Apenas na semana passada, a Bovespa acionou três vezes o seu chamado “circuit breaker”. Trata-se de um mecanismo que paralisa automaticamente os negócios quando as perdas num mesmo pregão alcançam 10% do valor da bolsa. Para todos os fins, o seu objetivo é tentar frear o pânico, reduzir as perdas, proteger “investidores” desesperados por liquidar as suas posições, depreciando ainda mais os preços, de si mesmos.
Diante disso, o índice da bolsa, que alcançou uma cotação máxima de quase 120.000 pontos em meados de janeiro, chegou próximo dos 81.000 durante o dia 11. Uma redução, portanto, de quase 1/3 da sua capitalização em algumas semanas.
Paulo Guedes cairá, abandonará convicções
ou deixará as empresas quebrarem?
É bem verdade que, a princípio, nada de concreto justificava aquele recorde. Afinal, trata-se de uma bolsa de valores localizada num país cuja produção, emprego e consumo encontram-se deprimidos, sem esboçar qualquer reação sustentada, já há alguns anos.
Porém, para os seus agentes, o que interessava é o “otimismo” com a agenda de “reformas” do governo e a perspectiva de lucros e dividendos empresariais cada vez maiores (por razões que comentei em artigo publicado há poucos dias aqui mesmo: o uso indiscriminado das empresas estatais, como a Petrobras, como instrumentos de maximização da extração de recursos da sociedade brasileira em favor dos seus acionistas privados).
Em rigor, isso demonstra o quanto essa bolsa não guarda qualquer relação com as condições reais do Brasil e seu povo, servindo essencialmente como um mecanismo de transmissão dos comandos monetários exercidos sobre o país pelos grandes centros financeiros sediados no exterior.
Não obstante, o fato é que já estamos diante de mais um colapso geral nos preços dos ativos financeiros no Brasil e no mundo. Um colapso que, independentemente da situação do país e da desastrosa atuação do seu atual governo, tem tudo para se prolongar pelas próximas semanas, se não meses, com o alastrar do “coronavírus”, fechando fronteiras, parlamentos, agências governamentais, fábricas e comprometendo todo tipo de abastecimento; e com a nova disputa, por enquanto sem solução à vista, entre russos e sauditas pelos preços e fatias do mercado mundial do petróleo.
Assim, tal qual em outros episódios do tipo, a quebradeira dos “investidores”, físicos e institucionais, cada vez mais alavancados e endividados uns sobre os outros, tende a ser geral. E esses, como sempre fazem diante da perspectiva real de falência, recorrem aos seus estados e bancos centrais como “emprestadores de última instância”.
Assim, no mundo inteiro – EUA, UE, Japão, China, entre outros – autoridades monetárias já estão providenciando bilionários pacotes de “socorro” aos setores mais afetados pela crise que parece estar chegando com força total.
Enquanto isso, temos no Brasil um país efetivamente governado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Diante da crise, eis que Guedes insiste na manutenção irrestrita do teto dos gastos públicos, na impossibilidade de ampliação desses e dos investimentos governamentais e apresenta como “solução” uma carta ao Congresso na qual afirma que a saída reside na aprovação das suas “reformas”, como as do Pacto Federativo, dos Fundos Públicos e a “Emergencial” (que pretende confiscar 25% dos salários de boa parte dos funcionários públicos federais, deprimindo ainda mais o poder de compra da população); e medidas como a privatização da Eletrobras e a concessão da autonomia ao Banco Central.
Nessas alturas, qualquer aluno minimamente competente de introdução à macroeconomia de uma (boa) universidade sabe que, ainda que tais medidas fossem capazes de produzir qualquer crescimento – o que definitivamente não serão, muito pelo contrário, pois nem sequer se destinam a isso – até que fossem aprovadas, os investimentos retomados e seus supostos efeitos multiplicadores se espalhassem pela sociedade, precisaríamos, pelo menos, de alguns semestres.
Porém, resta evidente que a quebradeira geral que se anuncia, inevitável nesses momentos de derretimento nos valores dos ativos financeiros, não teria como aguardar esses efeitos, ainda que eles fossem verdadeiros. Estamos, assim, diante de uma situação singular. Se a desvalorização maciça dos ativos financeiros se prolongar, o que hoje parece bastante provável, quem socorrerá os insolventes do sistema financeiro brasileiro?
Aparentemente temos as seguintes opções: ou Paulo Guedes terá que ser substituído nas suas funções por alguém menos extremista; ou terá que deixar de ser Paulo Guedes, abrindo mão das suas convicções e colocando o dinheiro pra circular – isto é, o distribuindo, tal qual as autoridades nos demais países, aos insolventes “grandes demais para falir”; ou continuará sendo Paulo Guedes, mantendo a sua promessa de “impor o capitalismo aos capitalistas” e os deixando quebrar.
Apesar das bravatas, não vejo essa última hipótese como a mais provável. Se a quebradeira generalizada efetivamente se concretizar, tanto o “mercado” quanto o próprio Paulo Guedes provavelmente preferirão ser salvos. Afinal, basta encontrar alguma desculpa conveniente para tal, como culpar pela crise um vírus aparentemente mais eficaz que a “mão invisível” dos mercados.
Mas e se o “Posto Ipiranga” de Jair Bolsonaro se mostrar irredutível? Afinal, se Guedes pretende impor o capitalismo aos capitalistas brasileiros, a hora é agora. Não haverá oportunidade melhor que a crise para mostrar que, a partir de agora, o Brasil terá um capitalismo “pra valer”, no qual o “mercado” é que decidirá quem sobrevive e quem perece. Nesse caso, boa parte dele, que apoiou visceralmente a candidatura de Bolsonaro, simplesmente será deixada à própria sorte.
Então, a quanto de capitalismo resistiriam, ou resistirão, os “capitalistas” brasileiros antes de pedir socorro ao “superministro”? E esse, em concedê-lo? Façam as suas apostas.
Daniel Kosinski
Doutor em Economia Política Internacional, pesquisador da UFRJ e membro do Instituto da Brasilidade.