Nesta semana, vamos falar sobre os BRICS, porque não há nada mais importante, nos dias de hoje, do que a cimeira realizada em Kazan, capital do Tartaristão, entre os rios Volga e Kazanka.
Mais de 40% da população mundial vive nos BRICS, totalizando um número superior a 4 bilhões de pessoas, representadas pelos líderes presentes na cimeira russa. Esta quantia corresponde a cerca de 30% do PIB global. É impossível ignorar suas exigências, ambições, críticas e visões.
A cimeira dos BRICS, em Kazan, na Rússia, é descrita como “antiocidental”. Isto não quer dizer que, em parte, não o seja; porém, para compreender o significado de Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul estarem atraindo cada vez mais a atenção internacional (no ano passado, o sucesso foi o alargamento), precisamos ultrapassar este conceito de “nós e eles” e pensar que há dezenas de países que percebem a dimensão dicotômica como um fardo. Eles odeiam a ideia binária rígida; se realmente tiverem que aceitar uma polarização, que esta seja, então, multipolar. E aqui os BRICS atuam como uma resposta parcial, mas potencial: o significado não é ser contra o Ocidente, mas ser, de alguma forma, uma alternativa, uma integração, um desvio possível. Não para todos, claro; e é essa diferença que cria fissuras internas dentro do próprio grupo, com China e Rússia perseguindo, constantemente, uma narrativa estratégica antiocidental eficaz e, outros, sobretudo a Índia, que são parceiros privilegiados do sistema ocidental, apesar de a Índia lhe ser, orgulhosamente, externa — um polo alternativo, mas integrável.
Um dos temas mais debatidos na cimeira do Volga, em parte principalmente por aqueles que a observam de fora, é a saída da utilização do dólar nas transações internacionais. A antiga McKinsey russa (agora Yakov & Partners) analisa a possibilidade de criar uma rede alternativa às moedas ocidentais, inicialmente o dólar, mas, igualmente, o euro. A ideia, mais do que qualquer outra coisa, é uma forma articulada de protesto russo contra as sanções, com as quais cerca de 300 bilhões de dólares, nas reservas soberanas de Moscou, estão atualmente congelados, porque estão em moeda forte, ou seja, certamente não em rublos, mas, precisamente, em dólares ou euros. Faz parte das medidas com que as democracias puniram a agressão contra Kiev, e que o anfitrião, Putin, gostaria de qualificar como injustas, violentas, objeto dos meros interesses dos Estados Unidos e de seus aliados, falando perante uma audiência que, fundamentalmente, não despreza essa posição. Contudo, vários, a começar por Brasil e Índia, além dos novos países participantes, como Etiópia, Egito, Emirados Árabes Unidos, e os países entrantes, Argentina e Arábia Saudita, não querem entrar nas trincheiras contra Washington, ao contrário do Irã, um novo “bricser”, que está entrando para escapar das sanções. É claro que não se pode dizer que todos esses países não acreditam que exista uma alternativa ao SWIFT — um sistema de pagamentos internacional centrado no euro-dólar —, mas, ao construí-la, não querem colocar-se na primeira fila contra os americanos e os europeus. E isso, em si, é uma fraqueza, por assim dizer.
Depois, há a China: Pequim certamente não gosta que o Ocidente domine o sistema financeiro global, e sua política revisionista da ordem internacional prevê certas mudanças. Mas talvez não agora, quando a crise econômica está a atrair energia e atenção excessivas. O que a pesquisadora sênior em política e geoeconomia, Agathe Demarais (European Council on Foreign Relations, ECFR), aponta é definitivo: sim, fala-se em desdolarização como símbolo deste antiocidentalismo dos BRICS, mas o site oficial da cimeira aconselha os participantes a chegarem com dinheiro em dólares ou euros e adverte que as quantidades de dinheiro trocadas por rublos ainda serão limitadas, e nem é preciso dizer que a disponibilidade é muito restrita.
Seria essa cimeira uma tentativa de oposição ao G7? Essa poderia ser uma possibilidade. O G7 regressou, de fato, a este formato após a expulsão da Rússia na sequência da guerra de Putin. No entanto, já era visto por muitos intervenientes globais, especialmente pela China, como um fórum fechado e dominado pelo Ocidente. É, provavelmente, por isso que nasceu o G20, que este ano está sendo organizado pelo Brasil. Formalizar esse antagonismo entre os BRICS e o G7 foi útil para impulsionar a narrativa antiocidental, mas, na realidade, as relações dos BRICS individuais com o Grupo dos Grandes, os países membros do G7, excluindo a Rússia, são mais do que excelentes. As economias dos BRICS ainda têm uma interligação notável com as dos países do G7. Apesar do desejo crescente de muitos membros de reduzir essa dependência global, existem três pontos-chave que ilustram essa interligação.
Em primeiro lugar, muitos dos BRICS, como China e Índia, estão altamente integrados nas cadeias de abastecimento globais e têm relações comerciais significativas com os países do G7. Além disso, apesar da narrativa que defende maior independência econômica, os fluxos de investimentos estrangeiros dirigidos aos BRICS ainda provêm, em grande parte, do mundo do G7 (ainda mais se incluirmos países semelhantes, como Coreia do Sul, Austrália ou Taiwan e, em geral, os outros membros da UE). Finalmente, no que diz respeito ao PIB, o G7 continua a manter uma parcela maior do valor nominal mundial (46 bilhões de dólares), enquanto o bloco dos BRICS, incluindo a Rússia, contribui com aproximadamente 27,7 bilhões de dólares. No entanto, é preciso dizer que, se considerarmos o PIB em paridade de poder de compra (PPC), os BRICS ultrapassaram, atualmente, o G7, com 56 bilhões de dólares face aos 52 bilhões do G7, em grande parte graças ao peso de China e Índia. Porém, Nova Deli está agora constantemente sendo convidada para as reuniões do G7, tal como a Itália fez este ano.
Edoardo Pacelli é jornalista, ex-diretor de pesquisa do CNR (Itália), editor da revista Italiamiga e vice-presidente do Ideus.