100 anos de Leonel Brizola

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Leonel-Brizola (foto: Ana Nascimento/ABr)
Leonel Brizola (foto: Ana Nascimento/ABr)

Suas ideias, em que pesem os anos passados, continuam vivas

 

O Brasil vive um dos seus piores e mais intrigantes períodos políticos, tendo à frente um presidente da República completamente despreparado para o exercício do seu cargo e não tendo segurança alguma no que quer implementar. Ações primitivas. Frases vulgares. Gestos grosseiros. Um verdadeiro fracasso como líder de uma Nação e muito aquém da grande maioria dos brasileiros, que hoje o rejeitam em quase 70%, segundo as últimas pesquisas.

Diante desse cenário desesperador, sombrio, triste e absolutamente inaceitável, com Bolsonaro, dia após dia, se colocando contra os ditames sanitários do Mundo, sendo reacionário, negacionista, egoísta, sem noção e, sobretudo, cruel com brasileiros e brasileiras, com uma economia sem rumo, com o desemprego atingindo o alarmante número de 14 milhões de cidadãos; com a saúde em frangalhos; ataques violentos à Anvisa; educação sucateada; cultura aniquilada; Forças Armadas submissas à vontade de um Capitão; ataques frontais à democracia e aos Poderes Legislativo e Executivo; desrespeito à Constituição Federal; promovendo fake news; com uma ausência de política de Estado no que diz respeito ao meio ambiente; é oportuno lembrar e reverenciar o político Leonel de Moura Brizola que, se vivo, estaria fazendo 100 anos, neste mês de janeiro, no próximo dia 22.

Guerreiro, ousado, dinâmico, sagaz, hábil, culto e antenado com as grandes questões brasileiras, Brizola sempre exerceu os cargos que ocupou com altivez, real preocupação com as necessidades dos brasileiros e do Brasil, trabalhando pelo bem-estar da população, pelo desenvolvimento e pela sustentabilidade do país.

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Foi um homem por vezes polêmico em vários dos seus atos, mas jamais, e em tempo algum, deixou de ter uma visão larga sobre o Brasil e, principalmente, sempre esteve à frente do seu tempo, quando o assunto era Educação. Sua obstinação pela educação era gigantesca, e ele a perseguia como peça chave para a mudança do Brasil, pois acreditava, e estava naturalmente certo, que “a educação é o único caminho para emancipar o homem”.

Também dizia que “desenvolvimento sem educação é criação de riquezas apenas para alguns privilegiados.” Frase lapidar. E daí resolveu criar, com Darcy Ribeiro, os Cieps, entendendo que “uma criança só pode aprender quando se nutre, come, está na escola e não quando está cheia de parasitas.” Para Brizola, todas as crianças deveriam ter direito à escola, “mas para aprender devem estar bem nutridas. Sem a preparação do ser humano, não há desenvolvimento. A violência é fruto da falta de educação.”

Considerado um político nacionalista, foi governador do Rio Grande do Sul, estado onde nasceu, e duas vezes eleito governador do Rio de Janeiro, sendo o único político eleito pelo povo a governar dois estados diferentes da Federação em toda a História do Brasil.

Trabalhou como engraxate, graxeiro, ascensorista e servidor público, antes de ir estudar engenharia civil, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1945. Enquanto estudava na UFRGS, ingressou na política, ficando responsável por organizar a ala jovem do Partido Trabalhista Brasileiro. Em um evento político, conheceu Neusa Goulart, irmã do também político João Goulart, que viria a ser presidente da República.

Deputado estadual, deputado federal, prefeito de Porto Alegre, em 1958 foi eleito governador do Rio Grande do Sul. Como governador, tornou-se proeminente por suas políticas sociais e por promover a Campanha da Legalidade, em defesa da democracia e da posse de Goulart como presidente. Em 1962, transferiu seu domicílio eleitoral para a então Guanabara, estado pelo qual elegeu-se deputado federal.

Com o Golpe Militar, Jango foi para o exílio, e Brizola teve o mesmo destino, assim como vários outros que lutavam pela democracia. Voltou ao Brasil em 1979, depois de um exílio de 15 anos entre o Uruguai, Estados Unidos e Portugal. No mesmo ano, fundou e presidiu o Partido Democrático Trabalhista. Em 1982, foi eleito governador do Rio de Janeiro, iniciando um programa de construção dos Cieps. Na eleição presidencial de 1989, por pouco não foi para o segundo turno. Em 1990, voltou a governar o Rio de Janeiro, sendo eleito no primeiro turno.

Brizola passou os primeiros dez anos da ditadura militar isolado no Uruguai, onde geriu a propriedade de sua esposa e manteve-se informado sobre o que acontecia no Brasil. No final da década de 1970, a ditadura militar se apresentava em declínio e, em 1979, após a anistia ampla, geral e irrestrita, seu exílio finalmente chegou ao fim.

Brizola voltou ao Brasil com a intenção de restaurar o PTB, como um movimento de massas radical, nacionalista, de esquerda e como confederação de líderes históricos seguidores de Vargas. Ele encontrou dificuldades pelo surgimento de novos movimentos populares e foi impedido de usar o nome histórico do Partido Trabalhista Brasileiro, anteriormente concedido a um grupo rival centrado em torno de uma figura amigável a ditadura militar, a deputada Ivete Vargas, sobrinha-neta de Getúlio Vargas.

Brizola, então, fundou o PDT. Em 1982, Brizola concorreu a governador do Rio de Janeiro, na primeira eleição livre e direta para o governo carioca desde 1965, com Darcy Ribeiro seu candidato a vice-governador. Centrando sua campanha em questões como educação e segurança pública, apresentou uma candidatura que se propôs a manter o legado de Vargas.

Brizola então continuou e expandiu sua visibilidade política em todo o país durante seu primeiro mandato como governador do Rio de Janeiro, de 1983 a 1987. No início de 1984, engajou-se nas manifestações das Diretas Já, organizando o Comício da Candelária. Após a derrota da emenda Dante de Oliveira, defendeu que o presidente eleito na eleição indireta de 1985 comandasse um governo de transição, convocando eleições diretas em dois anos. Apesar de não confiar politicamente em Tancredo Neves, orientou a bancada do PDT a votar em seu favor.

Como governador, Brizola desenvolveu suas políticas educacionais em uma escala maior com um ambicioso programa de construção de grandes escolas de ensino médio, os Cieps, arquitetados por Oscar Niemeyer. As escolas deveriam estar abertas durante todo o dia, proporcionando alimentação e atividades recreativas aos estudantes. Brizola também desenvolveu políticas para a prestação de serviços públicos e entregou propriedades habitacionais para moradores de favelas.

Após a eleição de 1989, Brizola ainda possuía chances de realizar seu sonho de chegar à Presidência da República se conseguisse superar a falta de penetração nacional de seu partido. Alguns de seus assessores propuseram-lhe uma candidatura ao Senado na eleição de 1990. Brizola recusou a ideia e candidatou-se a governador, conquistando um segundo mandato como governador do Rio de Janeiro. Para ele, o Rio tinha de fazer uma espécie de Revolução de 30, “sem armas: vamos derrubar o regime neoliberal para o Rio resolver seus problemas.”

Em seu segundo mandato, inaugurou a Universidade Estadual do Norte Fluminense e construiu a Via Expressa Presidente João Goulart, mais conhecida como Linha Vermelha.

Quando da sua morte, em 22 de junho de 2004, o Congresso Nacional prestou-lhe homenagens, e o então presidente Lula decretou luto oficial de três dias. No Rio de Janeiro, 200 mil pessoas foram até o Palácio Guanabara para se despedir de Brizola. Em 24 de junho, depois de também ter sido velado no Palácio Piratini, em Porto Alegre, Brizola foi sepultado em São Borja, no Cemitério Jardim da Paz, onde também se encontram os túmulos de sua esposa, Neusa, e dos presidentes Getúlio Vargas e João Goulart.

Na ocasião, o obituário do The Guardian resumiu Brizola como um “líder de esquerda carismático mas divisivo que dominou a política brasileira por meio século”. Já o cientista político Hélgio Trindade ressaltou que, como governante, teve uma “obsessiva valorização da educação, que se traduziu em ambiciosos investimentos na área da expansão de prédios escolares”. Por sua vez, o jornalista Colin Harding, do The Independent, afirmou que ele foi a “consciência da esquerda” do governo de Goulart.

Brizola era reconhecido por sua fala, carregada do sotaque e de expressões gaúchas. Sua retórica era inflamada, não perdendo a oportunidade para criar caricaturas verbais de seus oponentes. Frasista eloquente e muito criativo, disparava coisas como: “Nossos caminhos são pacíficos, nossos métodos democráticos, mas se nos intentam impedir, só Deus sabe nossa obstinação”; ou “Estou pensando em criar um vergonhódromo para políticos sem-vergonha, que, ao verem a chance de chegar ao poder, esquecem os compromissos com o povo”; ou “nós queremos um regime que não seja apenas da raposa, queremos um regime da raposa e da galinha, onde existem espaços para os dois.”

Brizola foi um orador carismático, capaz de provocar fortes reações entre partidários e adversários, criticando-os com sagacidade: “Venho e volto do campo, e os bois são os mesmos: não mudam de caráter. Já os homens…”

Em 2012, Brizola ficou na 47º colocação no concurso O Maior Brasileiro de Todos os Tempos. Em dezembro de 2015, a então presidenta Dilma Rousseff sancionou a lei que inseriu Brizola no Livro de Heróis da Pátria.

Políticos como Brizola, com coragem, determinação, altivez e desejo efetivo de um Brasil mais próspero, com Ordem e Progresso, são poucos na atualidade. Dezenas deles pregam as bandeiras de Brizola, não por convicção, mas por saberem que seu legado ainda representa honradez na política e que suas ideias, em que pesem os anos passados, continuam vivas.

 

Paulo Alonso, jornalista, é reitor da Universidade Santa Úrsula.

4 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns Paulo Alonso ! O melhor relato que já li sobre o nosso incomparável Leonel Brizola !
    Sim, eu estava lá na despedida no Palacio Guanabara .
    Saudade , muita saudade de um estadista brasileiro íntegro , corajoso ! Saudade de sua voz! Seus discursos emocionados , seus punhos no ar , prontos pra luta ! Saudade de segui- lo em meio às multidões !
    Obrigada por este texto ! Muito obrigada!

  2. SENSACIONAL
    Artigo que retrata sem fanatismo com precisão a trajetória do político que se preocupava em cuidar dos brasileiros . Educação e bem estar social .Respeito às classes menos favorecidas . Esse era o seu objetivo.

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