No cenário jurídico brasileiro, a competência para decidir sobre o bloqueio de valores de empresas em recuperação judicial tem sido objeto de debate e análise detalhada pelos tribunais superiores. Recentemente, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma decisão de grande relevância nesse contexto, ao estabelecer que cabe ao juízo da execução fiscal determinar tais bloqueios, em contraposição à competência do juízo recuperacional. Essa decisão, originada de um conflito de competência entre o juízo de direito da 20ª Vara Cível de Recife e o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), lançou luz sobre questões cruciais relacionadas à interpretação da legislação de recuperação judicial e à proteção dos interesses fiscais em meio a processos de reorganização empresarial.
O embate jurídico delineado nesse caso envolveu a análise minuciosa da Lei de Recuperação Judicial (Lei 11.101/2005) e sua interpretação à luz das demandas fiscais e recuperacionais das empresas. Sob a relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o STJ estabeleceu que a competência do juízo da recuperação judicial se limita à substituição de atos constritivos sobre bens de capital essenciais à atividade empresarial até o encerramento do processo recuperacional. Tal decisão ressalta não apenas a importância da coerência no sistema jurídico, mas também o delicado equilíbrio entre a proteção das atividades econômicas das empresas em dificuldade financeira e o cumprimento das obrigações fiscais, contribuindo assim para a consolidação da segurança jurídica no contexto das reestruturações empresariais no Brasil.
O passivo tributário tem se tornado o grande “calcanhar de Aquiles” das empresas que optam pelo processo de recuperação judicial. Após anos em que predominaram decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a desnecessidade de regularidade fiscal para o prosseguimento da recuperação, o cenário mudou significativamente.
Em 2023, algumas decisões proferidas pelo STJ, com base na nova lei de Transação Fiscal Federal, indicaram que há uma maneira razoável para que empresas em recuperação judicial regularizem seu passivo tributário. Consequentemente, a dispensa da Certidão Negativa de Débitos Tributários (CND), que comprova a regularidade fiscal da empresa, não se justifica mais. Essas decisões inovadoras mostraram um novo posicionamento da Corte: com a nova lei de falências, Lei 14.112/2020, os débitos tributários não podem ser desconsiderados no processo de recuperação.
Em 2024, esse entendimento foi aprofundado. Em um conflito de competência entre o juízo da 20ª Vara Cível de Recife e o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, o STJ entendeu que o juízo de execução fiscal tem competência para determinar o bloqueio de valores pertencentes a empresas em recuperação judicial. A decisão se baseia na Lei 14.112/2020, que estabelece que as execuções fiscais não serão suspensas durante o curso da recuperação judicial e que a competência do magistrado da recuperação está restrita à constrição sobre bens de capital.
Como os débitos tributários não são concursais, o STJ argumentou que, sem a possibilidade de penhora ou bloqueio de valores, os créditos tributários estariam prejudicados em relação aos demais credores. A decisão, embora não seja vinculante ou represente uma nova jurisprudência majoritária, deve ser analisada com cuidado pelos contribuintes. Ao entender que dinheiro não é bem corpóreo essencial à atividade da empresa, o STJ abre um precedente preocupante, pois a penhora em dinheiro não poderia ser substituída por outro ato de constrição determinado pelo juízo recuperacional.
Os novos posicionamentos reforçam uma recomendação crucial: a viabilidade de regularização do passivo tributário deve ser considerada antes do pedido de recuperação judicial, pois esses débitos não poderão mais ser “ignorados” no processo. Os contribuintes devem utilizar as novas possibilidades de regularização fiscal por meio de transação para evitar bloqueios e penhoras indesejadas que podem prejudicar, inclusive, o cumprimento do plano de recuperação.
Barbara Pommê Gama, sócia do Dalazen, Pessoa & Bresciani Sociedade de Advogados. Formada pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), Barbara é especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e pós-graduada em Gestão Tributária pela Universidade de São Paulo (USP/ESALQ). Atualmente, cursa MBA em Contabilidade e Finanças na Queen Mary University of London.