O Brasil tem registrado um aumento nos pedidos de recuperação judicial. Esse movimento não é apenas um dado estatístico, mas um reflexo direto da conjuntura econômica do país e das dificuldades enfrentadas pelas empresas para manterem suas atividades de forma sustentável. Ilustrando essa tendência, o mês de janeiro de 2025 marcou um crescimento de 8,7% nos pedidos de recuperação judicial em relação ao mesmo período do ano anterior, totalizando 162 solicitações, segundo o Indicador de Falências e Recuperações Judiciais da Serasa Experian. Esses números são a continuidade de um recorde histórico atingido em 2024, quando o país obteve 2.273 pedidos ao longo do ano.
As micro e pequenas empresas são as mais impactadas pelo atual cenário econômico, representando 79,6% dos pedidos realizados em janeiro deste ano, o que mostra uma vulnerabilidade estrutural dessas organizações. Naturalmente, essas instituições de menor porte possuem uma margem financeira mais reduzida para enfrentar oscilações de mercado, crises econômicas e fatores externos, como inflação e alta carga tributária.
Entre os setores com maior registro de pedidos de recuperação judicial neste ano, o de serviços lidera o volume de requerimentos, com 54 solicitações, seguido pela indústria (47), setor primário (42) e comércio (19). A sensibilidade aos efeitos econômicos é nítida nesses segmentos, já que eles têm uma maior dependência da demanda interna e, por isso, são os mais suscetíveis aos impactos da redução da renda da população.
Outro setor que sofre com a perda de renda dos brasileiros é o da educação. O recente pedido de recuperação judicial do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) exemplifica os desafios enfrentados por instituições do setor educacional. A FMU busca negociar um passivo de aproximadamente R$ 130 milhões e justifica sua situação financeira alegando os impactos econômicos da pandemia, o aumento da inflação e a redução da renda da população, que levaram a um crescimento da inadimplência e da evasão escolar.
Além desses fatores apontados pela FMU, faculdades e universidades enfrentam altos custos operacionais com aluguéis de grandes estruturas, manutenção de espaços, contas de serviços públicos e folha de pagamento de docentes e colaboradores. Soma-se a isso a migração de estudantes para cursos na modalidade de ensino a distância (EAD), oferecidos por concorrentes a preços mais acessíveis, agravando ainda mais a situação financeira dessas instituições.
Esses motivos levaram diversas instituições de ensino a solicitarem RJ, não só a FMU. Desde 2021, o grupo educacional Fortium, formado pela Faculdade Evangélica de Taguatinga e pela FORTIUM – Editora e Treinamento, a Rede Metodista de Educação, a Instituição Educacional São Judas Tadeu, entre outras, recorreram à Justiça para reorganizar suas finanças e manter as operações, refletindo uma tendência entre as instituições de ensino, principalmente aquelas com ofertas de cursos tradicionais presenciais.
O caso da FMU chama especial atenção pela magnitude da instituição, que possui renome e atua na promoção da educação no país há mais de cinco décadas. O deferimento do pedido de RJ pela 1.ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo confirma que a FMU preenche os requisitos legais para o processo de recuperação. No entanto, surgem dúvidas em relação à capacidade da empresa de implementar um plano viável para reverter sua crise econômica e garantir a continuidade de suas atividades, tendo em vista os desafios impostos pela perda de alunos, excesso de endividamento, impactos econômicos da pandemia de Covid-19, enxugamento de cursos e consequente perda de receita.
Por outro lado, apesar de as recuperações judiciais estarem em alta no empresariado brasileiro e de, cada vez mais, abrangerem segmentos antes inabaláveis, os dados mostram uma ponta de esperança. Em janeiro de 2025, houve uma queda de 20,3% nos pedidos de falência em comparação ao mesmo período de 2024, passando de 69 para 55 solicitações. Isso pode indicar um maior uso do instituto da recuperação judicial como alternativa para evitar a cessação definitiva das atividades empresariais.
Mesmo assim, o crescimento dos pedidos de recuperação judicial em 2025 sinaliza um desafio significativo para as empresas brasileiras. A atual conjuntura exige não apenas um planejamento financeiro mais eficiente por parte das organizações, mas também políticas públicas que facilitem o acesso a crédito e promovam um ambiente de negócios mais estável e previsível. A recuperação judicial é uma ferramenta jurídica importante para garantir a continuidade das atividades empresariais e a manutenção de empregos, evitando a falência, mas seu sucesso depende de uma gestão eficaz e da capacidade de adaptação ao novo cenário econômico.
Por fim, as empresas precisam estar atentas ao cenário econômico e implementar mecanismos e medidas que garantam a saúde financeira da organização. Para aquelas que pensam em buscar a recuperação judicial, é necessário estarem preparadas para renegociações complexas e decisões estratégicas que viabilizem a sustentabilidade do negócio a longo prazo.
Yuri Gallinari, advogado especialista em Recuperação Judicial e Falência pela Faculdade Autônoma de Direito (FADISP) e em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP). É membro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP) e da Comissão de Estudos de Falências e Recuperações Judiciais da Subseção Campinas, além de sócio do escritório Yuri Gallinari Advogados.
Nathália Albuquerque Lacorte Borelli é advogada, pós-graduada em Gestão e Estratégia Empresarial e em Direito Tributário. É membro da Comissão de Estudos em Falência e Recuperação Judicial da OAB/Campinas, do Centro de Mulheres na Reestruturação Empresarial, da IWIRC – Brasil, da Comissão de Direito Bancário e gestora jurídica do escritório Yuri Gallinari Advogados.