A necessária visibilidade dos povos indígenas

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Muitos povos da Amazônia se mantinham mais ou menos íntegros em seus territórios que foram demarcados judicialmente em meados da década de 1990, atendendo aos preceitos da Constituição de 1988. A Constituição Federal determina a proteção do direito coletivo dos povos indígenas dando-lhes visibilidade, procurando corrigir a falaciosa política integracionista levada a cabo pelos estados ao longo de anos de subjugação cultural e econômica e que acabou comprometendo a existência desses povos.

Mesmo com algum avanço na demarcação das terras, muitos povos não vêm tendo os seus direitos coletivos respeitados. Alguns povos expandiram suas aldeias na margem do rio Solimões, o que acabou gerando uma urbanização irregular, e enfrentam grandes problemas, com alta concentração demográfica, mas sem infraestrutura como saneamento, água e outros serviços básicos.

Com o advento da garantia dos direitos coletivos na Constituição Federal, houve maior reconhecimento dos direitos territoriais dos indígenas pelos tribunais especialmente na Amazônia, mas apesar de certo progresso em serem reconhecidos como povos indígenas dotados de direitos territoriais, ambientais, econômicos, sociais e culturais, com significativo papel socioambiental, a demarcação de um determinado território ainda que fora da fronteira agrícola é de difícil reconhecimento.

A lei brasileira reconhece o direito dos povos indígenas viverem para sempre como índios, mas a prática tem demonstrado que a falta de uma eficiente política indigenista pelo Estado acaba por provocar a continuidade perversa de seu aniquilamento físico e cultural, e hoje, apesar de uma legislação que lhes dá visibilidade, continuam reduzidos, acuados e intimidados.

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Dotados de conhecimentos e domínio de técnicas capazes de reconhecer qualidades medicinais em plantas e animais, percebe-se, nesta nova era de direitos intangíveis, a importância de maior proteção legislativa dos direitos coletivos desses povos, que representam uma preciosa forma de equilíbrio ambiental e inesgotável fonte de novos conhecimentos acerca da biodiversidade.

Os usos, costumes e tradições indígenas, reconhecidos pela Constituição e Pactos Internacionais como verdadeiros direitos, ainda requerem um efetivo reconhecimento por parte da sociedade, pois poucos admitem conviver com as diferenças desses povos, ampliando a ideia e a pratica da solidariedade, o que vai muito além dos limites legislativos.

Afinal, os povos indígenas estão tão perto de nós que inclusive sofrem os efeitos nocivos das cidades, e hoje muitos índios de aldeias alcançadas por braços de rios em regiões remotas da floresta Amazônica estão sendo contaminados pelo Covid-19 e, sem defesas ou assistência imediata para resistir, muitos estão vindo a óbito. Essa semana foi noticiada a morte, em aldeia no Maranhão, de duas índias anciãs em função do vírus, e um dos membros da aldeia explicou a irreparável perda de duas mulheres que também detinham profundo conhecimento acerca das plantas e suas serventias. A perda, sem dúvida é irreparável, não só pelas vidas em si mesmas, mas também porque os conhecimentos adquiridos representavam uma verdadeira biblioteca da biodiversidade, cujo valor para as futuras gerações parece não estar sendo bem dimensionado no Brasil.

Pode-se mesmo dizer que a invisibilidade desses povos continua, quando se adia o reconhecimento de suas línguas, etnias, crenças e o direito a seus territórios de forma perene onde possam manter seus usos, costumes e tradições rompendo definitivamente com o paradigma de assimilação, inclusão ou provisoriedade da situação de indígena, ideário do século XIX e não assimilado pela Constituição de 1988.

Hoje os povos indígenas se encontram ameaçados em seus territórios por falta de demarcação e criação de áreas de proteção, e estão tolhidos cultural e economicamente pela expansão da fronteira agrícola em terras devolutas e toda sorte de exploração predatória do solo e subsolo sobre áreas tradicionalmente ocupadas, o que inviabiliza a continuidade de sua cultura e modo de vida. Resta aos povos indígenas não apenas exigir a efetivação dos direitos legislados, mas, também, esperar que haja um reconhecimento concreto pela sociedade de que esses povos formam o socioambientalismo que caracteriza a nação brasileira, registro de nossa pluralidade e diversidade cultural e fonte de inúmeros conhecimentos que nos remete à nossa própria origem e sem os quais não poderemos contar a nossa história ou quiçá dar-lhe continuidade.

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