Conversamos com Jacques Zylbergeld, superintendente de câmbio do Rendimento, sobre o comportamento da taxa de câmbio.
Qual a leitura do Rendimento sobre o atual cenário internacional?
Existem alguns riscos geopolíticos, sendo o primeiro, sem dúvida, os Estados Unidos, que vem vivendo um momento diferente do que estava acostumado, com uma economia super forte, taxa de juros alta, mas sem conseguir trazer a inflação para a meta.
Hoje se pergunta se vai haver queda de juros nos Estados Unidos, pois quando você vê as pistas dos dirigentes americanos, elas são muito contraditórias, já que uma hora eles acham que está tudo ok, mas depois dizem que não, o que deixa o mercado extremamente volátil. Além de não haver confiança sobre a redução da taxa de juros, nós teremos uma eleição presidencial, que assim como no Brasil, será bem polarizada, com um candidato polêmico como o Trump.
O segundo risco é o Oriente Médio, que está à beira de um precipício. Esse processo começou no dia 7 de outubro, com Israel e Hamas, sendo que na semana passada o conflito se expandiu um pouco com a retaliação do Irã a Israel, e, dias depois, ao que parece, a retaliação de Israel ao Irã. Nesta região, além de termos o Estreito de Ormuz, por onde passa 20% de toda a produção de petróleo do mundo, nós tivemos os ataques dos Houthis a navios no Mar Vermelho, o que gera uma tensão adicional. A subida do petróleo traz uma pimentinha nesse cenário que já está bastante tenso.
O terceiro risco está relacionado à Guerra Rússia x Ucrânia, que foi colocada um pouco de lado, mas que ainda existe. Quando se junta a escalada no Oriente Médio com a escalada na Europa, isso pode trazer bastante preocupação.
O quarto risco é a China, que por mais que tenha registrado um crescimento de 5,3% no PIB do 1T24, isso foi encarado como um voo de galinha. Como a China é um importante comprador de commodities, é primordial que ela cresça, mas ela vem sofrendo, principalmente, no setor imobiliário. O governo de Pequim tem desafios para reverter esses riscos.
Por fim, nós temos os riscos climáticos. Se por um lado estamos vendo poucas chuvas do nosso lado, por outro estamos vendo chuvas em Dubai. Está um negócio completamente desordenado, o que afeta bastante a cadeia de produção, principalmente a parte agrícola.
Como esse cenário pode impactar o atual cenário nacional?
Nós estamos vivendo uma condição fiscal supercomplicada, com o governo tentando buscar receita de qualquer jeito. Como o Executivo entendeu a gravidade da derrocada fiscal, ele agora acelera a agenda na aproximação com o Congresso a fim de encontrar alguma reversão dos entraves fiscais que estão sendo enfrentados. Junto com isso, nós temos um ano de eleições municipais, que trava toda a agenda do Congresso.
Essa situação interna complicada mais os fatores que elenquei na primeira resposta trazem uma grande preocupação e influenciam, completamente, a nossa economia. Apesar de a balança comercial ainda estar positiva, houve uma saída importante de dólares desde o começo do ano. O país está exportando, o câmbio desvalorizado é positivo, mas nós esperávamos que esses problemas fossem ocorrer um pouquinho mais para a frente, e não começando o ano de 2024.
Por conta da taxa de juros nos Estados Unidos, o Focus já está trazendo uma previsão de elevação da taxa de juros no Brasil. Se você pegar o último boletim de 2023, a expectativa era de uma Selic de 9%, mas agora é 9,5%, apesar de um PIB maior, que passou de 1,52% para 2,02%, e de um IPCA menor, que passou de 3,90% para 3,73%. A expectativa da taxa de câmbio para 2024 era de R$ 5, foi a pouco mais de R$ 4,80, mas já retornou aos R$ 5.*
Se a taxa de juros nos Estados Unidos não for reduzida, fica mais difícil para o Banco Central (BC) reduzir a nossa taxa de juros. O próprio Campos Neto e os dirigentes do BC dizem que não há como negligenciar o que está acontecendo lá fora.
Qual a avaliação do Rendimento sobre a atual taxa de câmbio?
No começo do ano, quando o dólar bateu entre R$ 4,80 e R$ 4,85, nós achávamos que o câmbio estava supervalorizado, sendo que nós entendíamos que um câmbio de equilíbrio estaria entre R$ 5,00 e R$ 5,15. Nós continuamos entendendo isso, apesar de o câmbio ter dado uma extrapolada na semana passada e ter ido a R$ 5,30. Esses spikes são normais, mas agora ele vai buscar uma acomodação.
Um câmbio de R$ 5,20 a R$ 5,30 gera oportunidades tanto para a balança comercial quanto para investimentos em renda fixa e renda variável, mas se o PIB americano do 1T24 vier muito mais forte do que o esperado pelo mercado (será divulgado nesta quinta-feira, 25), nós podemos ter uma pequena valorização do câmbio.
Nós entendemos que o mercado vai ficar entre R$ 4,90 e R$ 5,15, mas estamos trabalhando com um câmbio para o final do ano de R$ 5.
Qual a mensagem que a atual taxa de câmbio passa para os agentes econômicos?
A taxa de câmbio está refletindo a desconfiança dos agentes econômicos com relação à execução da meta fiscal proposta pelo governo. Essa execução não é fácil, buscar receita é complicado, e a sociedade já está sofrendo com uma carga tributária super alta, mas nós não vemos movimentação por corte de gastos. Ao contrário, as movimentações são para mudar o arcabouço fiscal definido no ano passado, o que gera uma desconfiança dos investidores.
O governo já enxergou que precisa fazer algo e está tentando, mas ela precisa do legislativo num ano eleitoral que atrapalha tudo, sem contar que, daqui a pouco, nós teremos a sucessão nas presidências do Senado e da Câmara. Tudo isso atrapalha a condução da política fiscal.
Se as condições econômicas brasileiras estivessem mais organizadas, a taxa de câmbio poderia estar mais valorizada?
Na nossa opinião, o externo é mais importante nesse momento. Para que as coisas se acalmem aqui, o externo precisa estar mais calmo. É óbvio que há uma composição do que está acontecendo no doméstico, mas hoje, 70%, 80% da explicação da taxa de câmbio está relacionada ao que está acontecendo nos Estados Unidos, que está com uma taxa de juros e uma inflação que não cedem.
Quando o mercado internacional se acalmar e houver uma clareza, o pessoal vai começar a olhar aqui para dentro. Se as coisas estivessem mais organizadas no Brasil, não imagino que a taxa de câmbio estaria tão distante do que está hoje, pois nós estamos vivendo uma situação que nunca foi vivida antes. Assim como o Jerome Powell disse, a inflação não é de demanda, mas de oferta, que foi gerada no pós-pandemia em decorrência de problemas nas cadeias produtivas. Essa foi uma situação que ninguém soube trabalhar, pois nunca aconteceu no passado.
Veja que há três, quatro meses se imaginava que a taxa de juros americana seria reduzida em maio, mas agora não se sabe se ela será reduzida nem em setembro. Os países da América Latina estão mais acostumados a viver com volatilidade na taxa de câmbio e nos juros, mas essa é a primeira vez que os americanos estão vivendo com uma taxa de juros alta, sem que a inflação ceda, mas com a economia seguindo bem. Eles possuem quase pleno emprego, mas, realmente, não sabem o que fazer.
Como você tem visto toda essa situação?
Eu falo brincando que nós estamos vivendo um período bem monótono da taxa de câmbio, pois, provavelmente, daqui a um, dois meses vai mudar muito pouco o que estamos conversando. Por exemplo, há seis meses atrás, era mais ou menos isso e mudou muito pouco. Havia mais papo quando os Estados Unidos estavam mais sossegados.
*O Rendimento tem a expectativa de que a Selic termine 2024 em 9,75%; o PIB em 2%, a taxa de câmbio em R$ 5 e o IPCA em 3,90%.