Ao longo de muitos anos (desde o descobrimento até 1950) a atividade científica em laboratórios brasileiros não contou com um apoio organizado por parte do governo. Algumas iniciativas importantes e com impacto na ciência mundial ocorreram em algumas instituições governamentais, entre as quais destaco o Instituto Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro (criado inicialmente em 1900 como Instituto Seroterápico e transformado em 1908 no Instituto Oswaldo Cruz, que hoje integra a Fundação Oswaldo Cruz) e vários institutos no estado de São Paulo, como o Instituto Agronômico de Campinas (criado em 1887), Instituto Butantã (1901), Instituto Biológico (1927) e o Instituto Adolpho Lutz (1940). A atividade de pesquisa realizada nessas instituições era financiada principalmente com recursos orçamentários próprios e algumas doações de pessoas físicas.
A criação de órgãos federais voltados especificamente para o apoio à pesquisa científica surgiu em decorrência de atividades da Academia Brasileira de Ciências (criada em 1916) e que teve participação importante na criação, em 1951, de instituições como o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e da Coordenação de Apoio a Pessoal de nível Superior (Capes). Essas duas agências constituem, ainda hoje, alicerces fundamentais para o apoio à pesquisa científica e a formação de recursos humanos altamente qualificados em cursos de pós-graduação.
Importante ainda destacar a criação de um fundo para o desenvolvimento tecnológico no âmbito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e em seguida a criação da Financiadora de Projetos (Finep), em 1967, e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT, criado em 1969), que tem a Finep como secretaria-executiva e que hoje constitui a maior fonte de financiamento à C&T no País.
Um fato marcante no apoio à atividade científica no país foi a criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em 1960, e que tem sido vital para o crescimento da atividade científica e tecnológica em todas as instituições do estado de São Paulo. Este fato, aliado ao apoio às Universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp) e outras instituições, explica o fato de São Paulo liderar as atividades científicas no país e contar com importantes universidades, aqui incluindo as federais de São Paulo e de São Carlos, fazendo com que o Estado de São Paulo conte com um parque acadêmico de excelência.
A criação da Fapesp teve, ainda, a capacidade de induzir que outros estados também criassem instituições semelhantes. Assim, surge em 1964 a agência do Rio Grande do Sul (Fapergs), em 1980 a do Rio de Janeiro (Faperj). Em seguida, outras fundações (FAPs) foram, gradualmente, criadas em todos os estados, sendo que a última foi a de Roraima, em 2022.
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Levantamento realizado pelo presidente do Fórum das FAPs (Dr. Odir Dellagostin) mostrou que, em 2023, o conjunto das FAPs investiu cerca de R$ 3,9 bilhões em auxílios e bolsas, valor este que é maior que o orçamento do CNPq. Neste mesmo ano, o investimento da Fapesp equivaleu a 37% do total feito pelas FAPs, sendo que em 2018 ele representava 56%, o que atesta o crescente investimento feito pelos vários estados na área de C&T.
A evolução do financiamento pelas FAPs fez com que a produção científica brasileira tivesse um grande avanço. Em 2000, a produção científica proveniente de SP e RJ foi de 43% e 18,5 % do total, respectivamente, cabendo a todos os demais estados uma produção de 38,5%. Em 2023, SP e RJ foram responsáveis por 27,9 % e 12,5 %, respectivamente, cabendo aos demais estados a produção de 60,1%. Logo, houve uma evidente mudança indicando uma maior atividade científica em todo o país em maior parte devido às ações das FAPs.
Cabe ainda registrar que as FAPs de alguns estados, como Amazonas, Espírito Santo e Maranhão, têm feito investimentos significativos na formação de recursos humanos, com investimento superior ao realizado pelas agências federais. Esta é uma política que merece ser incentivada para ampliar a dimensão da comunidade científica em todos os estados. Ressalto ainda que muitas FAPs têm seus orçamentos atrelados à arrecadação do estado, seja por Lei específica ou mesmo indicação constitucional, o que não temos em relação às agências federais.
Wanderley de Souza é professor titular da UFRJ, membro da Academia Brasileira de Ciências, da Academia Nacional de Medicina e da US National Academy of Sciences.