A existência das indexações não deveria ser revista?

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Alexandre Chaia, André Braz e Antônio Corrêa de Lacerda (fotos divulgação)
Alexandre Chaia, André Braz e Antônio Corrêa de Lacerda (fotos divulgação)

As indexações são mecanismos do período de hiperinflação que acabaram ficando. Elas fazem com que a inflação de um ano alimente parte da inflação do ano seguinte através de aumentos automáticos, potencializando os seus efeitos. Temos, inclusive, o caso emblemático do IGP-M, índice utilizado no reajuste de contratos de locação residencial e comercial, que apresentou comportamentos agressivos em 2020 (23,14%) e 2021 (17,78%), criando uma série de problemas nos reajustes desses contratos sem que as suas altas estivessem ligadas ao mercado imobiliário.

Conversamos com três economistas se não seria oportuno aproveitar o atual momento para rever a existência das indexações.

 

Alexandre Chaia, professor de finanças do Insper

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Alexandre Chaia (foto divulgação Insper)

Sem dúvida, a desindexação da economia brasileira seria o melhor dos mundos. O problema é que isso tem que ser feito quando a taxa de inflação está baixa. Nós tivemos um período com inflação próxima de zero que poderia ter sido usado para desindexar toda a economia. No momento atual, com uma inflação alta, dificilmente se vai conseguir que os participantes do mercado, como os locadores que alugam imóveis ou que tem algum contrato com reajuste, abram mão da indexação já que ela é um mecanismo de proteção.

Quando a inflação estava próxima de zero, o governo deveria ter pensado nisso e proposto a desindexação da economia através da Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.784 de 20/9/2019). O problema é que as principais receitas do governo estão de alguma forma indexadas. A energia elétrica e as tarifas de pedágio, que são concessões, possuem indexações. É mais difícil conseguir isso nesses casos.

Se as indexações fossem retiradas, o Brasil não teria uma inflação inercial muito grande, com parte da inflação sendo repassada para o ano seguinte. Isso pode ser visto na energia elétrica, aluguéis e contratos de prestação de serviços, que possuem cláusulas de indexação pelo IPCA ou IGP-M. Com isso, o próprio governo incentiva de alguma forma esses mecanismos de proteção.

Para que a economia seja desindexada, é preciso esperar que a inflação caia para patamares abaixo de 3% para que se proponha um processo de desindexação formal com, pelo menos, três anos de prazo, colocando esse objetivo no horizonte sem que haja uma condução atabalhoada como o executivo e o legislativo costumam fazer. Guardadas as devidas proporções, seria como foi feito na implantação do Plano Real quando se colocou primeiro a URV para depois se migrar para o real.

A desindexação tem que ser feita de uma forma bem escalonada para não gerar quebras de contrato. Para isso, seria necessário propor que contratos a partir de uma determinada data não poderiam ter mais indexação, como foi feito com as multas contratuais que eram de 20% e depois caíram, e que os contratos vigentes teriam um período de, pelo menos, três anos para serem desindexados. Tudo isso depende da negociação que seria feita com os setores econômicos, justamente para que não haja um grande salto.

No momento atual, isso não vai acontecer. Ninguém vai abrir mão de 20% numa economia com problema de geração de caixa.

 

André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia da FGV

André Braz (foto divulgação Ibre FGV)

Não existe mágica para desindexar a economia. Para conseguirmos isso, o primeiro passo seria a autoridade monetária ter sucesso para cumprir as metas de inflação. Por conta da Covid, problemas fiscais, guerra entre Rússia e Ucrânia, e eleições, está difícil fazer com que a inflação vá para a meta. Em momentos como esse, vale a pena rever a meta de inflação, pois trabalhar com ela nesse período é complicado. Atualmente, temos obstáculos que trazem desafios a mais para a inflação, como custos e gargalos na estrutura produtiva, que não são fáceis de serem controlados via juros, o principal instrumento da política monetária, já que eles atuam sobre a demanda.

Com o cumprimento das metas de inflação, os agentes econômicos não teriam pressa em reajustar seus preços. Com isso, nós teríamos um volume maior de competição que ajudaria a diminuir a indexação, ou mesmo a expectativa de inflação mais alta.

Uma parte da culpa pela nossa economia ser muito indexada é do próprio governo. O IPCA tem 30% da sua composição formada por preços monitorados. Esses preços, que são administrados pelo poder público, normalmente utilizam fórmulas paramétricas, uma média ponderada de vários índices. Essas fórmulas transmitem a inflação do passado para o presente.

Outra questão é o IGP-M. Não tem nada a ver utilizá-lo nos aluguéis. Nós nunca recomendamos que isso fosse feito, mas ele está lá. Contudo, o IGP-M na estratosfera motivou muitas negociações, que é uma prática bem-vinda para nos libertar das indexações.

Muitos salários são negociados. O próprio governo não indexa diretamente o salário do servidor público. Muitas categorias ficam vários anos sem ter reajuste salarial, já que o Estado tenta controlar seu gasto não repassando a inflação passada para os salários dos seus colaboradores. É por isso que as categorias entram em greve para ganhar a inflação passada.

No caso das mensalidades escolares, não existe uma negociação entre pais e escolas. As escolas poderiam apresentar suas planilhas de custos e uma proposta de reajuste a uma associação ou conselho de pais, que definiria se os valores apresentados são factíveis ou não. Essa negociação seria saudável e mais próxima às leis de mercado, só que as escolas indexam as mensalidades à inflação passada. Se fizermos um estudo, veremos que os reajustes das escolas são sempre maiores que a inflação.

A negociação é sempre a chave, mas como a inflação está persistente e alta, os mecanismos de indexação ganham força. Se os preços e salários não são corrigidos, você não consegue garantir uma oferta razoável sem o reajuste de preços. Ter uma inflação mais alta só nos faz mais reféns da indexação.

 

Antônio Corrêa de Lacerda, professor, doutor e coordenador do programa de pós-graduação de economia política da PUC-SP e presidente do Conselho Federal de Economia

Antônio Corrêa de Lacerda (foto divulgação Cofecon)

As indexações viraram um mal necessário do Brasil da inflação crônica. Elas foram institucionalizadas com a correção monetária na reforma promovida na década de 1960 por Otávio Gouveia de Bulhões, ministro da Fazenda durante a presidência Castelo Branco. A partir daí, elas foram incorporadas à nossa realidade.

O IGP-M, calculado pela FGV, surgiu a partir da desconfiança do mercado com relação a adulterações dos índices oficiais de inflação calculados pelo IBGE na época. Só que o IGP-M tem as suas falhas também, tendo um peso muito grande dos preços no atacado, e, consequentemente, sofrendo muita influência cambial. Por isso que ele descola do índice oficial de inflação.

O desafio da desindexação permanece presente, já que ele não foi vencido no Plano Real, que conseguiu reduzir a inflação, mas não conseguiu eliminá-lo. Aqui cabe mencionar que nós estamos tratando de uma economia política, já que, no Brasil, a indexação favorece os mais ricos, o mercado financeiro, os grandes empresários, os rentistas e os proprietários de imóveis, se transformando numa transferência de renda.

O pequeno empresário, o empreendedor e o assalariado vêm perdendo, claramente, para a inflação, já que os reajustes salariais, as rendas dos mais pobres e os pequenos negócios, cujos custos sempre correm à frente, não acompanham a inflação.

Esse seria o momento para se rever a existência das indexações. Antes tarde do que nunca, mas essa não é uma questão técnica. Como disse, trata-se de uma questão de economia política, já que há uma relação de poder que favorece os mais ricos.

 

Coordenação: Jorge Priori

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