião foi marcada por palavrões, briga de ministros, anúncio de distribuição de cargos para o Centrão e ameaça do presidente Bolsonaro de demissão “generalizada” a quem não adotasse a defesa das pautas do governo. O vídeo também registra o ministro da Educação Abraham Weintraub dizendo “que todos tinham que ir para a cadeia, começando pelos ministros do STF” e a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves defendendo a prisão de governadores e prefeitos.

Existem informações de que durante a reunião foram feitos ataques à China e ministros responsabilizando o país asiático pelo surto do novo coronavírus. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, teria usado o termo “comunavírus”.

E corroborando, mais uma vez, com as denúncias de Moro de que Bolsonaro queria interferir na superintendência do Rio e na PF, o ex-chefe da PF do Rio, delegado Carlos Henrique Oliveira Santos, que pediu para ser ouvido novamente, mudou o seu depoimento, na última terça-feira à PF, e confirmou ter sido convidado pelo delegado Alexandre Ramagem, diretor da Abin e amigo do clã Bolsonaro, para ocupar uma diretoria da corporação, em Brasília.

Ramagem, segundo Carlos Henrique, lhe teria perguntado se aceitaria assumir o cargo como número 2 da PF, em que ele afirma ter respondido que “aceitaria”. No primeiro depoimento, Carlos Henrique teria dito que não foi procurado por ninguém e pediu para prestar novo depoimento para esclarecer esta informação.

Carlos Henrique ainda participou, após ser convidado por Ramagem, de uma audiência privada com Bolsonaro, em 2019, pouco antes de assumir a Superintendência da PF no Rio de Janeiro. Não há na agenda presidencial registro desse encontro. Ele alega que Sergio Moro, ex-ministro da Justiça, e Maurício Valeixo, ex-diretor-geral da PF, sabiam da reunião e não teriam participado por estarem fora de Brasília. O atual número 2 da PF afirmou ainda que apenas ele, Alexandre Ramagem e Bolsonaro participaram da reunião, que durou cerca de 30 minutos.

Carlos Henrique substituiu Ricardo Saad na chefia da PF no Rio em 2019, em uma das primeiras tentativas de Bolsonaro de trocar o comando da PF em seu estado de base política. Ele também afirmou, neste novo depoimento, que “um trâmite diferente do habitual” na Operação Furna da Onça, que atingiria Flávio Queiroz, assessor de um dos filhos de Bolsonaro, teve “consequências logísticas” nesta e em outras operações.

Ele ainda relatou que, na deflagração da operação, um dos suspeitos estava esperando as equipes da PF, “trajado socialmente e com diploma universitário na mão” e que, na época, determinou abertura de investigação para apurar vazamento na investigação. Indício claro de vazamento.

Com a saída de Moro e a troca no comando da PF, Carlos Henrique foi escolhido para diretor executivo da corporação. Além dele, o delegado Claudio Ferreira Gomes, que coordenou as investigações do caso Marielle, no Rio, também prestou depoimento na terça-feira, dia 19.

E como a semana está em ebulição, ainda teve, na quarta, dia 20, o depoimento do empresário Paulo Marinho, suplente do senador Flávio Bolsonaro, à PF, no Rio, no qual ele reafirmou tudo o que dissera à jornalista Mônica Bérgamo, da Folha de São Paulo.

Segundo o empresário, o senador fora informado por um delegado da PF, entre o primeiro e o segundo turnos da eleição de 2018, que seria deflagrada a Operação “Furna da Onça”, que continha um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre a movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz, então assessor de Flávio.

Por causa desse relatório, Queiroz passou a ser investigado por suspeita de operar um esquema de “rachadinha”, no gabinete de Flávio, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Segundo o relato de Marinho, foi o próprio senador que o procurou para contar sobre o episódio do vazamento, depois que o caso veio à tona, em dezembro de 2018. Na ocasião, ele estava acompanhado do advogado Victor Granado Alves, seu então assessor parlamentar, na Alerj.

De modo independente, um outro inquérito será conduzido pela Corregedoria para verificar o vazamento e vai ouvir os delegados e policiais que participaram das investigações da Operação Furna da Onça. A opção foi feita para dar celeridade ao caso. Entre os que serão ouvidos, está a delegada Xênia Soares, presidente do inquérito na PF, e os policiais que trabalharam na investigação.

Xênia Soares é delegada desde 2009 e atuou na Operação Cadeia Velha, em novembro de 2017, responsável pela prisão de Jorge Picciani, então presidente da Alerj, e os deputados estaduais Paulo Melo e Edson Albertassi. Na ocasião, a Cadeia Velha foi comandada pelo então delegado Alexandre Ramagem.

A Furna da Onça foi uma operação que ocorreu em um desdobramento da anterior e prendeu outros dez deputados estaduais sob acusação de recebimento de propina e compra de votos no governo de Sérgio Cabral.

Ainda na mesma tensa quarta-feira, o general-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, assinou protocolo autorizando o uso da cloroquina no combate ao coronavírus, indo na contramão da ciência. Aliás, nessa interinidade, o general-ministro aparelhou o Ministério da Saúde contratando 13 militares em postos-chaves. Parece até um quartel.

E de forma humilhante, Regina Duarte sai de cena, depois de ter tentado, sem sucesso de crítica, e durante 77 dias, viver o papel de secretária nacional de Cultura. Certamente, o pior papel vivido pela artista. Sai vaiada por colegas de profissão. Atriz com uma biografia espetacular, ela, que encarnou papéis memoráveis, não soube interpretar ao gosto de Bolsonaro o que ele lhe reservara. Sai pequena de todo esse imbróglio, tendo feito inimizades profundas com a classe à qual pertence. E, como consolação, lhe será entregue a Cinemateca Brasileira, falida, fechada e com salários dos funcionários atrasados.

Em meio a tanto furdunço, o mesmo ministro Celso de Mello mandou informar ao presidente Bolsonaro sobre pedido de impeachment. Trata-se de um recurso enviado ao STF para que o ministro Celso de Mello obrigue o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a analisar um pedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Na Câmara já se encontram 30 pedidos de impeachment.

Celso de Mello é o ministro mais antigo no STF e foi indicado para o cargo, em 1989, pelo então presidente José Sarney. Ele foi presidente do Supremo durante 1997 a 1999.

E assim vamos vivendo, dia após dia, em um Brasil sem comando e totalmente paralisado, diante de uma pandemia que já matou, no país, quase 20 mil pessoas, com quase 300 mil pessoas contaminadas. Diante desse horror, constamos que o Brasil é o país em que mortes por Covid-19 mais avançam. Sem qualquer política pública sanitária, vamos enterrando nosso povo, com desprezo.

Triste Brasil.

Paulo Alonso

Jornalista.

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