A qualidade que se afirma na construção de uma identidade corsa

Provence, Île de Beauté, AOC Corse ou vinho sem IG

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Vinhos Domaine Leccia, AOC Patrimonio
Vinhos Domaine Leccia, área AOC Patrimonio

Seguimos com a abordagem da vitivinicultura corsa, sobre a qual temos poucas informações no Brasil, até porque pouquíssimos vinhos ainda são importados. Recentemente, fiz um evento e uma aula sobre o tema e tive dificuldade em encontrar rótulos que demonstrassem, por valores mais acessíveis, a qualidade que pude experimentar in loco. De certo modo, o que constatei no mercado reflete um pouco da evolução qualitativa da indústria de vinhos da ilha em termos de indicações geográficas e padrões estilísticos.

O primeiro ponto é que, observando o histórico da constituição das indicações geográficas da Córsega, boa parte delas foi aprovada mais tardiamente do que em outras regiões francesas mais consagradas, embora isso não tenha relação direta com o histórico de produção, que é anterior. Nesse aspecto, a região se assemelha a outras áreas do sul do continente francês, onde a viticultura, embora mais ancestral, chegou ao período do estabelecimento das AOCs (primeiras décadas do século 20) muito voltada para vinhos de grande volume.

Cuvée Impériale Domaine Comte Péraldi, área AOC Ajaccio
Cuvée Impériale Domaine Comte Péraldi, área AOC Ajaccio

Ao pesquisarmos a cobertura informativa da vitivinicultura da Córsega, é muito comum encontrá-la associada à região da Provence ou, numa leitura ainda mais genérica, incluída em um conjunto de vinhos intitulados “do Sul da França”. Talvez essa associação com a Provence explique por que mais de 60% da produção de vinhos corsos seja de rosés. O que é curioso, pois não é o que se encontra com frequência nos restaurantes e vinícolas de destaque.

A primeira IG autorizada na Córsega foi a AOC Patrimonio, em 1968, cujos vinhedos estão a sudoeste da Cap Corse (península no extremo norte da ilha). Essa AOC se destaca pela presença de vinhos tintos da Niellucciu, assim como por bons brancos da Vermentino. Ali ao lado também está um dos excelentes Vins Doux Naturels franceses, o Muscat du Cap Corse, um vinho licoroso feito com a variedade Muscat à Petits Grains.

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Estágio em Wine Globe 225l, Clos d'Alzeto, Ajaccio
Estágio em Wine Globe 225l, Clos d’Alzeto, Ajaccio

A AOC Patrimonio e a AOC Ajaccio, estabelecida em 1976, apresentam o status de Crus. A AOC Ajaccio está próxima da homônima capital da Córsega, a sudoeste da ilha, e envolve uma área de vinhedos antigos, mas que sofreram perdas constantes ao longo da história por invasões territoriais, epidemias e filoxera. Encontram-se bons produtores na região, elaborando vinhos brancos e tintos, com ênfase na Vermentino e na Sciaccarellu, além do crescente aporte de variedades antigas resgatadas, que ajudam a afirmar uma identidade própria.

No entanto, esses vinhos ainda são minoritários em volume, pois 63% dos vinhos são rotulados como IGP Île de Beauté, uma IG que pode assinar vinhos de quaisquer áreas da ilha e oferece ampla liberdade produtiva. São comuns cortes que incluem uvas locais e francesas internacionais, como Cabernet, Syrah, Chardonnay, entre outras. São vinhos desse status que chegam ao Brasil com valores mais acessíveis, mas que, infelizmente, ficam aquém da representatividade da qualidade já produzida.

Muscat Cap Corse Domaine Yves Leccia, área AOC Patrimonio
Muscat Cap Corse Domaine Yves Leccia, área AOC Patrimonio

Se, por um lado, o caminho da IG parece ser uma via para vinhos mais modernos e de custo mais acessível, por outro, a opção pelo abandono do status de AOC e a assinatura apenas como Vin de France tem sido a escolha de alguns produtores de excelência. A justificativa é que a AOC não considerou cepas presentes no passado, sacrificadas em nome da institucionalização. Assim, torna-se mais importante a conversão para orgânicos e biodinâmicos e a valorização das vocações originais do território, mesmo que isso custe a renúncia à condição de AOC. Esses vinhos, ao contrário de alguns IGP e de genéricos vins de table, têm rara e disputada disponibilidade, chegando ao Brasil a preços muito altos.

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