A propriedade intelectual pode ser indutora da igualdade social?

O impacto da propriedade intelectual na igualdade social. O papel das patentes na distribuição de renda. Pedro Henrique D. Batista

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A igualdade social tem pautado a discussão política nacional ao longo das últimas décadas. Sob a perspectiva econômica, a igualdade de patrimônio e renda consiste em um dos mais importantes anseios da sociedade. Mas qual o papel da propriedade intelectual na promoção dessa igualdade econômica? Recentemente, a doutrina norte-americana reacendeu o debate sobre o tema, o qual também foi tratado no 43º Congresso Internacional da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual.

Estudos internacionais nesta área apresentam resultados conflitantes. Um deles, de 2018, indica a relação entre o aumento do número de patentes em 65 países em desenvolvimento e uma melhora na distribuição de renda com base na redução do coeficiente Gini, o qual determina a relação patrimonial entre o percentual mais rico e o percentual mais pobre da população. Isso seria justificado pelo maior acesso decorrente de uma maior transferência de tecnologia proporcionada pela proteção das patentes. Além disso, uma vez que a inovação possui maior valor agregado do que a imitação, os salários tenderiam a ser maiores nos setores inovadores.

Entretanto, outros estudos analisando 62 países emergentes e em desenvolvimento (2008), EUA (2009) e Índia (2022) indicam uma relação oposta: o aumento do número de patentes leva a uma maior concentração de renda e ao consequente aumento do coeficiente Gini. Isso porque os direitos de exclusividade levam à retenção do valor da inovação pelos titulares e ao eventual exercício de poder monopolístico.

Tal contradição não surpreende. Tais estudos buscam justificar seus resultados com base na relação entre inovação e igualdade social. Entretanto, ao pautar a inovação somente pelo número de patentes, eles se esquecem de que ela é também determinada por outros múltiplos fatores, tais como qualificação da mão-de-obra, acesso a crédito e investimentos, legislação tributária, infraestrutura e logística. Conclusões baseadas somente em números de patentes podem levar a resultados inconclusivos e distintos de acordo com os países e período analisados.

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Apesar disso, há certo consenso de que a inovação, ao menos em médio e longo prazo, contribui para o crescimento econômico e para o aumento do bem-estar social. Ela pode levar a uma redistribuição de poder entre agentes de mercado e uma consequente mobilidade social. Se acompanhada de políticas públicas adequadas, pode ainda contribuir para a redução da desigualdade social.

Mas qual o real papel da propriedade intelectual no incentivo à inovação tecnológica?

É válido frisar que o incentivo ao investimento em inovação não provém diretamente da possibilidade da obtenção de uma patente, mas sim da perspectiva de lucro em um determinado mercado. Caso a demanda seja ausente ou insuficiente para a amortização dos custos e geração de lucros razoáveis, o investimento dificilmente será feito. Desafios à inovação na área de medicamentos contra doenças raras, antibióticos e certas tecnologias sustentáveis evidenciam isso. Neste caso, devido à baixa demanda e à baixa perspectiva de êxito comercial de uma potencial invenção, a possibilidade de obtenção de uma patente tende a ter menor influência na decisão do investidor.

Além disso, é possível que a ausência de incentivos ao investimento ocorra mesmo se houver uma demanda adequada no mercado. Se terceiros puderem reproduzir uma invenção livremente (free riding), o investidor pode ser impedido de amortizar seus custos com P&D e de obter lucros razoáveis, em especial em casos de altos investimentos e possibilidade de imitação rápida e barata. Diante disso, potenciais investidores dificilmente destinariam recursos à inovação.

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O papel fundamental do direito de patentes é corrigir esta falha de mercado, atribuindo ao inventor direitos de exclusividade que lhe concedem uma chance de recuperar seus investimentos. O aproveitamento dessa chance, entretanto, depende do sucesso mercadológico do produto, de forma que o inovador – tal como qualquer outro agente de mercado – sempre enfrentará um risco natural à atividade.

Finalmente, é possível que o investimento em inovação seja coibido em razão de possíveis práticas anticompetitivas por parte de titulares de patentes que vão além da mera proteção contra o free riding. Problemas como patent trolls, patent thickets, pay-for-delay, sham litigation, evergreening, recusa de licença e acesso a tecnologias fundamentais aumentam os custos sociais sem proporcionar benefícios equivalentes. Nestes casos, a implementação de exceções e limitações ao direito de patentes e a devida aplicação do direito concorrencial são necessárias.

Vale destacar que isso não impede que o país utilize patentes como um instrumento de política pública estratégica. Experiências regulatórias na Suíça, China e Índia, por exemplo, indicam que até mesmo a redução do grau de proteção patentária no âmbito de estratégias de inovação cuidadosamente definidas pode contribuir para o crescimento e fortalecimento da indústria nacional. A estratégia nacional, entretanto, não deve se basear na mera imitação legal de modelos estrangeiros, mas considerar o contexto socioeconômico específico do país. O enfraquecimento de direitos de propriedade intelectual sem uma estratégia de desenvolvimento industrial pode prejudicar essencialmente o ambiente inovativo nacional e trazer sensíveis prejuízos à economia.

Pedro Henrique D. Batista foi palestrante do 43º Congresso Internacional da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), pesquisador do Max Planck Institute for Innovation and Competition e da Initiative Smart IP for Latin America.

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