Na Igreja Católica, os nomes não são escolhidos aleatoriamente. Eles são símbolos, sinais, direções. E, quando um Papa adota um nome, já está dizendo algo sobre o caminho que pretende seguir. Não é um simples legado onomástico, mas uma declaração de intenções: uma ponte entre passado e futuro, entre memória e projeto.
O nome do novo Papa, Leão XIV, evoca, de imediato, a figura de Leão Magno, Papa do século V que, segundo a tradição, enfrentou Átila, o Flagelo de Deus, sem armas nem exércitos, mas apenas com a força espiritual da cruz.
Ele deteve o avanço do invasor apenas com sua autoridade moral — gesto que marcou uma era e deu ao papado um novo papel: o de baluarte da civilização, escudo espiritual contra o caos. Numa época em que as cidades estavam em colapso, e as certezas se desintegravam, ele afirmou que a fé ainda poderia ser um fundamento, um refúgio.
Hoje, os “bárbaros” não chegam mais a cavalo. Eles falam a linguagem dos algoritmos, do capital soberano e da propaganda digital. Não devastam com espadas, mas com desinformação, manipulação, ganância.
Diante dessas novas ameaças, a escolha do nome Leão soa como um convite a redescobrir a força moral, a erguer novas defesas — não materiais, mas espirituais.
Contudo, Leão XIV não olha somente para o passado mais remoto. A referência mais poderosa, talvez, seja a Leão XIII, o Papa da era industrial, o pai do pensamento social católico.
Com a encíclica Rerum Novarum, publicada em 1891, ele revolucionou a visão do trabalho, definindo-o não como simples meio de sustento, mas como lugar de dignidade humana. Assim, denunciou as injustiças do capitalismo selvagem e deu impulso a um cristianismo encarnado: nasceram cooperativas, sindicatos cristãos, bancos rurais. Não ideologias, mas infraestruturas morais. Não utopias, mas ferramentas concretas para restituir aos pobres seu papel de protagonistas da história.
É desse duplo legado — a firmeza moral de Leão Magno e a justiça social de Leão XIII — que o novo Papa parece querer iniciar sua missão. Numa era marcada por novas formas de autoritarismo — tanto flagrantes quanto sutis — e por democracias cansadas e seduzidas pelo consumismo, precisamos de vozes capazes de despertar as consciências.
A fé, hoje, não pode ser um refúgio, mas uma guarnição. Ela não deve se esquivar, mas tomar uma posição.
O Papa já deixou claro que este não será um pontificado de simples administração.
Na sua visão, o impulso espiritual se une à necessidade urgente de reformar o presente: precisamos de uma Igreja que não se feche no ritualismo, mas que saiba interpretar o tempo com novos olhos. Que proteja a Criação, não só como um recurso a ser preservado, mas como um espaço espiritual a ser habitado, respeitado e transmitido.
O nome “Leão” carrega consigo uma promessa e um desafio. Promessa de coragem, desafio de responsabilidade. Não exige uma batalha de conquista, mas uma batalha de significado.
É um nome que sugere que a fé ainda pode dizer algo ao mundo — sem gritar, mas com firmeza. Essa esperança é possível, mas precisa de guias sóbrios e lúcidos, capazes de indicar o perigo sem ceder ao pânico e de mostrar a saída sem ceder ao orgulho.
Numa era que parece ter perdido seu cerne, Leão XIV pode representar um novo começo. Um Papa que, ao escolher um nome tão denso, nos lembra que o passado não é um fardo, mas uma raiz. E que ainda pode nascer, das raízes, um futuro.