Conversamos com Michel Haddad, diretor de estratégia da Carbon Blindados, sobre o mercado brasileiro de veículos civis blindados.
Como você avalia o mercado de blindagem de veículos civis em 2022 e suas perspectivas para 2023?
Nós vislumbramos um crescimento na casa dos dois dígitos para 2022, mesmo com o mercado vindo com um crescimento muito acelerado de 2020 para 2021, quando a blindagem de veículos atingiu o seu recorde, ultrapassando a barreira dos 20 mil carros blindados num ano.
Essa tendência de crescimento está totalmente na contramão do volume de emplacamento de carros. Se analisarmos o mercado automotivo como um todo, considerando os dados de emplacamento da Fenabrave, de janeiro a outubro deste ano há uma queda de 4% em relação ao mesmo período do ano passado. Se olharmos, especificamente, para o segmento premium, que tem um percentual de blindagem mais acentuado, ele está caindo na casa de 20%.
Segundo as nossas análises internas, o crescimento do mercado de blindagem está ligado muito mais a outros fatores, e não diretamente a venda de carros em si, o que nos faz acreditar que o crescimento de mercado para este ano se confirme, atingindo, talvez, a barreira dos 23 mil carros, o que representaria um crescimento de 15% em relação a 2021 e uma perspectiva de manutenção desse crescimento no médio e longo prazo.
O segmento do mercado onde o cliente já usava um carro blindado e está na continuidade talvez não tenha crescido tanto, até mesmo pela falta de produtos. Hoje, o segmento premium de todas as marcas tem uma demanda muito maior que a oferta de carros em si, sendo que o mercado de blindagem acaba refletindo um pouco essa escassez de produtos. Contudo, se olharmos para o segmento não premium, que para o mercado de blindagem significa modelos de entrada, nós temos um crescimento vertiginoso. Muitos dos clientes que não blindavam seus carros, por não sentirem essa necessidade, passaram a investir na blindagem para que eles e suas famílias tenham tranquilidade e segurança.
Outro fator que contribui para o crescimento desse mercado é a atenção que as montadoras estão dando à blindagem. Por exemplo, o Brasil, que é o maior mercado do mundo, blindou 20 mil carros em 2021, sendo que o México, segundo maior mercado, blindou pouco mais de 3 mil. Como a alta demanda por blindagem civil é um nicho muito específico do Brasil, as montadoras perceberam que é mais fácil ter um certo controle sobre esse produto do que sofrer as consequências de ter um cliente que blinda seu carro fora do controle da montadora para depois acioná-la por um custo de garantia.
A Carbon já tem a certificação de quatro grandes marcas (Volvo, Jaguar, Land Rover e Toyota) e acredita que essa prática é uma tendência irreversível de mercado. Isso significa que o consumidor que comprar um veículo e fizer a sua blindagem numa empresa que não tenha a certificação, mesmo dentro de todos os parâmetros legais e de qualidade, perderá a garantia do carro.
É crescente o número de marcas que estão olhando para esse segmento, inclusive marcas de alto volume, e não apenas as ultrapremium muito nichadas. Isso também deve suportar o crescimento de mercado em 2023, ainda, possivelmente, na contramão do mercado automotivo como um todo.
A blindagem de um veículo civil afeta sua vida útil?
Uma blindagem de boa qualidade, não, e a certificação das montadoras vem um pouco nesse sentido também. A blindagem vem de um estigma do passado, de um momento tecnológico diferente do atual, quando se agregava até 500 quilos num carro, sendo que hoje, no nosso caso, uma blindagem média agrega 180 quilos.
A tecnologia evoluiu na utilização de materiais, conseguindo oferecer a mesma proteção balística, até superior, à do passado, sem agregar tanto peso ao carro, mas com o cuidado de um projeto de engenharia que faça com que os materiais instalados mantenham o máximo possível da sua originalidade. Do ponto de vista do produto e da tecnologia, isso não é mais um empecilho como era no passado.
Claro, se pensarmos a muito longo prazo e na durabilidade de milhares de horas de uma pastilha de freio, o peso extra pode impactar na vida útil do carro, mas sem comprometer a sua usabilidade, como acontecia antigamente com o peso mais agressivo da blindagem.
Por mais que o Exército controle a produção dos materiais balísticos, tanto do vidro blindado quanto da manta de aramida, que é o mesmo material usado nos coletes à prova de bala, não existe no Brasil uma regulamentação técnica para a blindagem em si, sendo que cada blindadora desenvolve o seu projeto de engenharia. Mais uma vez, a certificação das montadoras vem ao encontro dessa garantia de qualidade, onde a própria montadora, que desenvolveu o carro que será blindado, avalia o projeto de blindagem para garantir a originalidade e a segurança do carro. Isso é muito importante para elevar o patamar de qualidade do mercado, tanto do ponto de vista do cliente quanto da proteção balística.
Existem diferenças em se blindar um veículo normal e um veículo elétrico?
Do ponto de vista do consumidor, não, já que a lógica da blindagem e os materiais utilizados, via de regra, são os mesmos.
A preocupação com o peso é extremamente comum, inclusive por parte das próprias montadoras. O que nós pudemos constatar, tanto do ponto de vista do varejo, já que uma quantidade considerável dos carros da nossa produção são 100% elétricos, quanto do ponto de vista técnico da jornada de certificação com as montadoras, é que o peso agregado não é um problema adicional para o carro elétrico.
Por mais que o peso desse veículo seja aumentado em função das baterias, o carro elétrico tem muito menos componentes que um híbrido, que tem o sistema à combustão e o sistema elétrico ao mesmo tempo.
A blindagem de um veículo civil é um processo caro. Existem opções mais baratas, que não sejam necessariamente a blindagem, para pessoas que querem se proteger, mas que não possuem recursos para fazer um processo completo de blindagem?
Que ofereça uma proteção balística minimamente próxima a uma blindagem, não. Existem opções de materiais que tornam a blindagem mais leve, mas que vão na contramão dos custos, pois são mais caros.
Cabe destacar que a evolução do preço da blindagem não acompanhou a evolução do preço dos carros, que em função da pandemia e da situação da cadeia global de fornecimento apresentam aumentos acentuados não só no Brasil, mas em todo o mundo. Como o mercado de blindagem é muito pulverizado e agressivo na canibalização de preços por parte de players menores, os valores para blindagem de um carro não cresceram tanto assim.
Trata-se de um desafio, mas, voltando ao nível de proteção, as blindagens da Carbon são feitas no nível III-A, que, dentro da regra americana, utilizada por praxe pelo mercado brasileiro, é o nível máximo permitido para uso civil. Existem soluções abaixo desse nível, como a II-A, porém ela não é praticada pelo mercado justamente por possuir um custo muito próximo, para não dizer igual, a uma blindagem nível III-A, apesar de oferecer um nível de proteção inferior.
A escalabilidade de volumes e o crescimento da cadeia de suprimento de todos os insumos são um desafio. Isso se reflete nos custos. Essa é uma das razões por termos verticalizado o fornecimento de vidros blindados, que é o principal insumo. Além disso, mesmo num processo industrializado como o nosso, a blindagem é 100% humana. Isso também torna o processo um tanto custoso.
Por último, nós temos a questão da falta de repetibilidade de volumes. Uma montadora faz até 6 modelos diferentes de carros numa mesma linha que produz milhares de unidades. Ao blindarmos 400 carros num mês, estamos blindando pouco mais de 100 modelos diferentes, o que faz com que o ganho de escala e repetibilidade seja um desafio maior que a produção do carro em si.
Aproveitando o gancho da pergunta anterior, como geralmente o bandido mira na pessoa através do vidro, colocar apenas o vidro blindado não seria uma opção ou isso não seria recomendado?
Isso não é recomendado do ponto de vista de segurança. Você tem razão quanto a maior probabilidade de o disparo ser feito no vidro, mas isso teria o mesmo efeito do nível de blindagem inferior, causando insegurança no usuário e não lhe trazendo a tranquilidade para que se sinta completamente protegido.
Falando espontaneamente, sem ter um business case desse tipo, o custo para execução de uma blindagem como essa não seria 100% igual ao custo de uma blindagem total, mas ela não teria um preço tão competitivo que fizesse o usuário abrir mão da blindagem da parte opaca e ficar com uma vulnerabilidade de segurança.
Existe blindagem parcial nas forças de segurança, como as policiais, que utilizam uma blindagem na parte da frente do veículo (para-brisa e painel) e nas portas laterais. Quando um carro de polícia é alvejado, isso não acontece por detrás, já que ele não é perseguido.
Por mais que esse tipo de blindagem exista e seja praticada, nós não atuamos nesse mercado. Por experiência de mercado neste caso, o custo não difere tanto assim, devido à complexidade de execução, necessidade de espaço, mão de obra, treinamento, provisionamento de custos de assistência técnica e outras razões.
Só a redução do insumo, não sendo ele o vidro, talvez não permitisse ter um produto com um preço tão diferenciado assim que permitisse ganhar uma nova camada da sociedade.
A Carbon foi fundada em 2015. O que ela fez para se posicionar rapidamente num mercado que não é novo?
O principal foi oferecer ao cliente uma experiência diferenciada com relação ao que ele estava acostumado no mercado. Esse é um mercado antigo, de certa forma tradicional, com muitos clientes andando de blindado desde que nasceram. A Carbon viu uma oportunidade de trazer uma experiência de compra diferente para o cliente, tanto do ponto de vista do produto quanto da jornada de compra em si.
Em termos práticos de canal de venda, nós entendemos que as concessionárias são um canal para se ter próximo, e não como um inimigo. A Carbon fez parcerias com as concessionárias de todas as marcas, fazendo mais de 80% das vendas através delas. Isso significa que um cliente que adquire um veículo zero já recebe na hora a sugestão de proteger a vida da sua família através de uma blindagem.
Essa estratégia de canal e de amplitude de atuação em todo o Brasil, aliado a um produto de qualidade, foram os fatores que fizeram a Carbon crescer. Sem contar que a busca das montadoras pela certificação de blindagem também veio de encontro a isso. Além das marcas já certificadas, nós já estamos em conversas com muitas outras.
Esse mercado carece de players com uma estrutura robusta, tanto do ponto de vista fabril quanto de pós-venda, de assistência técnica na rua. O cliente que compra um carro de R$ 1 milhão espera da blindadora um nível de serviço no mínimo igual ao que ele tem da montadora. Isso é um desafio no mercado.