A difícil tarefa de aplicar as leis

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Aplicar a lei no Brasil não é tarefa nada fácil. Principalmente se considerarmos a quantidade de leis mal elaboradas que diuturnamente são editadas. Os poucos cidadãos que têm acesso às leis não conseguem entendê-las; por conseguinte, acabam despropositadamente não as cumprindo. As autoridades, por seu turno, também não entendem o sentido de diversas leis (vide o recente caso da vírgula da lei previdenciária). Resultado: tudo isso termina no Judiciário, que além de aplicar as leis, cujas técnicas de elaboração são de competência duvidosa, também as interpreta.
Tais tarefas, que sobram para o Judiciário, são de dificuldades extremadas, já que as construções das leis, ao invés de claras e objetivas, são empoladas, com absurdo excesso no uso das vírgulas e da ordem inversa. Complicam tanto a redação das leis que nem mesmo o mais talentoso dos filólogos consegue por na ordem direta os textos legais, sem modificar o sentido.
Urge ressaltar ainda que inúmeras demandas – talvez a maioria – são provocadas pelo próprio Governo, maior descumprir das leis, e, por conseguinte, freqüentador assíduo do judiciário, cujos mecanismos para implementação de normas é detentor.
Ajunte-se a tudo isso o aumento da complexidade nas relações jurídicas, mormente se comparada com outrora. É evidente que como conseqüência direta exsurge, desse quadro, uma crise, tendo como principal protagonista, ao menos no momento, o Judiciário.
Essa crise, que não é apenas do Judiciário, ainda toma gosto mais amargo, na medida em que o prato é azedado com os temperos da exploração política, que insiste em tirar proveito da situação, inibindo, com isso, a seriedade na reflexão de tão importante tema. De mais a mais, o tema do Judiciário é sempre debatido com enorme carga emocional, dificultando os diagnósticos e a conseqüente previsão de soluções nacionais.
A produção legislativa não pode ser impulsionada unicamente pelo clientelismo político. As leis vêm se apresentando apenas como medidas temporais para remover conflitos localizados, sendo fruto de lobby e, por conseguinte, de penoso processo social de negociação.
No que diz respeito ao Judiciário, sua reforma não deve ser feita com base em “achismo”. A CPI do Judiciário mostrou uma realidade: o despreparo, de um modo geral, dos senadores para lidar com as questões inerentes ao judiciário, chegando-se mesmo a confundir “entrância” com “instância”. A justiça moderna não pode ser apolítica. Os longos anos sofridos pelas ditaduras afastaram os juízes de atuarem de forma mais sensível. Aliás, o Judiciário, que antes era voltado para as minorias, hoje mostra-se como último refúgio de toda a população.
É importante, portanto, que se reconheça o Judiciário como instituição, com suas diversas funções, inclusive de autogoverno, deixando de tratar as questões a ele inerentes com o amadorismo que se vem fazendo, de um modo geral, com as leis.

Leonardo Dias Borges
Juiz do Trabalho e professor universitário

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