A guerra das placas e a geopolítica do próximo milênio

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Muitas vezes, os fatos mais evidentes não são imediatamente vistos, justamente por estarem tão próximos de nós que não permitem observação acurada. O estudo dos conflitos humanos revela a existência de regiões que, ao longo da História, têm sido palco de conflitos praticamente ininterruptos. Com a expansão, pelos continentes, das diferentes culturas e civilizações, multiplicou-se o número dessas regiões.
Se observarmos o Mapa Mundi em planisfério, constaremos a atual existência, nos quatro principais continentes (Eurásia, Américas do Norte e do Sul e África), de áreas que, para atender a interesses das potências hegemônicas, devem permanecer em estado de conflito ou de anomia/abulia. A estas áreas, daremos o nome genérico de “placas de rotação”, pois, através delas, em situação de paz e normalidade, todas as culturas e etnias vizinhas podem interagir pacifica e produtivamente, em vez de se confrontarem, criando assim condições de integração cultural, social e econômica, e inviabilizando quaisquer intenções hegemônicas.
No continente norte-americano, encontram-se as duas únicas placas atualmente pacíficas e produtivas, a do Mississipi-Golfo do México e a dos Grandes Lagos, que formam os eixos de concentração e distribuição das riquezas daquele continente. As duas placas sul-americanas, as duas africanas e as três eurasianas, por sua vez, encontram-se em situação de conflito ou abulia/anomia.
Na América do Sul, a placa Paraná-Paraguai, que interliga as comunidades platino-andinas (Paraguai, Argentina, Uruguai, Chile e Bolívia) e a comunidade luso-brasileira, encontra-se em estado de abulia/anomia, devido às precárias condições sócio-econômicas, resultantes de políticas equivocadas de toda sorte (econômico-financeira, social, militar etc.). Já a placa da Calha Norte, interligando as comunidades andino-caribenhas (Peru, Equador, Colômbia, Venezuela e Guianas) e a comunidade luso-brasileira, com óbvia ramificação para as comunidades platino-andinas, está em franco processo de esterilização/interdição, pela tentativa de criação de uma série de pseudoprotetorados ecológico-indígenas que, localizados em áreas-chave, impedirão a integração dessas comunidades, com o ganho lateral de inviabilizar todo e qualquer desenvolvimento para o continente.
No continente africano, a placa Subsaariana, que integra a África negra à muçulmana, atravessa do Marrocos à Somália e Eritréia. A placa Centro-Africana liga a África da floresta à da savana, atravessando da Costa do Marfim à Tanzânia e passando, não por acaso, por Ruanda, Burúndi, Congo, Angola e Moçambique. Ambas as placas são palco de brutais massacres e carnificinas, sendo agora compreensível a inação ou apatia das potências hegemônicas, em relação à agonia do continente africano, uma vez que é de seu interesse que esta situação perdure indefinidamente.
Já na Eurásia, a situação é atualmente a mais explosiva, pois, nas três placas (Bálcãs, Curdistão e Tibete) existentes naquele macrocontinente, a condição cultural dos povos vizinhos inevitavelmente criará conflitos de proporções inimagináveis. A placa Balcânica, onde localizam-se as repúblicas que integravam a antiga Iugoslávia (além de Albânia, Bulgária, Grécia e Turquia), está situada na confluência de três antigos impérios: Austro-Húngaro, Russo e Otomano.
Atualmente, o que resta da Iugoslávia (Sérvia e Montenegro) está sendo submetido a um ataque militar “humanitário” da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Este país é ainda rota natural de contato entre as civilizações ocidental, eslava e islâmica, e seu fracionamento atende ao objetivo geoestratégico local e imediato de criar um duplo “cordão sanitário”, contendo os eslavos a leste e o Islã ao sul, impedindo assim sua interação com a Europa ocidental.
A placa do Curdistão, que atravessa Casaquistão, Armênia, Síria, Iraque, Irã e Turquia, é área de trânsito para o intercâmbio entre o mundo eslavo, o Islã e as civilizações asiáticas, entre si e com o Ocidente. A placa Tibetana é área focal do encontro entre as culturas da Ásia meridional, central e costeira.
Nos Bálcãs, a estratégia das potências hegemônicas é, como vimos, impedir a confluência das três civilizações limítrofes. Na placa do Curdistão, é manter uma situação que impeça qualquer futuro intercâmbio significativo. Na do Himalaia é criar uma situação de conflagração, através da subtração traumática do Tibete à China, estabelecendo área de conflitos permanentes naquela parte da Eurásia, que já é palco de rivalidades entre Paquistão, Índia e China.
Os efeitos acima não são apenas locais. Trata-se de manobra muito bem urdida, com o objetivo de obstar o retorno a uma situação normal de multipolaridade mundial, que configuraria, para as principais potências do bloco anglo-saxônico (Estados Unidos-Canadá e Grã Bretanha), o seguinte quadro: ao sul e sudeste, uma América do Sul integrada, rica e poderosa, aliada a uma África em franco desenvolvimento; ao norte e noroeste, além do Círculo Polar Ártico, uma civilização eslava (Rússia) próspera e desenvolvida, integrada ao Ocidente europeu, ao Islã e à China e demais civilizações asiáticas. A leste, uma Europa ocidental unida, integrada por Estados soberanos e independentes. A oeste, as civilizações da Ásia e do Pacífico, também unidas, soberanas e independentes.
O cenário de cerco global acima exposto configura o maior pesadelo, para qualquer potência que se supõe hegemônica: uma situação de equipotência e equivalência multipolar, onde nenhum dos grandes blocos terá, isoladamente, condições de intimidar ou agredir impunemente qualquer componente de outro bloco. As considerações geopolíticas e geoestratégicas, pertinentes aos principais atores do cenário mundial acima descrito, serão objeto de outros artigos.

Ronaldo Leão Corrêa
Economista pós-graduado em Comércio Exterior e conselheiro do Cebres (Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos).

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