A Gol Linhas Aéreas encerrou recentemente a sua recuperação judicial nos Estados Unidos, conduzida sob o conhecido Chapter 11. O feito marca um importante capítulo na história da aviação brasileira e nos convida a refletir como uma empresa de grande porte conseguiu se reestruturar e sair do processo em menos de um ano, enquanto no Brasil muitas recuperações se arrastam por anos sem resultados concretos.
O presidente da companhia, Celso Ferrer, já anunciou que o novo ciclo será de expansão de frota, novas rotas e consolidação operacional, tanto no mercado interno quanto no internacional. A Gol pretende atingir, até 2026, a mesma capacidade operacional que tinha em 2019, o que inclui a retomada de aviões que estavam parados, a renovação da frota com aeronaves Boeing 737 MAX e o reforço do caixa, atualmente com US$ 900 milhões disponíveis. Essa agilidade contrasta fortemente com a realidade brasileira, onde o processo de recuperação judicial, apesar de bem-intencionado, enfrenta inúmeros obstáculos estruturais, culturais e estratégicos.
Há cinco pontos que explicam parte dessa diferença e que podem servir como reflexão para empresas brasileiras que enfrentam dificuldades. O primeiro deles consiste no “timing” do pedido de recuperação judicial. Nos EUA, o Chapter 11 é utilizado com antecedência estratégica, quando a empresa ainda tem fôlego financeiro e margem de manobra. No Brasil, infelizmente, muitas empresas recorrem à recuperação judicial, baseada na Lei nº 11.101/2005, apenas quando o caixa já está estrangulado, o que limita severamente as chances de sucesso.Já para fins de planejamento e de previsibilidade, uma recuperação bem-sucedida exige visão de fluxo de caixa, mapeamento de lacunas na sociedade empresária e um plano de ação desde o início. A falta de preparo e de alinhamento com a realidade operacional compromete o processo desde o ajuizamento da demanda.
Outra perspectiva aparece quando pensamos na necessidade de promover uma verdadeira reestruturação organizacional. Mais do que uma renegociação de dívidas, a recuperação judicial precisa envolver reestruturação interna, redução de custos fixos, ajustes na operação, sem perder a qualidade do produto ou serviço. É uma reforma, não apenas um alívio financeiro. Além disso, podemos perceber é a integração entre as áreas consultiva e jurídica. Nos EUA, é comum ver a assessoria jurídica e a consultoria empresarial atuando em conjunto, com foco em resultados concretos. No Brasil, muitas vezes essas frentes caminham de forma desarticulada, o que prejudica a execução do plano e a comunicação com os credores.
Por fim, e talvez mais importante, é necessário que se atente à cultura empresarial e social. Nos Estados Unidos, recuperar-se judicialmente não é visto como fracasso, mas como um caminho legítimo de reorganização. Porém, no Brasil, ainda enfrentamos infelizmente o estigma de que pedir recuperação é sinônimo de “quebra”. Isto acaba por inibir empresas, investidores e até profissionais de atuarem com a devida agilidade e clareza.
A recuperação da Gol nos EUA é um exemplo prático de que é possível sair mais forte de uma crise, desde que haja estratégia, coragem e, principalmente, estrutura institucional para isso. Que essa experiência inspire mudanças no nosso ecossistema jurídico-empresarial e fortaleça a confiança nas ferramentas de reestruturação que temos à disposição.
Nathália Albuquerque Lacorte Borelli é advogada, pós-graduada em Gestão e Estratégia Empresarial e em Direito Tributário. É membro da Comissão de Estudos em Falência e Recuperação Judicial da OAB/Campinas, do Centro de Mulheres na Reestruturação Empresarial, da IWIRC – Brasil, da Comissão de Direito Bancário e gestora jurídica do escritório Yuri Gallinari Advogados