A falsa coincidência na aceleração dos cancelamentos unilaterais de planos de saúde

A crescente aceleração dos cancelamentos unilaterais de planos de saúde e as mudanças regulatórias que impactam operadoras e beneficiários. Por Walter dos Santos.

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ANS, carteiras de planos de saúde (Foto: ABr/arquivo)
ANS, carteiras de planos de saúde (Foto: ABr/arquivo)

Acordos e comunicados políticos à parte, o fato é que as operadoras têm cancelado contratos de planos de saúde de forma unilateral, valendo-se da liberdade que têm de contratar e “descontratar”, com base na Lei de Planos de Saúde. Sempre foi assim, mas piorou neste primeiro semestre de 2024. A diferença agora é que a forma tem chamado muita atenção por conta das polêmicas geradas. As seguidas notícias de revolta da sociedade e de beneficiários de planos de saúde contra reajustes nas mensalidades, descredenciamento sem aviso, negativa de reembolso, negativa de tratamento, entre outros, precisam ser compreendidas no contexto correto da mudança que a ANS pretende impor em relação à forma como deverá ser o cancelamento unilateral pela operadora. Anunciada para vigorar em abril passado, a medida só deve entrar em vigor em setembro. As novas regras vão criar mais burocracia para o cancelamento, embora mantenham todo o poder nas mãos das operadoras.

Não é coincidência que as empresas tenham acelerado, desde março, o envio de avisos de cancelamentos. Entre abril de 2023 e janeiro de 2024, foram registradas mais de 5,4 mil reclamações de cancelamentos unilaterais de planos de saúde no portal consumidor.gov.br, ligado à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon).

Segundo a legislação vigente, o cancelamento unilateral de planos de saúde pelas operadoras é permitido apenas em casos de fraude ou inadimplência superior a 60 dias. Essa regra se aplica, exclusivamente, a contratos individuais e familiares.

Em caso de inadimplência, a operadora deve, antes, notificar o beneficiário com antecedência de até 50 dias. No caso de fraude, o plano de saúde tem que comunicá-lo para que ele possa se defender.

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A Lei de Planos de Saúde (Lei Federal 9.656, de 1998), no inciso II do seu artigo 13, regula o tema ao informar que haja comprovada ciência do consumidor. No caso dos planos coletivos, essa regra também se aplica. Nos dois tipos de contratos, a operadora pode cancelar a relação contratual com o beneficiário diante de culpa exclusiva deste.

Mas cabe a pergunta: se as operadoras só podem cancelar o plano diante de culpa do consumidor, por que estão fazendo isso de forma unilateral?

A resposta: porque a enxurrada de cancelamentos que têm ocorrido são para os contratos coletivos, onde as operadoras encontram uma maneira de interpretar a lei a seu favor.

Ao se fazer a leitura do referido artigo 13, nota-se que ele descreve que o contrato de plano de saúde é de renovação automática após um ano de vigência entre as partes, permanecendo válido até que uma das partes resolva rescindi-lo.

Conclui-se com isso que a operadora está se valendo de um exercício regular de direito dado pela própria lei.

O artigo 13, caput, da Lei de Planos de Saúde permite à operadora findar a relação com o beneficiário de forma unilateral e sem motivação alguma; ou seja, ela não precisa esclarecer por que está cancelando o plano do beneficiário de contrato coletivo.

No entanto, ela deve obedecer aos seguintes critérios: respeitar o prazo mínimo de um ano de contrato estabelecido; notificar o beneficiário por escrito, com antecedência de até 60 dias, conforme o posicionamento do STJ em seus julgados; aguardar a alta hospitalar do titular e/ou do dependente que estiver internado para tratamento ou recuperação de saúde, tudo segundo relatório médico bem detalhado sobre o paciente e seu estado clínico; paciente em tratamento continuado e multidisciplinar de autismo também não pode ter o atendimento interrompido, conforme entendimento do STJ no Resp 2.043.003-SP.

Podemos concluir, então, que, apesar das muitas críticas e revoltas, as operadoras de planos de saúde (ainda que de forma considerada arbitrária ou desleal) têm fundamentos para cancelar os contratos coletivos (empresarial ou por adesão) com base na lei. E é com base nisso que as operadoras encontram amparo na lei que lhes permite cancelar o contrato coletivo por vontade própria e sem a consideração da parte contrária.

Observo ainda que a notificação, para estes casos, no contrato coletivo, deve ser por escrito, via correio com AR – Aviso de Recebimento nas mãos do beneficiário do contrato. O beneficiário deve ter total ciência. Isso quer dizer que a operadora deve fazer tudo para que a correspondência chegue pessoalmente ao titular do plano de saúde, devendo este, no caso, manter os seus endereços atualizados nos cadastros da operadora.

Já nos casos de contrato individual e familiar, recente resolução emitida pela ANS (RN 593/23) permite às operadoras notificarem o beneficiário por diversos meios: e-mail, WhatsApp, SMS, telefone, pelo próprio site. Nesse ponto, a norma flexibilizou a forma de aviso a ser feita pela operadora ao beneficiário.

Por Walter Landio dos Santos, advogado em Maricato Advogados Associados. Pós-graduado em Direito Médico e da Saúde pelas Faculdades Legale em São Paulo e especialista em direitos do consumidor de plano de saúde desde 2020, no tema saúde suplementar.

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