A culpa é do churrasquinho…

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Em julho de 2010, a Assembleia Geral da ONU tornou a água Direito Humano essencial, sendo assim mais defendida da cobiça de corporações, que se movimentam para beber nas suas reservas.

Há casos de resistência cidadã também. Entre lutas importantes para religar a economia ao bem comum, uma das mais significativas foi a Guerra pela Água, ocorrida em Cochabamba, terceira maior cidade do Estado Plurinacional da Bolívia, com população de 600 mil habitantes (em 2012); fundada em 1541 com o nome de Vila Oropeza; já em novembro de 1832, criou a Universidade Mayor de San Simon, sua primeira Universidade.

 

A Guerra pela Água

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Em 1996, o Banco Mundial prometeu àquela cidade boliviana um empréstimo de US$ 14 milhões, para expandir o serviço de água. “Tão bonzinho”, o Banco Mundial condicionou o empréstimo à privatização do fornecimento água da cidade.

Em setembro de 1999, a água de Cochabamba foi arrendada, até 2039, para uma nova empresa chamada Aguas del Tunari. Logo se identificou que se tratava de testa de ferro da gigantesca corporação Bechtel, da Califórnia (EUA). O contrato assegurava o lucro assombroso de 16%, a cada um dos 40 anos do arrendamento.

A resistência popular foi então se organizando, sob a denominação de La Coordinadora para a Defesa da Água e da Vida. A liderança era composta por dirigentes sindicais, irrigadores, fazendeiros, grupos ambientalistas, economistas, alguns membros do Congresso e de organizações populares.

Apesar de manifestações de protesto, em janeiro de 2000, a Bechtel aplicou um tarifaço de 200% sobre o serviço de água. A população reagiu com uma greve geral de três dias. Uma faixa foi fixada na sede provisória de La Coordinadora, anunciando “El Agua es Nuestra, Carajo!”

A população então deixou de recolher a tarifa de água e se manifestou publicamente. O governo reagiu com o uso violento de tropas, dando início a uma ebulição que parou Cochabamba, resultando na renúncia do governador, prisões, aplicação de lei marcial, censura, pressão internacional sobre o CEO da Bechtel, Riley Bechtel, e no assassinato do jovem Victor Hugo Daza.

Até que o governo central capitulou, anunciando o cancelamento do contrato e a fuga do país dos executivos da Bechtel. La Coordinadora e o governo indicaram os dirigentes da nova companhia de água de Cochabamba, Semapa.

Parecia um final feliz… menos para a Bechtel. Em novembro de 2001, a multinacional da água reiniciou a guerra, ao apresentar uma demanda de US$ 25 milhões contra a Bolívia, através do Banco Mundial, a mesma instituição que forçou a privatização.

Uma vez mais, a resistência organizada inibiu a investida da Bechtel. Em agosto de 2002, lideranças populares de 41 países apresentaram a Petição Internacional de Cidadãos ao Banco Mundial, requerendo transparência nas decisões. Pragmático, o Banco Mundial não prosseguiu com o processo, possivelmente percebendo que o mesmo mecanismo acionado pela Bechtel contra a Bolívia poderia ser mobilizado por outras empresas, buscando indenizações por leis ambientais, sanitárias ou trabalhistas, a pretexto de derrubar barreiras ao livre comércio.

 

Fórum Alternativo Mundial da Água

O Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama 2018) ocorrido na UnB (DF), entre os dias 17 e 22 de março de 2018, deu curso à proposta de defender a água como um Direito Humano, essencial à vida.

A defesa deste ponto coloca-se contra a tentativa de grandes corporações em mercadorizar a água, transformando-a em uma commodity, privatizando as reservas e fontes naturais de água (já que vendem tudo…), até transformar este direito em um recurso inalcançável para muitas populações, que assim, sofreriam com a exclusão social e ambiental, com a pobreza, com guerras e conflitos.

O Fama contrapõe-se ao assim chamado Fórum Mundial da Água, que foi um encontro simultâneo, promovido por grandes grupos econômicos que defendem a privatização das fontes naturais e dos serviços públicos de água. Para os organizadores do Fórum Alternativo (Fama 2018), as políticas públicas de água devem ser debatidas democraticamente com as populações e, em particular, com as comunidades afetadas.

 

A culpa é do churrasquinho…

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) informa que nos 12 meses findos em julho passado, o desmatamento na Amazônia cresceu 29,5%, totalizando 9.762 km². O Inpe não disse, mas poderia ter dito, que este crescimento coloca o desmatamento na Amazônia no “padrão dólar”, já que a depreciação do real em relação ao dólar norte-americano também pegou um vento de popa e atingiu a marca recorde de R$ 4,20 por US$ 1.

No caso do desmatamento da Amazônia, este é o maior índice verificado desde 2008. A negligência do Governo Federal com a fiscalização é um dos eixos da captura de causas. O outro eixo (preferido pelo governo) é a pressão da alta dos preços internacionais da carne, ocasionada pelo aumento da demanda chinesa, derivado de enfermidades que dizimaram a produção de carne de porco. Quer dizer, a culpa é do churrasquinho, dos chineses e quem sabe, futuramente, da Venezuela…

 

Parabéns!

Parabéns ao Monitor Mercantil, às pessoas que o fazem e fizeram ao longo destes 107 anos exemplo de imprensa livre, representadas no nome do saudoso Acurcio de Oliveira, parabéns pelo exemplo de dignidade e compromisso com um Brasil melhor.

 

Paulo Márcio de Mello é professor aposentado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

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