A questão do salário mínimo : piso previdenciário X piso estadual

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No final de abril, por ocasião da fixação do valor do Salário Mínimo Nacional, escrevi um artigo nesta coluna sob o título Salário Mínimo: Triste Fim? Relembro aqui os principais argumentos que utilizei à época, para discutir a atual proposta do governador do Estado, conforme veiculado pela imprensa escrita durante o mês de agosto, de fixação do Piso Estadual em R$ 200,00. Os argumentos naquela época foram:
1º) A constatação de um crescente distanciamento do valor do Salário Mínimo Oficial, frente ao cumprimento do preceito constitucional de ser um valor capaz de atender ao trabalhador e sua família (dois adultos e duas crianças) quanto às suas necessidades vitais básicas com “…moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo.”
2º) Que o Diesse calcula o valor do Salário Mínimo Necessário – para fazer frente ao preceito constitucional- e que a relação deste com o Salário Mínimo Oficial teve forte variação no tempo. Em alguns meses entre os anos de 1956-60, observa-se a menor distância (1,2 e 1,3 vezes) entre o valor necessário e valor oficial. A maior distância coincide com um dos períodos de arrocho salarial da ditadura militar, chegando o Salário Necessário ser 9,8 vezes maior que o oficial. Atualmente a relação é de 6,2 vezes.
3º) Que, no Brasil, observa-se uma das maiores concentrações de renda do mundo, sendo superada apenas pela concentração da África do Sul e pelo Malawi.
4º) Que a política econômica do governo FH tem como orientação atrelar o valor do Salário Mínimo à questão fiscal e previdenciária, e, por consequência, ao cumprimento das metas do acordo com o FMI. Desse modo, o valor de R$ 151,00 emprestou ao Salário Mínimo o significado de um “piso previdenciário”. Neste sentido, a proposta do governo FH representa o abandono, de vez, de qualquer compromisso com uma política de recuperação do Salário Mínimo, nem mesmo voltando a valer os cem dólares que foi um de seus pontos de campanha.
5º) Que a proposta de instituição do Piso Estadual, reforçava este abandono, transferindo aos governadores esta responsabilidade. Não obstante, essa transferência tenha se dado sob fortes limitações legais e conjunturais. Um primeiro tipo de restrição vincula-se à Lei de Responsabilidade Fiscal e à Lei Camata, restringindo a ação estadual, dependente de acordos de financiamento do seu endividamento com o Governo Federal. Também, a atual prática predatória de “guerra fiscal” entre os Estados é outro elemento a ser considerado.
Retomo aqui um outro tipo de restrição imposta pela proposta de Lei do Piso Estadual, referente à sua abrangência. Na proposta original excluiu-se os trabalhadores que tem “…piso salarial definido em lei federal, convenção e acordo coletivo”. Já na versão final da lei (LC – n.º 103 de 14/07/00) ), além destes, excluiu-se o funcionalismo municipal e facultou-se aos governadores a inclusão do “emprego doméstico”.
Apesar de todas essa restrições, a proposta de fixação de um Piso Estadual de R$ 200,00 por parte do Governo do Rio de Janeiro, conforme nos informou a imprensa, já sofre pressão, sobretudo de um segmento do patronato do setor comercial. Conforme declaração ao jornal Extra (16/08/00), para a Associação Comercial e para a Associação de Lojistas de Shopping este valor não causaria problemas. Entretanto, a Fecomércio declarou que num total de um milhão e duzentos mil empregos, a maioria ganha abaixo deste valor, prevendo que a proposta deve gerar o “caos “, sobretudo no interior. É a lógica do empurra-empurra: do Federal para o Estadual, do Estadual para o Regional. Se não bastar, do regional para o Micro, argumentando-se com o porte das empresas, com os reflexos sobre o mercado de “emprego doméstico”. Contra o aumento do salário até mesmo a ameaça da informalização é utilizada, muito embora, sejam os empresários, e alguns segmentos de técnicos, que fazem coro junto ao governo, propondo a desregulamentação, como uma espécie de panacéia para os “males” do mercado de trabalho.
A visão da Fecomércio não se justifica quando se analisa os dados relativos ao Estado do Rio. Segundo os dados do Relatório Anual de Informações Sociais de dez/98 (Rais) que se refere ao emprego formal, apenas 1,57% do total de trabalhadores do Estado ganham até um Salário Mínimo, elevando-se este percentual para 13,5% (362 mil empregados) na faixa de até um e meio. O setor comercial varejista e o atacadista são responsáveis apenas por 3,7% e 0,4%, respectivamente, do total de empregos formais do Estado, na faixa de até um e meio Salário Mínimo. Ainda segundo esta fonte, o total de empregos formais no comércio atinge cerca de 461 mil trabalhadores no Estado, bastante inferior ao número de um milhão e duzentos mil fornecido pela Fecomércio. Aquela ordem de grandeza é confirmada pelos dados da PNAD-IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – set/99), que indica a existência de 488 mil trabalhadores empregados no setor comercial, dos quais apenas 363 mil trabalhadores tem carteira assinada. Quanto ao reflexo regional da medida, devemos lembrar que 388 mil dos empregos encontram-se na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, nada menos que 80% do total, sendo o restante dos 100 mil empregos diluídos dentre os demais 75 Municípios do Estado .
A proposta de um Piso Estadual de R$ 200,00, ainda que seja distante do valor necessário para cumprir o preceito constitucional do Salário Mínimo, tem o mérito de abrir o debate sobre a questão. Devemos lembrar que este aumento representa, no máximo, a quantia de R$ 1,63 por dia para a família do trabalhador desta faixa salarial. A não concordância com este aumento, pode está revelando a ganância de certos segmentos patronais. Deve-se lembrar que aumentos de salários nesta faixa de renda, transformam-se em gastos com “bens salário”, e neste caso com reflexo, sobretudo, em favor da atividade comercial.
Torna-se imperativo melhorar a distribuição de renda, cuja concentração vem se agravando. É isto que se observa no gráfico abaixo, com a queda da participação dos trabalhadores na distribuição funcional da renda, tendo como colorário, o aumento da parcela dos rendimentos do capital. Também, no quadro apresentado, que compara a evolução da renda per capita com o rendimento com base em um Salário Mínimo, demostra-se um cenário desfavorável aos trabalhadores no Brasil e, mais fortemente, no Rio de Janeiro.

Relação entre a renda anual(*) com base no salário mínimo e o PIB

per capita – 1985 /1987

Anos Relação Salário Mínimo/ PIB per capita

Espaço Publicitáriocnseg

Brasil Rio de Janeiro

1985 0,46 0,33

1986 0,41 0,32

1987 0,35 0,29

1988 0,38 0,31

1989 0,41 0,35

1990 0,31 0,25

1991 0,38 0,27

1992 0,34 0,24

1993 0,38 0,28

1995 0,29 0,22

1996 0,29 0,22

1997 0,29 0,22

(*) Rendimento: 13,33 salários mínimos anuais

Fonte: Contas Regionais do Brasil- IBGE. Elaboração: Dieese

Ademir Figueiredo
Economista e Técnico do Dieese.

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