O uso abusivo do direito de ação para obter vantagens indevidas, também conhecido como litigância predatória, representa uma ameaça crescente no Brasil. Essa prática lamentável se manifesta de diversas formas, como na proposição de ações infundadas, na multiplicação de processos para pressionar acordos financeiros e na utilização de recursos protelatórios para atrasar decisões judiciais. Seus impactos negativos se espalham, atingindo não somente as empresas, mas também o próprio sistema judiciário e os cidadãos.
O Judiciário brasileiro, já assolado pela sobrecarga processual e pela morosidade na resolução de conflitos, enfrenta na litigância predatória um obstáculo adicional. Com mais de 80 milhões de processos em tramitação, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Judiciário se torna um alvo fácil para ações oportunistas que congestionam ainda mais o sistema, postergando a resolução de casos legítimos e ferindo o direito fundamental de acesso à Justiça.
Além do aumento do volume processual, a litigância predatória desvia recursos humanos e financeiros que deveriam ser destinados à prestação jurisdicional eficiente. Juízes, promotores e servidores públicos se veem obrigados a despender tempo e energia analisando petições e julgando ações desprovidas de fundamento, em detrimento de casos que realmente demandam atenção. Essa alocação distorcida de recursos impacta diretamente a celeridade e a qualidade das decisões judiciais, minando a confiança no sistema como um todo.
Os consumidores, em busca da tutela judicial para a resolução de conflitos reais, são diretamente prejudicados. A espera por decisões judiciais, muitas vezes prolongada por ações abusivas, gera frustração, desconfiança e custos adicionais, como honorários advocatícios e despesas processuais. Em muitos casos, o temor de enfrentar um sistema lento e custoso desestimula a busca por Justiça, perpetuando a sensação de impunidade e a descrença na efetividade do Poder Judiciário.
As empresas também se configuram como vítimas frequentes dessa prática. Ações judiciais infundadas, movidas com o intuito de obter acordos financeiros rápidos ou de macular a reputação de empresas, representam um custo significativo para o setor produtivo. Um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) revelou que os custos com litígios representam uma parcela relevante das despesas operacionais das empresas, impactando negativamente a competitividade e o desenvolvimento econômico.
Para além do prejuízo financeiro, as empresas se veem obrigadas a desviar recursos humanos e tempo de suas atividades principais para lidar com litígios infundados. Ações predatórias, mesmo que improcedentes, podem causar danos irreparáveis à imagem de uma empresa, impactando a confiança de consumidores e investidores.
A litigância predatória exige uma resposta firme e coordenada de todos os atores envolvidos. O Judiciário, além de aprimorar seus mecanismos de gestão e controle processual, deve aplicar, de forma rigorosa, as medidas previstas em lei para coibir práticas abusivas, como a condenação por litigância de má-fé.
A conscientização da sociedade sobre os impactos negativos da litigância predatória é crucial para criar um ambiente de intolerância a essa prática. A educação jurídica, a atuação da imprensa e o engajamento da sociedade civil são essenciais para fortalecer a cultura de integridade e responsabilidade no uso do sistema judicial.
Em suma, a prática representa um ataque direto à Justiça, à economia e à sociedade brasileira. Seu combate exige uma mudança de cultura, com a união de esforços entre o Judiciário, a advocacia, o setor produtivo e a sociedade civil. Somente por meio da conscientização, da ética e da aplicação rigorosa da lei, poderemos garantir um sistema judicial justo, eficiente e acessível a todos.
Referências:
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – Relatório Justiça em Números 2023. Disponível em cnj.jus.br Acesso em 16/07/2024.
Confederação Nacional da Indústria (CNI) – Estudo sobre Custos de Litígios. Disponível em noticias.portaldaindustria.com.br Acesso em 16/07/2024.
Lúcia Maria Sousa Oliveira é advogada do Núcleo Athenas, especializado no combate à litigância predatória, do Escritório Martorelli Advogados.