O Monitor Mercantil perguntou a quatro especialistas (o depoimento de Adriano Pires está aqui) se a privatização da Petrobras resolveria o problema da variação de preços dos combustíveis no Brasil. Os comentários foram feitos concedido antes da saída do general Silva e Luna e a indicação de Adriano Pires à presidência da Petrobras.
Álvaro Bandeira, economista
Não, não acho que a privatização da Petrobras resolveria o problema dos preços dos combustíveis no Brasil. A melhor forma é a paridade internacional. Qualquer coisa diferente disso, ainda que temporário, causa algum estresse. O governo, numa época crítica como essa, pode até tentar subsidiar durante algum tempo, mas certamente isso causaria algum estresse.
Numa eventual privatização, eu diria que quem comprasse a participação do governo na Petrobras manteria a paridade internacional. Trabalhar com preços mais baixos bloqueia o investimento, que por definição nessa área, já é de risco. Os investimentos externos, que são volumosos, não seriam feitos, pois ninguém vai querer prospectar e refinar petróleo no Brasil tendo que vender a preços mais baixos que o mercado internacional.
Na minha opinião, o que resolve, efetivamente, é o governo usar os dividendos que recebe da Petrobras e os recursos provenientes de leilões de campos exploratórios da forma como bem lhe aprouver, certamente fazendo com que isso progrida para uma situação em que ele possa gastar o dinheiro. O governo poderia dar subsídio direto no preço do combustível, o que não seria bom, ou subsidiar a taxa de juros para compra de ônibus e caminhões novos que consomem menos combustível, inclusive elétricos.
É importante que tenhamos um marco regulatório que seja confiável para que o investimento no setor de óleo e gás não saia do país como aconteceu no Governo Dilma Rousseff.
Há uma outra situação: é necessário contornar o cartel de distribuição, principalmente nas regiões norte e nordeste. Além disso, o governo pode e deve reduzir a carga tributária que é responsável por uma boa parte do preço final do combustível na bomba.
Harold Thau, sócio-fundador e analista-chefe (CNPI) de equity research da Técnica
Com o impacto da elevação do preço do petróleo no mercado internacional, com o barril subindo 120% em dólar em cerca de 15 meses, os governos mundiais e brasileiro se viram diante de um dilema, já que a Rússia é o 2º maior exportador de petróleo do mundo e o maior exportador de gás.
Para que os preços dos derivados de petróleo não causassem um impacto ainda mais forte na inflação brasileira, várias propostas foram apresentadas, desde soluções pontuais, como o congelamento dos valores dos impostos estaduais incidentes sobre a circulação do petróleo e seus derivados, à isenção de impostos federais sobre a venda de derivados. Outras de cunho mais definitivo, como a criação de um fundo de estabilização, que buscaria amortecer as variações de preço, ou a adoção de uma nova política de preços da Petrobras que passasse a refletir os custos de fato incorridos, e não a variação dos preços internacionais.
A privatização da Petrobras voltou a ser encarada como uma opção para minimizar as variações de preço dos derivados. Neste contexto, é importante frisar que a sua privatização não representa uma solução de curto prazo para os elevados preços do petróleo e de seus derivados no Brasil.
Deve-se considerar que já houve a abertura do mercado brasileiro, com a exploração de petróleo por parte de empresas estrangeiras e nacionais. A Petrobras também iniciou a venda de ativos que não considera essenciais no seu plano estratégico. Em 2021, vendeu a Refinaria Landulpho Alves na Bahia e pretende vender mais sete refinarias. Os gasodutos das regiões Norte, Nordeste e Sudeste foram vendidos em 2019, assim como a BR Distribuidora.
Embora a política estratégica da Petrobras seja de se concentrar no seu core business, definido como a exploração e produção de petróleo, também foram vendidos poços e campos de exploração. Todas estas desmobilizações devem continuar ocorrendo. Mais leilões visando a exploração e produção de petróleo por outras empresas devem ser realizados. Também é necessário que o Governo Federal incentive a instalação de novas empresas, aumentando a concorrência em todas as atividades da cadeia de produção de derivados.
A privatização da Petrobras poderá ser realizada assim que estiverem concluídos os estudos sobre a modelagem mais adequada. Isso é essencial para que o Estado brasileiro e os consumidores locais possam usufruir do melhor impacto desta medida.
É importante destacar que os principais países do mundo, assim como o Brasil, estão desenvolvendo fontes alternativas de energia menos poluentes que os combustíveis fósseis, o que poderá reduzir a importância do petróleo a longo prazo como fonte de energia.
Marcio Balthazar da Silveira, Sócio NatGas E.
A Petrobras é uma companhia com maioria privada no capital total. O acionista Estado detém 50,26% das ações ordinárias com direito a voto. Transformá-la numa empresa com maioria de controle privado significaria, para o Estado, vender não mais que 1,26% das ações que lhe pertencem, sem maiores considerações sobre a forma de como isto poderia acontecer.
Por ser uma companhia com o capital transacionado na B3 ou na Nyse, a Petrobras se submete às regras estabelecidas no mercado de capitais pela SEC, CVM ou a ESMA na União Europeia. São agências independentes que buscam a regulamentação e o controle dos mercados financeiros visando a transparência, difusão da informação das companhias objeto de regulação e o zelo pela boa governança corporativa.
Práticas que possam sugerir ou promover desconfiança ao processo de gestão da companhia, qualquer que seja a sua composição de capital, majoritária estatal ou privada, poderão promover o desinteresse de investidores e serem caracterizadas por seus acionistas como “gestão temerária”. Sua administração poderá ser colocada sob suspeição na medida em que assume riscos que extrapolam os seus limites e aquilo que o mercado reconhece como transparência. Esse risco será precificado negativamente pelos credores.
Aconteceu no passado recente, quando governantes se valeram da posição enquanto representantes do acionista majoritário, a União, e promoveram ações junto à diretoria e o conselho de administração da companhia com o congelamento de preços dos derivados e a contratação de investimentos mal decididos ou inconclusos, que quase levaram a Petrobras à insolvência.
Seja controlada pelo Estado ou por acionistas privados, ao se substituir a atual política de preços de derivados da Petrobras, uma nova política terá que ser proposta, proporcionando a mesma transparência que signifique e assegure a ampliação da competição com igualdade de condições entre todos os que possam se interessar pelo ingresso em um mercado das dimensões do brasileiro.
O mercado será capaz de promover essa transparência, e a ANP terá que estar capacitada para promover a arbitragem entre os agentes ao longo de toda cadeia. Vale lembrar que aí se incluem também revendedoras e transportadoras de derivados, sobre as quais terá que se efetuar um acompanhamento acurado de forma a se evitar a formação de cartéis e abusos.
Qualquer investidor privado que se possa interessar em ingressar como acionista controlador na Petrobras irá exigir, ou ao menos enxergar, garantia de cumprimento de contratos e a não interferência de governantes de ocasião na autonomia da companhia.
Administrar preços, ou impor à companhia qualquer forma de controle, implicará para a Petrobras reassumir a integralidade do refino – um retorno improvável – e comprometer recursos para investimento em refinarias, processamento e logística de movimentação de óleo e gás natural em vez de concentrá-los em exploração e produção, atividade que é o “core business” de uma corporação de petróleo.
Há que se fortalecer a Petrobras, estatal ou privada, para que transforme efetivamente a sua liderança e conhecimento em exploração e produção de óleo e gás natural em riqueza para a nação.
O mundo busca com urgência a independência do suprimento de óleo e gás natural da Rússia com a diversificação em opções confiáveis. Com o petróleo alcançando valores acima dos US$ 110/bbl, o país não pode desistir ou adiar o desenvolvimento do seu potencial de reservas em áreas onde a Petrobras já demonstrou excelência tecnológica.
Coordenação: Jorge Priori
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