Na época de sua criação, a Organização das Nações Unidas (ONU) foi fundada com o objetivo de harmonizar as discórdias, unindo os povos, promovendo a paz e o bem estar das sociedades. Era a esperança de todos. A pujança da Organização residia justamente na sua força moral, capaz de impedir a ação bélica de nações, em virtude de conflitos políticos, econômicos, sociais ou militares.
Na vigência da “guerra fria” funcionou como um amortecedor adequado na luta travada entre os EUA e a URSS em busca da hegemonia mundial. A cada incidente provocado por uma das duas potências, direta ou indiretamente, a ONU fazia-se presente, evitando o conflito bélico ou pelo menos minimizando-o e impedindo a hecatombe nuclear que poderia ocorrer, exterminando a vida humana na Terra.
Agora, os tempos são outros. Os EUA, numa hábil manobra econômica, provocaram a implosão do império soviético, reduzindo-o a uma Rússia combalida economicamente, com alguns afluentes ao seu redor. Surge então uma nova Ordem Mundial, da qual resultou a nação norte-americana como potência hegemônica. Em termos econômicos, as potências mundiais são três, a chamada Tri-lateral : EUA, Japão e Alemanha. Porém, de acordo com a fórmula de Ray Cline, Pp = ( C + E + M) (S + W), onde Pp = poder perceptível; C = massa crítica (território + população); E = capacidade econômica; M = capacidade militar; S = plano estratégico e W = vontade nacional, apenas os EUA podem ser atualmente considerados como potência mundial, tanto a nível militar como econômico.
E usam seu poder como querem, onde desejam, na hora mais adequada para cumprir seus objetivos. Ontem, foi Granada e Haiti. Agora, recentemente, o Iraque, onde chegaram a criar uma “zona de exclusão aérea”, dividindo o país em três partes e bombardeando-o todos os dias, religiosamente, sob qualquer pretexto. Há o claro interesse estratégico no controle do petróleo oriundo do Oriente Médio, vital aos EUA. Criam embargos econômicos a diversos países para minar suas forças e castigar aqueles que os desobedecem. São senhores da vida e da morte, acima do bem e do mal.
Neste momento, resolveram, sempre a pretexto de razões humanitárias, ocupar a Iugoslávia, bem no centro da Europa, entre o Oriente e o Ocidente. Como não possuem coragem para fazê-lo diretamente, usam a Otan como instrumento e adotam a tática de destruição maciça, com o mínimo de perdas, utilizando bombardeios diários, há mais de 50 dias, através de “bombas inteligentes” (erram tanto que, ou o engano é proposital, ou não são inteligentes; pelo contrário, seriam reprovadas no “provão”), empreendendo uma agressão a um país soberano, sem o aval da ONU, através de seu Conselho de Segurança. Aliás, não é a primeira vez que assim procedem e não será a última, infelizmente.
Somente quando a ONU aceita suas imposições é que os EUA respeitam-na. Quando desconfiam que não serão bem sucedidos, agem por cima dela. E a desculpa de razões humanitárias chega a ser ridícula. Quantas vezes a Organização determinou recomendações que nunca foram cumpridas, como é o caso da Palestina, por não estarem alinhadas com a estratégia dos EUA? E quantos povos não foram e estão sendo massacrados, como é o caso do Timor, de vários países da África, ocupados por mercenários e ninguém é sensibilizado pelas suas tragédias? Apenas há ação quando consulta aos interesses da potência hegemônica.
Desta forma, a ONU vai sendo progressivamente erodida, anulada, desmoralizada, esvaziada em sua força moral. Não tem tropas, nem recursos. A continuar assim vai acabar sendo extinta, por falta de resultados como a antiga Liga das Nações. E aí passará a vigorar a lei da selva, onde o mais forte ocupará e destruirá o que quiser, sem reação, a não ser que surja outra potência nuclear e econômica, como a China, por exemplo, para equilibrar a situação. E tal situação preocupa-nos sobremodo, pois amanhã poderá ocorrer com o Brasil. A Amazônia Brasileira desperta a cobiça de muitos e a criação de reservas indígenas abre a possibilidade do surgimento de “nações indígenas”, com o intuito de tornarem-se “independentes”, com a cobertura das nações mais poderosas, interessadas em nossas riquezas (minérios, água, biogenética). Não temos condições de enfrentar militarmente, no nível convencional, uma guerra deste porte. Apenas com guerrilha na selva, o que será feito. Contudo, com o governo que aí está, fica mais difícil organizar a resistência. Assim, é importante iniciarmos uma campanha, mundial, para fortalecimento da ONU, a fim de que os conflitos voltem a ser resolvidos pelas vias diplomáticas, com paz, sem guerra, apoiados no efeito dissuasão, com a Organização dotada de recursos e poderio militar, com comando do Conselho de Segurança e não de um país só.
Marcos Coimbra
Professor titular de Economia da Universidade Candido Mendes e Conselheiro da Escola Superior de Guerra (ESG). Correio eletrônico: mcoimbra@antares.com.br