60 anos do golpe militar – Crescimento baseado em dívida abriu a porta para o neoliberalismo

Dívida externa passou de 11% do PIB em 1969 para 48% do PIB em 1984; austeridade imposta pelo FMI moldou economia pós-ditadura

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Brasil vai ao FMI (reprodução de parte da capa do JB de 27-11-1982)
Brasil vai ao FMI (reprodução de parte da capa do JB de 27-11-1982)

Em 1964, o golpe militar tirou do poder o presidente João Goulart e lançou o Brasil em 21 anos de ditadura. Na economia, o período de 1969 até 1973 ficou conhecido como “milagre econômico”, em que a economia brasileira cresceu a uma taxa média anual de 10,7%. O crescimento foi turbinado pelo endividamento externo em juros pós-fixados; com os dois choques do petróleo, na década de 1970, o custo ficou impagável. “A dívida abriu a porta para o neoliberalismo”, sentenciaram Reinaldo Gonçalves e Valter Pomar no livro O Brasil endividado (editora Fundação Perseu Abramo, 2000).

“Quando aconteceu o golpe de 1964 no Brasil, a dívida era de cerca de US$ 2,5 bilhões. Quando o último presidente-general saiu do Palácio, em 1985, a dívida tinha passado dos US$ 100 bilhões”, descrevem Gonçalves e Pomar. A dívida externa passou de 11% do Produto Interno Bruto (PIB), em 1969, para 16,6% do PIB, em 1973. Em 1978, atingiu 26% do PIB. Em 1984, penúltimo ano da ditadura, a dívida externa alcançou 48,2% do que o Brasil produzia. (Os dados são do livro O Brasil endividado; outros autores fazem cálculos diferentes, todos em torno de 50%)

Mesmo no período do “milagre econômico”, a dívida externa cresceu mais rapidamente que o Produto Interno Bruto: 211% contra 208%, respectivamente.

Os choques do petróleo na década de 1970 levaram a taxa de juros norte-americana de 3% para 20%. A partir dos anos 1980, o Brasil torna-se exportador líquido de capitais. O País acaba refém do Fundo Monetário Internacional (FMI).

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Na década de 1980 e no início da de 1990, já após a ditadura, ficaram famosas as “missões” do FMI ao Brasil, comandadas pelas economistas chilena Ana Maria Jul e italiana Teresa Ter-Minassian. “O programa de ajuste acertado com o FMI visava, a médio e longo prazos, alterar o padrão de desenvolvimento e modificar a forma de inserção do Brasil na economia mundial. De imediato, para honrar o serviço da dívida, tratava-se de gerar megasuperávits comerciais” (O Brasil endividado).

Na nota à recém-lançada edição brasileira de A ordem do capital – Como economistas inventaram a austeridade e abriram caminho para o fascismo (editora Boitempo), a professora no Departamento de Economia da The New School for Social Research, Clara E. Mattei, explicita: “(…) a imposição de medidas de austeridade pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para a concessão de empréstimos internacionais não foi acaso. A ingerência do FMI afetando diretamente assuntos ínsitos à soberania do País culminou na aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000, como parte de uma pauta de ‘recomendações’ que asseguraria o pagamento da dívida. Contudo, para além de estabelecer garantias desse pagamento, o verdadeiro intuito era ditar como a política deveria orientar-se, a prescindir do governante no poder.”

Reinaldo Gonçalves e Valter Pomar sentenciam: “Para atrair esses capitais [externos], o governo brasileiro adotou várias medidas, entre as quais uma elevada taxa de juros. De janeiro de 1992 a junho de 1994, a taxa média anualizada de juros internos foi oito vezes superior à taxa internacional (…)”

A crise da dívida externa só viria a ocorrer nos governos do Partido dos Trabalhadores (PT); a da dívida interna, turbinada pelos juros, como visto acima, continua ditando a política econômica brasileira.

Usina hidrelétrica de Itaipu
Usina hidrelétrica de Itaipu (foto de Alexandre Marchetti)

Dívida e o II PND

A dívida externa contraída no período da ditadura militar financiou o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), aprovado em 1974, que tinha como objetivo concluir a industrialização brasileira. “Para isso, foi facilitada a captação de capitais estrangeiros, para investimento em áreas como energia, siderurgia e transporte. Foi o caso da Eletrobrás, das Centrais Elétricas de São Paulo (Cesp), da Nuclebrás, da Itaipu Binacional, da Light Serviços de Eletricidade S/A, da Açominas, da Acesita, da Siderúrgica Tubarão, da Companhia Siderúrgica Nacional, da Siderbrás, da Rede Ferroviária Federal, particularmente a Ferrovia do Aço, da Companhia do Metrô do Rio de Janeiro, da Superintendência da Marinha Mercante, da Transamazônica, da Ponte Rio-Niterói etc.”, conforme Paulo Davidoff Cruz, no livro Dívida externa e política econômica: a experiência brasileira nos anos setenta (Coleção Teses, Unicamp, 1999)

“As empresas privadas também se endividaram, mas a maior parte dos empréstimos, nesse período, foi captada por governos e empresas públicas”, prossegue Cruz. “No final do governo Geisel, as empresas públicas estavam superendividadas, servindo ainda de captadoras de novos empréstimos, apenas para garantir que o País pudesse honrar o serviço da dívida. Apesar disso, alguns especialistas sustentam que, não fosse o choque do petróleo e a alta dos juros, os investimentos possibilitados pelos empréstimos gerariam os recursos necessários ao pagamento da dívida”, pontua Paulo Cruz.

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