O poder como manifestação política, de acordo com Michel-Antoine Burnier (1942-2013) e Frédéric Bon (1943-1987) (Les idées politiques, 1969), surge ou de práticas sociais, ou de doutrinas ou revelações divinas, ou, ainda, de algum sistema exposto por pensadores.
Charles Maurras (1868-1952), poeta, “nacionalista integral”, como se autorretratava, católico, monarquista, via o poder como a “legitimação das classes dominantes”, enquanto a França “decaía pela Revolução Francesa, pelo Iluminismo e pela Reforma Protestante”.
A avassaladora presença da economia no Ocidente surgiu com a Idade Moderna e estreitou o poder na força, sobretudo naquela oriunda da pujança econômica.
Bem distinta é a concepção oriental, chinesa, para quem a “educação é diretamente orientada para as responsabilidades políticas”: “Quando um homem com cargo oficial descobre que pode fazer mais do que dar conta dos seus deveres, então ele estuda; quando um estudante descobre que pode mais do que dar conta dos seus estudos, então ele aceita um cargo oficial” (Confúcio, Os Analectos, Livro XIX, 13).
O Ocidente, neste século 21, tem nas finanças o poder que se sobrepõe à vontade popular, quer por artifícios, quer pela corrupção. Entre as formas que se utiliza está a “alternância do poder”, simulada por partidos que têm a mesma fonte de poder, o plutocrático, mas se apresentam como se defendessem ideais distintos.
Já a República Popular Chinesa, a República Popular Democrática da Coreia, República Popular Democrática do Laos, República Socialista do Vietnã, na Ásia, a República de Cuba, na América Central, e o Estado da Eritreia, no leste da África, são países de partido único, no pressuposto de que as divergências se dão apenas quanto ao modo de defender a soberania do Estado e a condição cidadã da população, objetivo de todos.
Em meados do século 20, havia um chiste, relativo aos Estados Unidos da América (EUA), afirmando ser a diferença entre o governo do Partido Democrata e o do Partido Republicano, que, no primeiro, quem mandava era a General Motors e, no segundo, a General Electric. Era possível o gracejo pois o poder da indústria ainda prevalecia nos EUA. Hoje fica sem sentido pois há um único poder nos EUA: o financeiro, dos “gestores de ativos”.
As manipulações de fato e o poder
O jornal New York Post informou que o Serviço Secreto dos EUA havia eliminado a cocaína encontrada, em 2023, na Casa Branca. Porém o conhecimento deste fato só foi possível pela divergência de procedimentos ocorrida no acobertamento do ilícito: “Centenas de pessoas trabalham na Casa Branca e estariam no rol dos suspeitos”, alegou o Serviço Secreto.
Mais recentemente, um analista das relações internacionais refletiu que a eleição, em que a oposição declara meses antes da sua realização ser fraudada, cria, desde logo, a dificuldade para definir se houve efetivamente fraude ou se há, na realidade, um projeto golpista. O caso da Venezuela é o mais recente acontecimento.
O poder usa sua capacidade de comunicação para ocultar os fatos. Se houve sempre esta manipulação, as possibilidades se multiplicaram com os sistemas e equipamentos de comunicação digital e as informações virtuais, sem materialidade alguma.
O declínio do Eixo Hegemônico do Ocidente, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e os EUA e seus satélites, diante das organizações asiáticas, surgidas no século 21, tais como a Organização para Cooperação de Xangai (15/6/2001) e a Iniciativa do Cinturão e Rota ou Cinturão Econômico da Rota da Seda e da Rota da Seda Marítima do Século 21 (2013), que se somaram à Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) criada em 1967, evidencia-se pelo abandono do acordo do petrodólar pela Arábia Saudita, pelo fracasso da transição energética como sustentáculo das finanças anglo estadunidenses, e pela oposição às guerras construídas por “revoluções coloridas” praticadas por serviços secretos dos EUA, Reino Unido e França.
O Eixo Ocidental poderia se reestruturar no projeto multipolar, mas suas estruturas de poder não podem dispensar a condição de hegemonia.
Embora haja a forte presença da comunicação de massa ocidental, sempre com as finanças apátridas como sustentáculo, os povos cada vez mais sentem a presença da guerra em seus territórios e pela falta de conhecimento adequado resultam em eleições como se viu na Europa e, em especial, no Reino Unido e na França recentemente: verdadeira “coisa de doido”, como se expressava o comediante Jô Soares. Amanhece-se com a vitória da direita (Parlamento Europeu), dorme-se com a vitória da esquerda (Legislativo Francês).
A invasão e destruição do poder nacional do Iraque é a mentira que continua há duas décadas, como escreveu Matthias von Hein, em 20 de março de 2023, publicado no Brasil de Fato. Recordando, como na chamada do artigo, “os EUA de Bush iniciavam a invasão alegando posse de armas de destruição em massa”.
E, somente em fevereiro de 2023, ainda foram assassinados pelas forças estadunidenses, 52 civis! Reino Unido, Austrália e Polônia participavam da matança, pois havia o prêmio em petróleo, saqueado do país detentor da quarta maior reserva mundial.
Em 2011, os EUA voltam a atacar, desta vez o país que abrigava a oitava maior reserva de petróleo, a Líbia, detentora do maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da África.
Mais uma vez os poderes financeiros e militares se unem para roubar o petróleo de outras nações. E, dentro desta geopolítica do petróleo, a Síria sofre, desde 2011 das “primaveras”, que os serviços secretos dos EUA, do Reino Unido e seus aliados movem contra países que defendem suas autonomias governamentais na África, América Latina e no Oriente Médio. Vez por outra, fica-se sabendo do roubo de petróleo sírio pelas forças estadunidenses.
Lorenzo Carrasco, do Conselho Editorial do MSIA – Movimento de Solidariedade Ibero-americana, escreveu, no Volume XXXI, junho/2024, o artigo: “Por que já estamos na III Guerra Mundial”, assim iniciado: “Já estamos na III Guerra Mundial. O nome se justifica pelo estabelecimento de uma nova ordenação do poder global, como ocorreu com as duas guerras mundiais do século 20. E poucos duvidam de que a guerra Rússia-Ucrânia seja um dos eventos sinalizadores de uma nova ordem de poder mundial, com a substituição da hegemonia unipolar pós-Guerra Fria centrada nos EUA por um cenário multipolar com diversas potências capazes de fazer valer os seus direitos e uma forte presença do chamado Sul Global, cada vez mais assertivo e menos temeroso dos defensores da ordem moribunda”.
A mudança no século 21
O fim da história, como foi saudado o triunfo do financismo, com o Consenso de Washington (1989) e a derrocada da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (1991), chegou a bem menos de meio século.
Os Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) surgem como “países de mercado emergente”, em junho de 2009. Em 2011 é agregada a África do Sul, incorporando o S à sigla: Brics, como ficou então conhecida, mesmo em 2024, quando já incorpora quatro novos países e tem trinta candidatos para sua expansão.
Como já vimos, também surgem a OCX e a ICR, como novas organizações multinacionais que defendem a soberania de todos parceiros. Não é imposta a homogeneidade global. Os organismos surgidos do triunfo dos Aliados na II Grande Guerra perdem gradativamente importância e poder.
Os Brics já têm seu banco de desenvolvimento. As OCX e ICR ampliam pela Ásia, África e Europa sua ação comercial e de integração por redes de transporte ferroviário, marítimo, lacustre e dutoviário.
O papel das finanças deixa de ser impositivo para secundar a produção industrial e o desenvolvimento tecnológico.
No campo estritamente político, os partidos conservadores, da direita nacionalista, agregam outras correntes, como os “verdes”, como demonstram as últimas eleições europeias.
A comunicação à época da vitória contra o nazifascismo ainda não atingira o que Miguel Nicolelis designou por S-info (“O verdadeiro criador de tudo”, ver primeiro artigo desta série: “Geopolítica e Humanidade”, Monitor Mercantil, 7/8/24), ou seja, a informação digital. A televisão começava a invadir os lares estadunidenses e ocidentais a partir dos anos 1940.
As esquerdas oscilam entre a globalização da luta de classes e as soluções nacionais para o desenvolvimento de seus Estados Nacionais e a segurança e bem-estar de seus cidadãos.
A secular publicação britânica, The Economist (1843), em 9 de maio de 2024, apresentava a matéria “A ordem internacional liberal está lentamente a desmoronar-se”, com o subtítulo: “Seu colapso pode ser repentino e irreversível”. E nela se lia: “À primeira vista, a economia mundial parece tranquilizadoramente resiliente. A América cresceu mesmo com a escalada da guerra comercial com a China. A Alemanha resistiu à perda do fornecimento de gás russo sem sofrer um desastre económico. A guerra no Médio Oriente não trouxe nenhum choque petrolífero. Os rebeldes Houthi, que disparam mísseis, mal tocaram no fluxo global de mercadorias”.
Uma semana depois, sob o título: “A América é à prova de ditadores?” (16/5/2024) questiona: “Como pode ter chegado a este ponto? Após a vitória na Guerra Fria, o modelo americano parecia incontestável. Uma geração depois, os próprios americanos estão a perder a confiança nele. Uma guerra irresponsável, uma crise financeira e a podridão institucional libertaram uma ferocidade na política americana que deu às disputas presidenciais riscos aparentemente existenciais. Os americanos ouviram os seus líderes denunciarem a integridade da sua democracia. Viram concidadãos tentando bloquear a transferência de poder de uma administração para outra. Têm boas razões para se perguntarem quanta proteção o seu sistema lhes garante contra o impulso autoritário que cresce em todo o mundo”.
No entanto, como aqui vem sendo apresentado, há um somatório de farsas, onde o interesse da humanidade não é observado; apenas o acúmulo e concentração do capital financeiro. E, o que é mais grave, em papéis que, cada vez mais, não se suportam em lastros reais, mas em papéis sem lastro, fazendo antever uma derrocada que deixará 1929 e 2008 como a infância das tragédias.
Joseph Borrell Fontelles (1947), vice-presidente da Comissão Europeia, alto representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, que afirmava “a Europa é um jardim. Tudo funciona. É a melhor combinação de liberdade política, prosperidade econômica e coesão social que a humanidade foi capaz de construir”, deve andar mudo, sua tagarelice não tem mais como ser arrotada. A guerra na Ucrânia não foi um ataque da Federação Russa, mas uma “primavera” na Praça Maidan, em Kiev, entre 18 e 23 de fevereiro de 2014, contra o presidente eleito Víktor Fédorovytch Ianukóvytch, sob o surrado pretexto de corrupção, pois se tratava de um governo colaborador do presidente Putin.
A falta de energia que colocou abaixo a indústria alemã foi resultado da sabotagem estadunidense nos gasodutos Nord Stream 1 e Nord Stream 2, em 26 de setembro de 2022.
A concentração de renda por toda Europa colocou maiores contingentes de sem teto pelas ruas da Espanha de Borrell, da França, Holanda, Bélgica, Reino Unido e por toda União Europeia.
Se a III Grande Guerra surgir, não será por oposições, mas pela única solução que as finanças terão encontrado para se manter no poder, ainda que restrito ao Ocidente, pois a África do Mali, de Burkina Faso e do Níger, desde 2023, celebraram acordo de defesa mútua contra os EUA e seus antigos colonizadores, e contam com a ajuda da Rússia e da China.
Por outro lado, a compra de reatores nucleares dos EUA pela Europa Oriental é principalmente por laços militares, não sobre mudanças climáticas.
Países da Europa Oriental, como a Polônia, são participantes ativos neste esforço para renomear a energia nuclear como limpa e favorável ao clima. A inclusão da Polônia nesta lista deve ser surpreendente: sua eletricidade vem principalmente de combustíveis fósseis, e o país não se comprometeu com nenhuma meta líquida zero, tornando-a “a nação mais baixa colocada da UE” em sua capacidade de atingir emissões líquidas zero até 2050. No entanto, em 2023, o governo da Polônia anunciou planos para importar reatores nucleares.
Dada a guerra em curso na Ucrânia e as tensões em várias partes do mundo, a combinação de geopolítica e tecnologia nuclear pode ser perigosa, mesmo que seja ineficaz para mitigar as mudanças climáticas (apud Bulletin of the Atomic Scientists, 2/8/2024).
A esperança de paz vem do Oriente dos Estados com partidos únicos.
Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.