O modelo de alfabetização adotado pelo estado do Ceará colocou o estado na vitrine da boa gestão e da inovação no âmbito do ensino básico público no Brasil. Isso culminou, inclusive, com o convite feito pelo Presidente Lula ao então Senador Camilo Santana para reproduzir a experiência cearense no Ministério da Educação (MEC), em todo o país.
Ainda que o MEC adote o modelo vitorioso do Ceará no restante do Brasil, os desafios para melhorar a qualidade da educação básica como um todo requerem um olhar diferenciado sobre os indicadores número 15 do Plano Nacional de Educação (PNE). Esses indicadores refletem o fenômeno que vem ocorrendo na última década com os cursos de licenciatura, responsáveis pela formação de professores para o ensino básico. Os números são muito ruins e seguem bastante distantes das metas definidas pelo PNE para a formação de professores em nível de graduação nas áreas de suas respectivas atuações.
Os cursos de licenciatura na modalidade presencial e pagos praticamente desapareceram no país na última década, por falta de demanda (redução superior a 80%). Ao mesmo tempo, o número de ingressantes nos mesmos cursos ofertados pela rede pública (federal, estadual e municipal) também caiu cerca de 18,3%, denunciando que o problema é muito maior do que a mera incapacidade de pagamento de mensalidades. Desta forma, embora esses cursos tenham aumentado significativamente seus ingressantes na modalidade a distância (EAD) e enfrentem importantes desafios para a formação do professor com a devida qualidade, ainda assim o Brasil não conseguiu produzir estudantes em licenciaturas em quantidades suficientes para atingir as metas do indicador 15 do PNE.
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É preciso falar sobre as mazelas da educação integral
A profissão de docente está em baixa no nível de interesse dos jovens, principalmente (mas não apenas) devido à questão salarial. A insegurança dos professores dentro e fora das salas de aula, a falta de estrutura para lecionar no mundo cada vez mais digital, a perda do respeito pelo profissional por uma parte importante das famílias brasileiras, o status negativo de ser professor para muitas pessoas e a falta de interesse dos estudantes em assistir às aulas são alguns dos outros fatores que também têm desestimulado nossos jovens a seguir por esta importante carreira.
A Secretária da Educação Superior no MEC, Profa. Denise Pires de Carvalho, afirmou em entrevista ao Young Podcast que a transformação da educação básica depende da mudança da área de formação de professores, com qualificação na área que leciona, boa formação, pagamento de bons salários e uma carreira que deve ser de Estado.
Porém, o desafio da transformação da educação básica também impõe o retorno do desejo dos jovens em se tornarem professores, além da capacidade do sistema de ensino superior brasileiro de formar esses profissionais com a qualidade necessária do ponto de vista do conteúdo (formação na área que irá lecionar) e do ponto de vista da habilidade desses docentes em lidar com a rotina prática da atividade docente, seja do ponto de vista do enfrentamento da competição com as mídias digitais, seja da capacidade de fazer os estudantes se interessarem e aprenderem os conteúdos de cada disciplina.
Para vencer a competição com as mídias digitais, novas metodologias de aulas mais ativas e dinâmicas, com foco na interação e na via de mão dupla de trocas entre o professor e seus estudantes, parecem ser o caminho mais viável, colocando as tecnologias como aliadas, porém não protagonistas, já que a chamada mão dupla ainda seguirá sendo privilégio da sala de aula. Quanto a despertar o interesse dos estudantes, a vivência em sala de aula desde os períodos iniciais de um curso de licenciatura é indispensável. Estudantes de licenciatura precisam frequentar a escola quase diariamente ao longo de sua formação profissional.
Neste sentido, este ano o Governo Federal ampliou o valor das bolsas disponibilizadas pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência e pelo Programa de Residência Pedagógica, que têm a finalidade de viabilizar a presença dos docentes em formação no “chão da escola”, desde os períodos iniciais do curso até os períodos finais, respectivamente. Excelente iniciativa.
Porém, enquanto a regulação do ensino superior permitir a oferta de cursos de licenciatura que não inserem seus estudantes em sala de aula com grande frequência e desde os períodos iniciais, seja na modalidade EAD ou na modalidade presencial, a educação básica seguirá padecendo da falta de bons professores.
Simultaneamente ao problema regulatório, cabe ao MEC e às demais áreas do Governo conceder as garantias necessárias para o pleno, seguro e autônomo exercício da profissão docente, o que inclui salários dignos. Também cabe à sociedade devolver o prestígio e o respeito que esta profissão requer e merece. Isso sem deixar de citar o dever de cada um de nós, enquanto pais, mães ou responsáveis dos estudantes, e enquanto cidadãos de uma sociedade que precisa rever seus maus exemplos.
Rodrigo Bouyer é avaliador do Inep e sócio da Somos Young.