A guerra das vacinas no Brasil

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Izidoro Flumingnan (divulgação)
Izidoro Flumingnan (divulgação)

O cenário atual da saúde pública no mundo, por conta da pandemia, está muito controverso, o que abre um leque amplo de perspectivas de múltiplas avaliações, desde o ponto de vista técnico-científico até o espectro político-ideológico.

Numa análise mais realista, o vírus SARSCov-2 pouco conhecido inclusive pelos cientistas, embora se comprove a olhos vistos, sua imensa ação danosa à saúde humana.

E essa constatação vai desde a morte em larga escala da população, até a maior crise econômica mundial já vista neste século, que está sendo responsável pelo fantasma do desemprego em massa, e o empobrecimento das populações, impactando até países ricos.

Em apenas um ano, as salas de aula, além das repartições públicas e privadas ficaram desertas, e a internet passou a ser uma ferramenta essencial de sobrevivência na nova realidade, criando o hábito do home office, e que por isso mesmo acelerou a crise imobiliária, principalmente nos grandes centros financeiros do país, repercutindo vítimas do efeito dominó.

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Neste contexto devastador, há uma vontade ilusória que tudo volte a ser como antes e que a vacina possa resolver a pandemia como uma bala de prata no coração no vírus.

Os prognósticos, porém, não apontam a pequeno e médio prazos um universo muito otimista desse quadro pandêmico e suas consequências.

Seria razoável, se a gestão de cada estado em conjunto com as suas respectivas sociedades, viessem a se preparar para um grande ajuste de seus modelos, principalmente no setor de saúde pública, aliado às suas práticas econômicas em direção aos próximos 10 anos, ou mais.

Especificamente sobre as vacinas que vêm sendo testadas contra o Covid-19, há fortes indícios de que elas possam falhar, em algum momento, devido às mutações virais sucessivas que vêm sendo anunciadas.

Quando o vírus saiu da China e foi para a Europa, no começo deste ano, ficou bem documentado pelos cientistas que ocorreu uma mutação na proteína spike D614 para D614G que ampliou sua infectividade e explica o porquê na China a pandemia foi mais lenta do que na Europa.

No entanto, recentemente, no último mês deste ano, uma nova cepa do coronavírus foi identificada no sudeste da Inglaterra com uma capacidade de transmissibilidade superior a 70%.

A Fiocruz também já anunciou uma mutação no vírus que está contaminando a população brasileira. A cada vez que aparecem novas cepas virais, as vacinas têm seus efeitos reduzidos até serem incorporadas na mesma. As rápidas mutações virais reduzem a eficácia das vacinas que podem se tornar um tiro n’água, em algum momento.

Além das vacinas, temos a possibilidade de um antiviral na forma de comprimidos, ainda em ensaios clínicos e não disponíveis. É mais prudente não colocar todos os ovos numa única cesta, e pelo contrário, ampliar as medidas da saúde pública em vários segmentos diferentes.

Há duas medidas simultâneas que são necessárias, e que nunca poderão ser vistas como desperdício, que são a redução da velocidade de adoecimentos pelo Covid19, e a ampliação da capacidade dos atendimentos médicos.

A primeira requer afastamento social apenas dos infectados, e não de todos, e a segunda, consiste na ampliação do controle médico, que poderá ser através da telemedicina e internações domiciliares, conhecido como homecare.

O SUS, que é tripartite, tem no município a sua base mais próxima das pessoas. Portanto, o PSF – Programa Saúde da Família precisa se tornar o protagonista do atendimento médico casa a casa, bairro a bairro, aplicando a testagem em massa e ao mesmo tempo controlando o isolamento, a quarentena e o tratamento de cada pessoa infectada.

Essa ação será desenvolvida graças aos recursos da telemedicina, a um prontuário médico online e a oxigenioterapia domiciliar. Não é necessário construí-lo, basta implantá-lo.

Mas a vacina que poderia ser o maior trunfo para a erradicação desse vírus, tornou-se uma problemática político ideológico de grandes proporções em todo o país, gerando muita polêmica em torno de seu uso, e que por isso foi parar na última instância do judiciário, o STF.

No Supremo, o relator para o tema é o ministro Ricardo Lewandowski que votou em defesa das restrições sociais a quem deixar de se vacinar, tendência essa que foi seguida pelo restante do colegiado.

Lewandowski justificou seu voto pela obrigatoriedade, argumentando que “a liberdade individual não pode suplantar direitos de terceiros se forem preenchidos os requisitos médicos específicos da vacina”.

Já se voltarmos no tempo, lá no início do século passado, precisamente em 1904 vamos nos deparar com situação semelhante à que vivemos hoje com o Covid-19, que foi a chamada Revolta da Vacina, pelo menos similar sob o ponto de vista da temática de imunização em massa.

Na época, quem estava no poder era o governo do presidente Rodrigues Alves, que instituiu a lei que obrigava a imunização da vacina contra a varíola. Na época, o Brasil era outro, o Rio como capital do país, vivia um grande alastramento de doenças, e uma imensa falta de acesso à informação, ao debate e ao conhecimento globalizado.

No entanto, a crise era sinalizada por um período marcado pelo trabalho pioneiro do médico sanitarista Oswaldo Cruz que erradicou várias doenças infectocontagiosas, além da descoberta de várias outras moléstias, até então desconhecidas.

Ao contrário de hoje com a Covid-19, a Revolta da Vacina se configurou num grande protesto da população contra o autoritarismo do governo, que expulsava populares das suas moradias no Centro do Rio. Foram demolidos mais de 600 cortiços e deixadas cerca de 14 mil pessoas desabrigadas. A Revolta da Vacina passou a ser, na época, o pivô dessa insatisfação popular.

Não que hoje no Brasil não haja insatisfação popular, pelo contrário, mas o que existe atualmente no país está mais ligado ao campo da guerra de narrativas entre o que diz e o que faz o governo para não resolver a problemática sanitária do país, em contradição com a ciência.

Izidoro de Hiroki Flumignan é médico sanitarista.

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