A necessária recuperação do Fundo de Desenvolvimento Científico

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Criado pela Lei 719, de 31/7/1968, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) sempre teve como objetivo básico dotar o país de uma infraestrutura científica e tecnológica que permitisse colocar a Ciência brasileira em uma posição de destaque no cenário internacional. Em 1980, o Brasil ocupava a 28ª posição entre as nações que mais produzem novos conhecimentos. Hoje, ocupa a 13ª. Nos dizeres do seu idealizador, o ex-ministro Reis Velloso, o FNDCT iria criar todas as condições para no futuro avançar na área tecnológica e no que hoje entendemos como inovação tecnológica.

No início, o financiamento era feito integralmente pelo Tesouro Nacional, seja com recursos próprios, seja com empréstimos internacionais obtidos junto ao Banco Mundial e ao BID, que foram fundamentais para modernizar a infraestrutura científica brasileira. Com o tempo estes recursos foram diminuindo, chegando a uma situação crítica que durou de 1991 a 1998.

Surgiu então em 1989 uma nova fonte, os chamados fundos setoriais, aportando ao FNDCT recursos privados oriundos de receitas da atividade econômica em áreas como petróleo, energia, pagamento de serviços tecnológicos do exterior, entre outros.

O investimento passou a ser crescente, atingindo valores da ordem de R$ 7,2 bilhões em 2010, que foram integralmente utilizados tanto para o apoio às instituições científicas, como para empresas de base tecnológica, usando recursos não reembolsáveis, via subvenção econômica, ou via empréstimos a empresas, através da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que desde o início vem atuando como secretaria-executiva do FNDCT.

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São várias as evidências do efeito positivo da aplicação destes recursos, imunes a processos de corrupção que com muita frequência ocorrem no sistema público brasileiro. Como consequência o Brasil foi se consolidando como um grande produtor de novos conhecimentos. Também investiu em várias empresas que hoje são líderes importantes em suas áreas de atuação, como Embraer, WEG, Embraco, Natura, entre outras.

No entanto, a partir de 2015, as autoridades econômicas de diversos governos passaram a não mais disponibilizar recursos arrecadados pelos fundos setoriais, introduzindo um jargão perverso, com termos como “contingenciamento” e “reserva de contingência”.

Em 2018, a equipe que dirigia a Finep, tendo à frente Marcos Cintra, chegou à conclusão que era necessário evitar esta sangria de recursos, transformando o FNDCT de fundo contábil em fundo financeiro, que pudesse ser empregado em sua plenitude, sempre que bons projetos surgissem.

Com o apoio da comunidade científica, foram criadas as condições para apresentação ao Congresso Nacional de um projeto de lei visando preservar e disponibilizar todos os recursos arrecadados anualmente pelo FNDCT. Este será o começo a ser percorrido para que o FNDCT alcance uma situação de estabilidade financeira e de capacidade de investimento programado.

Surge assim o PL 135/2020, apresentado ao Senado Federal pelo senador Izalci Lucas e que recebeu emendas de vários senadores, como Otto Alencar, Randolfe Rodrigues, Jayme Campos, Lasier Martins, Leila de Barros, Jaques Wagner e Rose de Freitas.

Em todas as discussões, aperfeiçoamentos foram introduzidos, e ao final o texto enfatiza os seguintes pontos: (a) Art.11, parágrafo 2: “É vedada a imposição de quaisquer limites à execução da programação financeira relativa às fontes vinculadas ao FNDCT, exceto quando houver frustração na arrecadação das receitas correspondentes”; parágrafo terceiro: “É vedada a alocação orçamentária dos valores provenientes de fontes vinculadas ao FNDCT em reservas de contingência de natureza primária ou financeira”.

Estes são, a meu ver, os pontos fundamentais. As emendas incorporadas preveem uma ampliação do percentual que pode ser utilizado para operações de crédito pela Finep, que foram ampliadas para até 50% do valor arrecadado. Ainda que preferiria não ver percentuais fixados, deixando-os para serem definidos pelo Conselho Diretor do FNDCT, lembro que as operações de crédito são importantes para o desenvolvimento tecnológico. Esses valores são restituídos após alguns anos, vindo a constituir hoje uma das principais fontes de recursos do FNDCT.

A segunda emenda prevê a utilização de até 25% dos recursos para apoio às organizações sociais vinculadas ao MCTI. Entre elas destacamos o CNPEM, onde se encontra a fonte de Luz Sincrotron Sirius, o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), e a Embrapii, que vem atuando no sentido de aproximar os institutos de pesquisa com as empresas. Todas, instituições que desempenham relevante papel no desenvolvimento científico e tecnológico. Elas são completamente diferentes de outras organizações sociais que vem se tornando mais conhecidas pelas matérias nas páginas policiais dos órgãos de imprensa.

O ponto fundamental é fortalecer a estrutura relacionada com o FNDCT, como as duas agências (Finep e CNPq), os comitês gestores de cada fundo setorial (que não se reúnem há alguns anos) e o seu Conselho Diretor, que deve deixar de ter um papel figurativo, homologando decisões tomadas no âmbito do MCTI, e passarem a ser o principal protagonista na definição das prioridades do FNDCT.

Cabe registrar que o PL foi aprovado no Senado Federal quase que por unanimidade, registrado apenas o voto contrário do senador Flávio Bolsonaro.

Importante enfatizar que a aprovação do PL 135 foi sobretudo fruto da mobilização da comunidade científica e empresarial, até mesmo enfrentando uma posição contrária do governo. Esta semana, o PL 135 foi encaminhado à Câmara dos Deputados. Fundamental neste momento ampliar a mobilização junto às lideranças e a todos os deputados federais para que seja votado o mais rapidamente possível e ir à sanção presidencial.

Estamos correndo contra o tempo, e é fundamental que os recursos do FNDCT venham reverter, em curto prazo, o estado de quase paralisia das atividades de pesquisa científica e tecnológica na maioria das instituições brasileiras.

Wanderley de Souza

Professor titular da UFRJ, é membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina e ex-presidente da Finep.

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