A  injustificável privatização da Copel

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Na campanha eleitoral de 1.994, o candidato Fernando Henrique Cardoso anunciou, a propósito do setor elétrico, que adotaria a política de vincular o planejamento do sistema às prioridades governamentais de desenvolvimento econômico e social e de incentivar a participação privada em novos investimentos. Entretanto, uma vez eleito, aceitou passivamente uma reestruturação comandada pelo Banco Mundial, que em última análise converteu o nosso sistema elétrico num poderoso instrumento de concentração de renda, que privatiza lucros e os remete ao exterior, ao mesmo tempo em que estatiza riscos e socializa prejuízos. Com o respaldo de milionárias campanhas de propaganda, a administração FH dilapidou, em poucos meses, o inestimável patrimônio representado pelas maiores distribuidoras e algumas importantes geradoras de eletricidade, cuja implantação levou mais de cinco décadas e foi custeada com dinheiro público.
Como ainda sobram algumas estatais importantíssimas a serem transferidas à exploração estrangeira, a administração volta à carga com nova onda publicitária, destinada a camuflar o retumbante fracasso das privatizações já feitas e omitir o caráter monopolístico dos serviços de eletricidade. De fato, quando a Light, no Rio, ou a Metropolitana, em São Paulo, aumentam as tarifas, ou cortam a luz em ruas inteiras, não se pode recorrer a outro fornecedor. Para justificar a privatização do setor elétrico, o governo prometeu que as tarifas cairiam e que o capital privado se encarregaria de expandir o sistema. Mas os novos donos das antigas estatais pouco investiram em expansões, provocando o racionamento que enfrentamos, enquanto as tarifas – que eram acessíveis até para as populações de baixa renda – estão hoje entre as mais caras do mundo.
Inexplicavelmente, apesar desse desastre, a administração federal, em conluio com o governo do Paraná e contrariando o desejo de 93% da população daquele estado,  decidiu privatizar a Copel – Companhia Paranaense de Eletricidade.
Com uma potência instalada de 4.525.000 quilowatts, além de uma extensa rede de transmissão e sistemas de distribuição em praticamente todos os municípios do Paraná, a Copel é uma das mais importantes empresas elétricas do Brasil. Seu faturamento está torno de R$ 2,7 bilhões por ano, e o lucro líquido pode superar 50% do faturamento, pois seu parque gerador é todo hidroelétrico e já está contabilmente depreciado.
A importância estratégica da Copel é ainda maior que seu valor econômico: além de abastecer todo o Paraná, a empresa gera excedentes para algumas regiões densamente urbanizadas e industrializadas dos estados vizinhos. As estimativas – feitas por interessados na privatização – subestimam o valor da empresa, pois o custo de construção de novas hidroelétricas é da ordem de US$ 1.400 por quilowatt instalado. Assim, somente as usinas da Copel valem US$ 6,4 bilhões. Somando-se a isso o valor dos sistemas de transmissão e distribuição, bem como o valor das equipes de técnicos e engenheiros altamente qualificados que operam a empresa, calcula-se que a Copel vale mais de 12 bilhões de dólares (cerca de 33 bilhões de reais), e ainda falta incluir os imóveis pertencentes à empresa e a marca “Copel”, que hoje é sinônimo de qualidade e confiabilidade.
Os interessados na compra e seus agentes no governo e na própria empresa, em sintonia com certos “consultores” (e sob aplausos de conhecidos colunistas econômicos “de aluguel”) estabeleceram em torno de uma fração do real valor, o preço mínimo para o leilão da Copel, alegando que os ativos estão contabilmente depreciados. Ocorre que as usinas foram construídas com recursos especialmente incorporados para isso na estrutura das tarifas de eletricidade pagas pelo povo, tendo sido portanto “compradas” pela sociedade, que as pagou, adquirindo o direito de receber energia elétrica a preços calculados com base nos ativos depreciados.
É um crime inominável que a administração do Governador Jayme Lerner, passageira como qualquer outra, avoque-se poderes para alienar esse direito, convertendo-o em fonte de lucros eternos para grupos de sua escolha. Diga-se de passagem que é inaceitável o artifício de se avaliar pelo método do fluxo de caixa descontado, o valor de um sistema público que, para gerar eletricidade, usa o fluxo das águas que correm em nossos rios, que é permanente; portanto seu valor amoedável será automaticamente reajustado ad infinitum. Aquele método é válido para calcular-se o valor presente de estabelecimentos industriais ou comerciais, não para se alienar um bem perene, pertencente ao povo.
Assinale-se, por fim, que a Copel poderia desempenhar a importantíssima função estratégica de regular os custos da eletricidade que abastece boa parte da Região Sul, compensando assim, pelo menos em parte, a inoperância do MAE (Mercado Atacadista de Energia), e da Aneel (Agência de Nacional de Energia Elétrica), órgãos criados por sugestão de uma firma de consultoria britânica, inexperiente em sistemas hidroelétricos.
Em qualquer país soberano, o controle de sistemas hidroelétricos é exercido pelo Estado, visando à otimização hidrológica, à eficiência operacional e à preservação ambiental. É assim até nos Estados Unidos, onde quase tudo é privado, mas as principais usinas hidroelétricos pertencem a empresas públicas.
Os atuais governantes foram eleitos para bem administrar o patrimônio público, jamais para loteá-lo entre banqueiros, intermediários e provedores de fundos para campanhas políticas. Privatizar a Copel seria um ato tão escandalosamente lesivo à sociedade que, se for praticado, é certo que terá sido por força da corrupção de tecnocratas e políticos influentes. Tal injustiça nunca poderá ser tida por ato jurídico perfeito.

Joaquim Francisco de Carvalho
Mestre em ciências de engenharia, foi coordenador do setor industrial do Ministério do Planejamento e engenheiro da CESP. Atualmente é consultor no campo da energia.

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