A falsa questão militar

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Ao Estado cabe transformar um povo em uma Nação. A idéia de Nação é algo novo, como novo tem sido o conceito de Estado. Como diz Rousseau no Contrato Social: “Esta pessoa pública, formada pela reunião de todas as outras, tomava antigamente o nome de Cidade, e toma agora o de República ou de Corpo Político, o qual é chamado de estado quando é passivo, soberano quando é ativo, potência ao ser comparado com seus semelhantes”. Síntese brilhante, que nos permite demonstrar uma tese.
Quem é o Estado? Tanto na utopia de Condorcet e Saint-Simon, quanto na ideologia positivista de Comte, como na ciência livre de julgamento de valor de Max Weber, ou na objetividade institucional de Karl Popper, ou na sociologia do conhecimento de Karl Mannheim, o Estado é a sua burocracia. Talvez, melhor, o Estado se representa pela sua burocracia.  Esta é uma colocação sem contestação. E, queiram ou não os militares, eles são parte central desta burocracia. Os militares são os primeiros e últimos servidores do Estado Nacional. Sobre eles repousa em tempo de paz a ordem interna, por onde se criam as condições da transformação do povo em Nação. E, em situação de guerra, sobre eles pesa a própria sobrevivência do povo e da Nação.
Talvez esta colocação tão primitiva não freqüente o currículo de nossas academias militares. Mas é tão óbvia que consta no imaginário de qualquer soldado. É tão óbvia, que qualquer um que busque se opor à construção de uma Nação, eleja os militares como alvo primordial de seus ataques. Vários são os exemplos de ações externas de confrontação a outros Estados que se explicitam por uma ação de desqualificação das forças armadas junto ao seu povo.
Contudo, nunca se viu uma campanha tão bem conduzida como a que se move contra os militares, nos últimos vinte anos, no Brasil. No Brasil, o discurso contra os militares sempre teve ajuda externa. E ajuda interessada. Infelizmente, ela não resulta de uma postura de Estado ordenado. Tem apoio externo. No início do século, dos ingleses magoados com a postura patriótica de Floriano. Desde pós-guerra, dos norte-americanos, que, mesmo no período dos governos militares, preocupavam-se muito com o que colocavam como posturas nacionalistas, de parcela expressiva da tropa. Por causa desta ameaça aos seus interesses, no início da década de setenta, no ápice do período militar, não organizaram um plano para colocar D. Helder na Presidência?
Após o término da Guerra Fria, o objetivo declarado do governo norte-americano na América Latina tem sido o de retirar os militares da cena política. Eles continuam ditando suas normas, mas estas, no passado, não atentavam contra a construção nacional do Brasil, de forma tão explícita, como o fazem agora. A campanha que vem se desenvolvendo contra os militares, passados quase quinze anos de sua saída do poder, extrapola o razoável e conspira contra a construção da Nação.
Não se trata de colocar os militares como santos, mas será que cabe toda a discussão sobre o papel dos militares no passado, no período dito revolucionário ou ditatorial? Os crimes que os militares cometeram no Brasil contra os direitos humanos foram tão graves como os cometidos pelos norte-americanos no Vietnam, ou pelos franceses na Argélia, ou pelos ingleses na Birmânia? Admitamos que sim, pois foram feitos contra nacionais, por questões ideológicas. Mas ainda assim, não existem por lá os trabalhadores norte-americanos torturados e mortos pela polícia por questões sindicais, na década de vinte ou os perseguidos pelo “Macarthismo”, na década de cinqüenta? Não existiram na França organizações terroristas no exército francês, na Guerra da Argélia?
Mesmo maximizando seus erros, os militares têm um saldo positivo na história do Brasil. Talvez possamos lhes atribuir uma miopia na questão social. Talvez possamos lhes conferir uma certa visão elitista dos processos. Mas não se pode negar a sua importância na unidade do Brasil, no nosso desenvolvimento e na tentativa de construção da grandeza econômica do país e do capital nacional.
O Brasil é um colosso ao sul do Equador. Vasto território. Imensos recursos naturais inexplorados. Grande população. Sem grandes questões étnicas, religiosas ou raciais. Quando comparado com seus semelhantes, o Brasil é uma grande potência. Contudo, comparações são formas de se buscar analogias. E, assim como nós as fazemos, outros também as fazem. Imaginam, então, como evitar a Nação que está se formando, a potência que virá. Voltam-se contra o Estado, sua representação, para não deixar que se acabe de construir o Brasil, que será grande e ameaçador pelo seu tamanho.
Aqui está a questão. Os norte-americanos juntam seus interesses aos da parcela da elite financeira e política do país que, infelizmente, é, hoje, a classe dirigente e buscam manter nossa nação inacabada. Os norte-americanos porque temem a Nação que se constrói. A parcela da elite financeira e política do país porque teima em usufruir sozinha do colosso do Sul. Portanto, bombas, guerrilhas, torturas do passado, se fazem acompanhar, no presente, de fauna atacada, de cortes de verba, de mudanças no regime de aposentadoria e de Ministério da Defesa. É o jogar do povo contra o Estado, buscando a demolição da Nação.
Quem ama o Brasil sabe que é chegada a hora de dar um basta à falsa questão militar. Sabe que tem que se olhar para frente para completar a construção do colosso do Sul.

Armando Brasil
Professor em Ciências Sociais

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