A reforma que ninguém quer

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O presidente da Câmara, Aécio Neves, tem alardeado seu esforço para nadar contra a correnteza causada pelo escândalo da violação do painel eletrônico no Senado e, apesar da tormenta no Congresso, colocar em votação algumas matérias importantes.
Uma delas se refere à reforma tributária, que o próprio governo promete impulsionar até junho. Pode-se garantir, no entanto, tratar-se da reforma que ninguém efetivamente quer – governos e empresários.
Por exemplo, segundo os estados, o grande entrave em relação a reforma tem sido o próprio governo federal. Sempre quando o assunto está indo para pauta do plenário, ele acaba conseguindo um jeito de adiar a discussão, usando o argumento de que a proposta não é boa e que em breve lançará uma melhor. Tem sido assim nos últimos cinco anos. O governo federal quer acabar com a guerra fiscal, ainda que seja por influência do FMI, do Banco Mundial e do BID. Essas instituições não conseguem entender o fato de cada estado brasileiro ter sua legislação interna para benefícios sociais. Parece-lhes totalmente insensato.
Essa coisa vem de longe, desde os anos 60, época da ditadura, quando foi criada uma lei de benefícios fiscais para os estados pobres. Quem importasse por esses estados teria um imposto financiado por 10 anos, com juro subsidiado de 6%. O prazo, que já era enorme, pulou para 20 anos. Na época São Paulo reclamou, o Rio também, mas o chiado não deu em nada e a deformação permanece até hoje.
O governo tem pela reforma tributária um interesse só aparente. Como não quer perder dinheiro e ver sua arrecadação cair, o ônus maior da indefinição acaba sobrando para estados e municípios. A verdade é que a reforma pretendida pelo governo federal pressupõe para os estados, municípios e contribuintes vantagens apenas burocráticas. Fala-se em acabar com o IOF, PIS, Confins, diminuindo assim a absurda quantidade de impostos. Mas seguramente a alíquota do ICMS irá para as alturas, compensando assim a perda com a extinção das outras arrecadações. O governo federal é o grande culpado pelo atraso na reforma tributária, mas deve-se reconhecer que os estados também em nada colaboram para desenrolar o nó da questão.
Eles se engalfinham numa guerra fiscal que incomoda o governo federal, mas já houve época em que ela foi pior. Como agora poucas fábricas estão vindo para o Brasil, os estados estão mais calmos. Já conseguem até concordar em alguns pontos sobre uma legislação única federal. O ideal seria acabar com a guerra, mas num país com tantas disparidades sociais como o nosso, isso se torna complicado. A intensidade das disputas é tal que o governo federal acaba perdendo o controle. As vezes, ele até preferiria que uma fábrica fosse para um determinado estado, mas seu poder esbarra na falta de um planejamento industrial.
Para se ter uma idéia do descaso do governo federal em relação aos os estados, somente agora é que eles começaram a ter algum acesso à discussão sobre a reforma.
Assim como o governo federal e os estados, os empresários também têm pouco interesse na reforma tributária, por temor de que no final a carga de tributos termine aumentando, ao invés de diminuir. Eles fixam sua lógica na redução da carga, contrapondo-se radicalmente à posição do governo, o que faz gerar um diálogo de surdos. Enquanto isso, persiste sobre as costas do sistema produtivo uma das mais altas cargas tributárias do mundo.
Então, voltamos para velha discussão: ninguém quer perder dinheiro; logo, cria-se um impasse. Pelo andar dá carruagem, o governo federal vai empurrar essa reforma com a barriga até depois da eleição. Como os principais atores divergem radicalmente e ninguém acaba querendo de verdade a reforma, o máximo que pode ocorrer é alguma alteração na sistemática do ICMS, apenas para atenuar a burocracia.
Muito pouco para o que o Brasil efetivamente precisa.

Rogério Vargas
Advogado tributarista

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