A  crise na aviação: acabou-se o que era doce?

165

No decorrer dos anos 90, pressionadas pelo aumento da concorrência e pela expectativa de desregulamentação progressiva do mercado, as empresas aéreas nacionais promoveram uma ampla reestruturação interna. Com efeito, observou-se neste processo a redução dos postos de trabalho de 44.445, em 1991, para 30.981, em 1998; um amplo processo de terceirização e o não reajustamento dos salários desde junho de 1997, quando ocorreu o adiamento por seis meses da data de vigência do acordo salarial referente a 01/12/96, com o que foi mantido o valor do piso salarial pago pelas empresas em R$ 330,00, desde então.  Em virtude destas medidas, as despesas com pessoal, na composição dos custos totais das empresas aéreas de âmbito nacional, caíram de 31,4%, em 1990, para 22,9%, em 1998.
O ano de 1998, em função da chamada “guerra tarifária”, parecia anunciar uma grande transformação, popularizando um tipo de transporte anteriormente voltado apenas para a elite.  Os números obtidos no decorrer do ano citado comprovam que os descontos de até 60% nas tarifas geraram um aumento de passageiros transportados no setor doméstico.  Em 1997, foram embarcados em vôos domésticos 12.596.047 passageiros, e em1998, 21.123.557 passageiros foram embarcados, o que nos revela um crescimento de 67,7%.
Porém, no início de 1999, a crise cambial anuncia o fim dessa ilusão.  Após a desvalorização do real, o peso das despesas e das dívidas em dólares fez com que as companhias aéreas mexessem nos descontos promocionais e na forma de pagamento das passagens. Mais ainda, com o dólar mais caro, algumas rotas ao exterior tiveram uma queda na demanda e foram desativadas pelas empresas.
O enfraquecimento das atividades das companhias aéreas brasileiras e seu elevado endividamento levou empresas e governo a estudar cenários para corrigir a rota decadente.  Porém, essas discussões têm-se dado em espaços que se restringem apenas à participação dos grandes executivos destas empresas e alguns membros de órgãos governamentais, deixando à margem os demais grupos, igualmente interessados na definição dos rumos deste importante ramo de transporte.  As informações que chegam ao grande público são notícias veiculadas pela grande imprensa escrita, na maioria das vezes, enfatizando os interesses defendidos pelos representantes das empresas.
A necessidade de transparência nas decisões a serem tomadas está associada ao fato de que qualquer que seja a solução, ela envolverá um amplo conjunto de interesses não sendo, por isso mesmo, possível ficar restrita a gabinetes fechados, nos quais transitam apenas os presidentes das companhias aéreas e burocratas de órgãos governamentais.
Um exemplo disto é o alijamento de todo este processo do conjunto dos trabalhadores em transportes aéreos que, através de suas representações sindicais em todo o país, vem propondo a criação de um Fórum Nacional de Aviação Civil, no âmbito do Congresso Nacional, com propósito de “elaborar um profundo diagnóstico das condições de operação do setor, visando garantir-lhe igualdade de concorrência com as congêneres estrangeiras, bem como transformá-lo em instrumento efetivo para a integração e desenvolvimento nacional, assegurando eficiência, segurança e custos reduzidos em sua operação e, ao mesmo tempo, empregos de qualidade”.
Por sua vez, os usuários somente foram consultados a cerca de uma semana, através de uma sondagem de opinião sem qualquer tipo de debate. A conclusão a que chegou tal sondagem, obviamente, expressou tão somente a preocupação dos passageiros em trânsitos nos aeroportos do Rio e de São Paulo, pelo barateamento das tarifas, apontando o apoio da maioria dos consultados à abertura do tráfego doméstico à exploração de empresas estrangeiras, caso que não se verifica nem nos Estados Unidos nem na Europa.
Na tentativa de recuperar a divulgação dos fatos relacionados à crise da aviação, reportamo-nos ao dia 1º de abril.  Naquela data, um importante jornal carioca apontava a ineficiência das companhias aéreas brasileira, em comparação com as americanas e européias, e indicava a intenção do governo federal de estimular o processo de fusão e incorporação entre as companhias aéreas e de propiciar a ampliação da participação de capital estrangeiro por meio da eliminação dos atuais 20%, aos quais está legalmente limitado.  A conclusão apresentada era a de que não havia espaço no país para mais de duas operadoras domésticas, à semelhança do padrão que é adotado em países mais desenvolvidos.
Após oito meses de debate em torno da necessidade de fusão para salvar as grandes empresas nacionais, divulgada como a proposta defendida pelo BNDES, a VARIG e a TAM, as duas companhias aéreas nacionais mais sólidas, anunciam que a única solução viável para a crise da aviação seria a absorção da VASP e da Transbrasil, com o que restariam duas grandes empresas aéreas no país, situação considerada como a mais adequada ao mercado interno e à realidade econômica do país.  Haveria entre as quatro empresas um consenso: o país não comporta quatro companhias aéreas de porte nacional, ao mesmo tempo em que não pode ficar a mercê de uma única companhia dominando o mercado na forma de monopólio.
Nessas reuniões fechadas entre autoridades governamentais e representantes das empresas aéreas também são discutidos outros pontos, além da possível fusão.  Da parte das empresas aéreas, o que elas pleiteiam são: isenção de ICMS para a atividade e o combustível dos aviões; liberação dos preços das tarifas aéreas; maior agilidade no andamento dos processos indenizatórios movidos pelas empresas contra a União; definição do perfil da nova agência regulatória do setor e, ainda, a revisão dos custos que encarecem a atividade e prejudicam a concorrência com as empresas estrangeiras.
Já o governo estuda medidas que apontam para a liberalização de normas baseado nos seguintes pontos: ampliação de 20% para algo entre 25% e 30% do limite da participação de capital estrangeiro nas companhias aéreas brasileiras; liberação dos preços das passagens de vôos domésticos; liberação das rotas domésticas, com o que as companhias terão direito a operar vôos nos horários e rotas que desejarem, limitadas apenas por questões de segurança; criação de agência regulatória da aviação civil – ANAC e, por último, cabe ressaltar que o relatório da reforma tributária, assinado pelo deputado Mussa Demes (PFL-PI), isenta os setores aéreos e de radiodifusão do novo ICMS (JB, 03/11/99, p. 15).
A abertura de um amplo debate sobre a real situação que o transporte aéreo nacional vem enfrentando nestes últimos anos, impõe-se como uma condição para se alcançar uma saída eficaz e de amplo alcance em seus efeitos.  Para tanto, é necessário levar em conta a importância desta modalidade de transporte para o Brasil, por suas dimensões continentais, sem perder de vista a necessidade de formulação de uma política para o setor transporte como um todo para o processo de integração e de desenvolvimento nacional.  Por outro lado, é preciso considerar a situação específica enfrentada por cada uma das empresas em questão, afim de que a transparência do processo seja assegurada e as medidas implementadas se revertam em benefício do conjunto da economia do país, escapando do risco de atender a interesses meramente corporativos e beneficiar ineficiência administrativa e financeira de certos grupos empresariais.  Faz-se, ainda, necessário distinguir os aspectos estruturais e os aspectos conjunturais da referida crise. Neste quadro, o que não é recomendável é a velha prática clientelística de tratamento a um setor, em grande parte voltado para a elite do país e que, recorrentemente, valeu-se de recursos públicos para sanar suas crises.
Jardel Leal e Andréa Bulcão

Espaço Publicitáriocnseg

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui