Conversamos sobre a importância da educação financeira com Gabriela Torquato, head do Instituto XP, entidade focada na realização de programas e projetos que têm como beneficiários finais grupos minorizados, prioritariamente jovens, estudantes da rede pública de ensino e mulheres.
Quais são as principais carências relacionadas à educação financeira?
Nós olhamos para a educação financeira de uma forma muito ampla, além das suas competências técnicas. Nós olhamos para a parte do iceberg que não aparece, que são as competências sócio-emocionais, a cidadania financeira.
Dentro dessa ótica, o principal desafio é a barreira cultural, o tabu que existe sobre o que é educação financeira. Muitas pessoas, de forma natural, dizem que educação financeira não é para elas. Por exemplo, nós fizemos uma pesquisa com professores, em parceria com a Nova Escola, onde eles diziam que seus alunos não tinham que aprender educação financeira, já que eles não tinham carências econômicas.
Como esse tabu faz com que as pessoas se distanciem do tema, elas não conversam sobre educação financeira em casa, na escola ou na mesa do bar, o que faz com que esse tema não seja um tema. Como ninguém fala, o problema vira uma bola de neve, e depois, quando 80% das famílias estão endividadas, as pessoas acham que está tudo bem. Muitas estão endividadas no cartão de crédito, com os piores juros que existem, e ninguém fala sobre isso.
A segunda grande barreira é formada pelas competências mínimas que uma pessoa precisa ter para se desenvolver na temática. Nós vivemos num país em que 95% dos alunos saem do ensino médio sem saber noções básicas de matemática. E não é só isso. Se a pessoa não tem interpretação de texto, ela acaba caindo em ciladas de uma forma muito mais fácil. Por exemplo, muitas pessoas se endividam, sem perceber, através de aplicativos de bancos. Ela vê um crédito, acha que aquilo é dinheiro, faz, e quando vê, está endividada e nem sabia. Essa defasagem educacional cria uma barreira para que muitas pessoas tenham educação financeira.
Quais são as origens dessas carências?
Existe um problema estrutural, onde o problema cultural e o problema educacional se alimentam. É muito difícil analisar em termos de culpados e onde isso começou, mas quando olhamos para as escolas, para os currículos, existem defasagens. Quando olhamos para além do currículo em si, nós temos problemas de implementação da BNCC (Base Nacional Comum Curicular) e o desafio de formação de professores.
Nós também precisamos olhar para a educação de uma forma mais ampla, pois se a pessoa não aprendeu educação financeira na escola, ela poderia ter aprendido na faculdade. Nós vemos pessoas saindo de cursos de administração ou contabilidade sem que tenham aprendido noções básicas de educação financeira, seja de gestão financeira, orçamento familiar ou investimentos.
A questão cultural é ainda mais profunda, pois ela não é só o dinheiro. Sua raiz está na forma como as pessoas se relacionam com o consumo e com a forma como olham para a posse.
Qual a importância da postura familiar no meio de todo esse problema?
Se a pessoa aprende errado dentro de casa, será muito mais difícil para que ela mude seus hábitos. Se a rede de apoio não fala sobre educação financeira e cultiva hábitos que não são financeiramente saudáveis, a pessoa, naturalmente, vai incorporar isso na sua vida, sendo que mudar um hábito depois de adulto é muito mais difícil.
É por isso que é preciso começar com as crianças. Quando elas são envolvidas, a família também aprende, o que gera uma mudança sistêmica. Quem sabe assim, teremos uma geração que não tenha a taxa de endividamento de hoje.
Como a educação financeira deveria ser trabalhada na rede pública de ensino?
A educação financeira é uma pauta transversal. É importante que ela não seja uma matéria, mas que possa ser ensinada de uma forma interdisciplinar. É por isso que nós temos planos de aula para todas as séries de forma a que as pessoas consigam trazer as competências ligadas à educação financeira para qualquer matéria, como educação física, geografia, história, biologia e português. Essa transversalidade é muito importante, com a educação financeira se tornando uma forma de trazer o aluno para perto.
O que temos visto, e os dados têm mostrado isso, é que os jovens querem aprender, principalmente nos anos finais do Fundamental II e do Ensino Médio, quando eles começam a ter noção do dinheiro, a entender os desafios de dentro de casa e a trabalhar.
Quando o jovem entende que está mais próximo de ferramentas que vão ajudá-lo a tangibilizar questões como “quero comprar alguma coisa” ou “quero fazer isso”, ele passa a querer aprender educação financeira. Trabalhada de forma transversal, ela ajuda no engajamento dos alunos e até na redução da evasão escolar.
Agora, existe espaço para que a educação financeira seja institucionalizada em matérias específicas. Na legislação atual, o ensino médio já prevê o itinerário informativo de educação financeira, que seria uma matéria eletiva. Contudo, existem algumas matérias que teriam mais facilidade para receber conteúdos de educação financeira, como a matemática, justamente uma das matérias com mais dificuldade de engajamento e de melhoria do nível de aprendizagem dos alunos.
No começo da nossa conversa, você destacou a importância das competências sócio-emocionais. O que seriam essas competências?
Para tangibilizar isso melhor: não adianta saber fazer a conta, pois numa tomada de decisão existem vários outros fatores emocionais que impactam na tomada de decisão. Nós vivemos numa cultura onde as pessoas tem muito mais uma visão curto prazista. Se ela quer comprar uma coisa, ela parcela e compra, mas ela não pensa nos impactos dessa decisão no longo prazo.
Outro exemplo são os vieses inconscientes que temos ligados à ação de comprar, como se deixar levar pela influência de propagandas ou por um efeito manada, ou fazer determinada coisa para se sentir parte de um determinado grupo. Esses são fatores mais subjetivos, mas que impactam no comportamento de consumo e no comportamento de investimento, já que essa é uma visão de longo prazo.
É importante considerar os fatores sócios-emocionais na educação financeira, pois isso é fundamental para fazer com que a pessoa saia da competência técnica, de saber fazer a conta, para realmente mudar o seu comportamento e o seu consumo, tornando-se capaz de poupar e de fazer um investimento de uma forma mais consciente e pensando no longo prazo.
*Atualizado em 26/10/2023, às 19:51
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