A narrativa da austeridade e a dominância fiscal

O que há por trás da austeridade é interesse material: são R$ 7 tri de ativos financeiros em jogo!. Por Ranulfo Vidigal

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Dinheiro, cédulas, real
Dinheiro (Foto: CC)

O pesquisador Alberto Alesina afirmava que países com Bancos Centrais independentes teriam mais sucesso em controlar a inflação, pois se blindavam do impulso dos políticos de inflacionar, para aquecer a economia no curto prazo. Defendia o controle de gastos públicos. Ele acreditava que, em muitas circunstâncias, mas certamente não em todas, a austeridade poderia estimular a economia, particularmente se envolvesse cortes de gastos em vez de aumentos de impostos. Essa ideia permeia o debate na terra da jabuticaba.

Críticos dessa teoria mostram que, na verdade, o motivo real das políticas de austeridade é a contenção da capacidade de negociação dos trabalhadores. E o resultado concreto é rebaixamento do padrão de vida, perda de legitimidade e crise política. Além de agravamento da desigualdade social, redução dos investimentos em áreas essenciais e falências de pequenos empreendedores sufocados pela concorrência desigual.

Os leitores do Monitor Mercantil sabem bem que parte da mídia passa o dia todo recitando falsas razões ditas técnicas e ouvindo economistas ligados a bancos e fundos de investimento para defender os interesses do mercado financeiro e de capitais. Isso cria uma falsa sensação de verdade científica, onde na verdade só há interesse material. São R$ 7 trilhões de estoque de ativos financeiros em jogo! A indústria da gestão de riqueza no país está encolhendo, mediante perdas severas de investidores nacionais e de fora.

A principal preocupação do setor bancário e financeiro com o processo inflacionário é o que ele representa, ou influi na rentabilidade real das carteiras de seus ativos, embora a retórica seja de que a aceleração dos preços prejudica as famílias mais pobres, um fato inegável.

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O pensamento ortodoxo associa a inflação ao excesso de demanda, quando a economia funciona acima do seu PIB potencial. Já a versão heterodoxa vê a aceleração nos preços mais associada a choques de oferta numa economia dominada por oligopólios, como aliás vemos agora com a questão da seca afetando os preços dos alimentos e da energia elétrica. Juros altos não resolvem esse fator conjuntural, afirmam os heterodoxos.

Por outro lado, os analistas “mercadistas” não dizem ao grande público, que os juros não são neutros de modo algum e, quando ficam elevadíssimos como agora, contribuem para concentrar renda e riqueza, bem como impactam na inadimplência das famílias perante suas dívidas financeiras.

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Isso tudo é sustentado por um regime macroeconômico e um padrão de acumulação de capital altamente regressivo. A política econômica é condicionada pelos interesses materiais em disputa. Por outro lado, e não menos importante, a longa crise internacional força os grupos empresariais nativos a buscar o socorro estatal.

Nesse contexto, as elites brasileiras são quase unânimes na defesa do rentismo financeiro, porque ganham muito com isso. Parte da própria indústria, aparentemente, trabalha contra seus interesses ao privilegiar as políticas econômicas pró-rentismo, uma vez que seu lucro financeiro é maior do que o operacional. Apesar da longa estagnação econômica.

Melhor dizendo, há uma drenagem permanente e de alto custo de recursos para o segmento financeiro especulativo, aquele liderado pelo capital fictício – uma derivação do capital portador de juro – que descamba para uma securitização/alavancagem e uma aposta no lucro futuro. Este mercado de ativos financeiros, hoje internacionalizado, por sua vez, passa a ter extraordinária força política, potencializada pelas condições de alta desigualdade da sociedade brasileira.

Nesse contexto, nosso país tem a tarefa, absolutamente imprescindível, de vencer e superar esse regime de acumulação predatório e baseado em pura especulação financeira. Isso poderia provocar mudanças estratégicas na correlação de forças e, consequentemente, dar oportunidades de combate efetivo à pobreza e à miséria.

Nos últimos 13 anos, o predomínio do rentismo e nossa especialização em ofertar commodities alimentares, minerais e petróleo para o mundo mostrou um quadro onde a produtividade da economia cresceu meros 0,3% ao ano, e a renda per capita, apenas 0,2% ao ano. Superar, politicamente, essa camisa de força vai exigir destreza de nossa sociedade, inclusive porque as condições externas de crise aguda, guerras eternas e conservadorismo político não são lá muito favoráveis.

Quanto à política monetária em curso, vale notar que dinheiro é uma convenção social, e uma moeda pode não ser aceita por parte da sociedade que opta pelo equivalente geral internacional, o dólar e os títulos públicos americanos. É através do canal do câmbio que a autoridade monetária evita ataques especulativos, via aumento do diferencial de juros internos e externos, regulando a desaceleração dos preços na economia.

Não é difícil notar que as verdadeiras restrições ao nosso desenvolvimento com distribuição de renda não são econômicas, mas políticas. Elas decorrem da supremacia de uma convenção liberal-rentista. É no âmbito da luta e na disputa de interesses de segmentos sociais em conflito que devemos encontrar as verdadeiras razões da obstrução ao crescimento do padrão de vida na Nação brasileira.

Reduzir déficit orçamentário (via gasto social), diminuir a fórceps a dívida pública, estabilizar a economia e aumentar a confiabilidade dos investidos do mercado de capitais é o mantra da fadinha da confiança. Confunde-se o Estado e seus enormes potenciais de aferir receita para o orçamento público com uma família assalariada que precisa vender sua força de trabalho no mercado laboral para sobreviver.

O efeito concreto disso é queda de qualidade de vida da população, aumento do ressentimento e erosão da legitimidade do governo de plantão, na forma de redução do consumo interno, recessão, desemprego e restrição da oferta de bens públicos essenciais, como serviços públicos de saúde, assistência social e educação.

Precisamos superar esse entrave representado pelo rentismo que solapa nosso desenvolvimento, para nos preocuparmos com coisas muito importantes, como a nova revolução tecnológica em cursos no mundo e a crise climática/ambiental, por exemplo.

Ranulfo Vidigal é economista.

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