A bibliodiversidade e os direitos culturais

A bibliodiversidade e direitos culturais no Brasil: desafios editoriais e o papel das pequenas editoras na promoção da diversidade literária. Por Carolina Wanderley.

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Carolina de Castro Wanderley

O que é bibliodiversidade? Possivelmente, a palavra foi cunhada no final da década de 1990 pelo coletivo de Editores Independentes do Chile para designar a representação da pluralidade da sociedade no mercado editorial. Para que haja bibliodiversidade, é necessário existir uma multiplicidade de propostas editoriais, de editoras e de correntes de pensamento refletidas em publicações, somadas a uma ampla circulação de livros diversos, de forma a atender variados repertórios humanos.

Como existem inúmeras correntes de pensamento, tipos humanos, condições e opções individuais, seria natural que as publicações literárias dessem voz a todo esse caleidoscópio humano. Isso nos sugere o termo que intitula esta breve reflexão. Mas a bibliodiversidade encontra obstáculos, conforme veremos.

Devemos lembrar inicialmente que o consumo de livros é algo extremamente recente na história da humanidade. Segundo Hauser, em sua História social da literatura e da arte, até o século 18, o único tipo de publicação um pouco mais aceita na Europa era o “opúsculo de edificação religiosa”, ou seja, o livro de extrato moral religioso. A literatura secular, ou sem cunho religioso, só começou a se difundir com a expansão da imprensa periódica, da indústria livreira e da classe burguesa urbana recém-alfabetizada. Estamos falando da Europa de 1700 a 1800, e mesmo lá as taxas de analfabetismo eram altíssimas!

No Brasil, o letramento da população é foco muito recente de atenção das políticas públicas. Segundo o IBGE, o Censo 2022 verificou que 92,1% da população brasileira é alfabetizada, mas, em 1940, por exemplo, esse número era inferior a 44%. Em 1890, apenas 17,4% da população brasileira sabia ler.

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Some-se a isso o fato de que, até a chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, em 1808, a metrópole proibia a Colônia de qualquer impressão de livros. Com a chegada de D. João VI, criou-se a Imprensa Régia, e, em 1821, as tipografias puderam atuar em território nacional. O nascimento da indústria editorial brasileira foi um parto difícil!

Atualmente, o segmento editorial brasileiro vem enfrentando quedas significativas, segundo relatório divulgado pela Câmara Brasileira do Livro. Nos segmentos de obras gerais, livros didáticos, livros religiosos e CTPs (livros científicos, técnicos e profissionais), verificou-se uma retração de 20% desde 2019. Cabe frisar que o subsetor de livros religiosos registrou a menor queda nas vendas, aproximando-se de um percentual próximo de zero, impulsionado pelo crescimento do mercado de edições cristãs.

Neste contexto, como a bibliodiversidade pode acontecer? Entendemos que essa questão interessa especialmente aos direitos culturais. Lembremos que a Constituição Federal, em seu artigo 215, preceitua que o Estado deverá garantir “a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional”, o que remete ao entendimento de que o exercício dos direitos culturais abrange todas as formas de cultura nacional, em qualquer linguagem artística e em qualquer mídia que a veicule até cada cidadão. Assim, para que se efetivem os direitos culturais, toda forma de pensamento lícito deve poder ser expressa em linguagem literária.

Por consequência, quanto mais diverso for o mercado editorial de um país, mais efetiva é a sua bibliodiversidade e mais atendidos estão, nesse sentido, os direitos culturais. Algo que parece difícil, considerando a combinação de analfabetismo, analfabetismo funcional, baixo interesse pela leitura, problemas na cadeia produtiva de livros por grandes editoras e a crescente preferência por literatura de cunho cristão.

Na contramão dessa triste realidade, uma boa notícia: cada vez mais a água da cultura encontra meios de fluir por entre as pedras. Enquanto as grandes editoras enfrentam o cenário indicado acima, pequenas iniciativas editoriais se dedicam a variados públicos específicos.

São pequenas editoras compostas por pessoas: feministas, LGBTQIA+, negras, indígenas, praticantes de outras religiões e filosofias, e muitas outras, distintas e dignas!

Essas pequenas iniciativas florescem nas redes sociais, encontrando meios de marketing e distribuição, criando pontes pela internet, praticando a pré-venda de obras por plataformas de financiamento coletivo, ganhando projeção em nichos específicos e oferecendo não apenas livros impressos sob demanda, mas também audiolivros e livros digitais. É uma nova realidade!

O fenômeno das pequenas editoras veio, então, suprir uma necessidade constitucional! De modo orgânico, a bibliodiversidade agora é possível através das editoras independentes que publicam e entregam diversidade, atendendo assim ao artigo 215 da Constituição Federal, sem políticas públicas, sem editais de fomento e sem fundo de cultura. Que lindo desempenho!

Carolina de Castro Wanderley é advogada, editora literária, doutoranda em Letras Estrangeiras Neolatinas pela UFRJ, pesquisadora na área de Direito e Literatura, e membro do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult).

Referências:

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