A fusão Gol e Azul: resolve alguma coisa ou duplica o problema?

Segundo João Daronco, a fusão da Gol e da Azul não é um movimento para melhorar a operação, mas sim uma forma das duas empresas tentarem sobreviver pelo maior período possível.

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João Daronco
João Daronco (foto divulgação, Suno Research)

Conversamos sobre a fusão Gol e Azul com João Daronco, analista CNPI da Suno Research. No último dia 15, as duas companhias publicaram fatos relevantes sobre a assinatura do Memorando de Entendimentos Não Vinculante que trata da fusão (Fato Relevante Gol e Fato Relevante Azul).

Como você avalia a fusão Gol e Azul?

Muitas pessoas estão perguntando se a fusão vai ser boa para as duas empresas ou mais para uma do que para a outra, mas ainda é cedo para falarmos sobre isso, pois ainda não temos os termos do memorando para esclarecermos questões como a proporção de ações e a questão econômica.

Na minha opinião, esse não é um movimento de livre e espontânea vontade para melhorar a operação, e sim um movimento muito mais relacionado a um problema estrutural do setor aéreo, que foi agravado pela pandemia, e que fez com que essas empresas precisassem ser criativas para pensar em formas de sobreviver pelo maior período possível.

Com relação ao problema estrutural do setor aéreo, se analisarmos essas empresas, nós vamos ver que nenhuma delas gerou valor para os seus acionistas no longo prazo. Pontualmente, um investidor pode ter ganho dinheiro, mas, na média, os investidores perdem dinheiro com essas ações. Isso porque as empresas do setor aéreo, em grande parte, possuem receitas em reais e custos em dólar.

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Em momentos como o atual, com o dólar ganhando bastante força no mundo, e o real se desvalorizando bastante, as receitas em reais não estão aumentando na mesma medida dos custos em dólares, o que acaba impactando os resultados. 

Esse é um setor extremamente complicado de se operar e que, quando olhamos o longo prazo, beneficia muito a sociedade e pouco o acionista.

Se essa fusão sair, ela resolve algum problema ou duplica o problema? Faço essa pergunta, pois o mercado, em termos estruturais, vai seguir o mesmo.

Se a fusão for bem feita, e aqui nós temos um grande “se”, essas empresas podem sim ter um fôlego adicional, principalmente por conta da questão sinérgica. Por exemplo, existe uma questão de eficiência das aeronaves que poderia ser aproveitada. Como existem muitos destinos que são compartilhados pelas duas empresas, elas poderiam aumentar a eficiência das aeronaves, tanto na parte de passageiros quanto na parte de carga.

Outro ponto é a diluição do custo fixo, já que, ao invés de haver dois times trabalhando em dois programas de fidelidade diferentes, elas vão ter apenas um, o que permite a diminuição de muitos postos de serviço.

Por fim, quando uma empresa tem rotas mais otimizadas, sobram mais aeronaves para adicionar novas rotas, o que aumenta a receita da companhia.

Essas sinergias melhoram a situação, mas, novamente, olhando a longo prazo, é muito difícil ver essas empresas, de forma estrutural, gerando valor para os seus acionistas, e quando olhamos para um horizonte de 20 anos, é difícil saber se elas ainda vão estar no mercado.

Além da questão estrutural, essas empresas estão muito alavancadas, e o aumento do dólar é muito prejudicial para elas. Recentemente, nós fizemos um estudo interno sobre os impactos do dólar e da Selic sobre os resultados das empresas brasileiras, ou seja, quanto o resultado de cada empresa cairia com o aumento do dólar e o aumento da Selic. De toda a Bolsa, a Azul e a Gol são as empresas mais prejudicadas com o dólar mais alto. 

Em termos de concorrência, como vai ficar o mercado? Hoje, pelo menos, são três empresas, mas com a fusão o mercado passaria para apenas duas.

Como a fusão vai passar pelos órgãos reguladores, pode ser que saiam algumas condições para que a fusão aconteça, como a diminuição das frotas ou algumas linhas com dupla operação. Pelo que eu tenho conversado com algumas pessoas a par do assunto, as duas empresas vão continuar operando de forma independente. Elas vão ter uma estrutura de governança unificada, mas vão continuar como operadoras. Com isso, as três empresas seriam mantidas, mas o poder de barganha da Gol e da Azul ficaria muito mais forte que o poder da Latam. Se os órgãos reguladores não impuserem condições para a fusão, talvez a empresa mais prejudicada seja a Latam.

Quais são os principais pontos fortes e as principais fragilidades da Azul e da Gol?

A Azul é muito forte nas rotas regionais. Além disso, a empresa tem a Azul Cargo, que é um business de transporte de carga que tem crescido bem e que tem sido executado de forma bastante positiva. Isso porque, inicialmente, eu não tinha tanto otimismo quanto à Azul Cargo, mas ela se tornou um negócio que tem ajudado os números da Azul.

Com relação à Gol, ela possui um dos maiores programas de fidelidade do Brasil, o Smiles, algo que a Azul ainda não conseguiu. Ao longo do tempo, o programa de fidelidade da Gol tem melhorado muito a percepção e a recorrência dos seus clientes.

Com a união das duas empresas, a Gol poderia adicionar a expertise do Smiles, ou até mesmo o programa, à Azul, e a Azul poderia utilizar a Azul Cargo para fazer transporte de carga junto com a Gol.

Já a fragilidade das duas é muito semelhante: o endividamento. As duas companhias estão extremamente alavancadas, com dívidas em dólar, e em um momento em que a economia brasileira aponta para uma desaceleração. Como a estrutura de capital é a fragilidade das duas companhias, elas buscam diminuí-la através dessa união. Isso pode acontecer no curto prazo, mas no longo prazo prevalece a questão estrutural do mercado, que é muito forte.

Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?

Na Suno, nós temos uma visão de investimentos voltada para o longo prazo, em ser sócio das empresas. Quando pegamos as empresas do setor aéreo mundial, pouquíssimas deram resultado, e o Brasil não vai ser uma exceção nesse aspecto. Existem muitos investidores que estão achando que essa operação vai ser revolucionária e que as empresas vão sair da crise. Contudo, nós já vimos “n” fusões no mercado brasileiro, e elas nada mais indicam a dificuldade das empresas em se manterem sozinhas no mercado.

Muitas vezes, os investidores se deslumbram com uma fusão, mas é preciso lembrar que fusões são difíceis de serem executadas, ainda mais quando o setor passa por um momento difícil ou tem problemas estruturais.

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