Conversamos sobre a preparação das empresas para a Reforma Tributária com Queli Morais, sócia de tributos indiretos da BDO Brasil.
De uma forma geral, qual a sua avaliação sobre a preparação das empresas para o início da Reforma Tributária em 2026?
Eu tenho percebido a existência de três grupos de empresas. O primeiro é formado pelas empresas superbem preparadas, que, inclusive, participam do Projeto Piloto junto à Receita Federal e ao Comitê Gestor, e que já estão adotando medidas com foco em tecnologia, geração de documentos e planejamento para os negócios.
O segundo grupo é formado pelas empresas que têm ciência dos impactos da Reforma Tributária, mas que deram ênfase, neste momento, à parte de implementação tecnológica para o cumprimento das obrigações acessórias dos documentos fiscais, deixando para um segundo momento a discussão das regras de negócio.
O terceiro grupo é formado pelas empresas que estão atrasadas no processo. Essas empresas entendem a Reforma e têm ciência do que precisa ser feito para 2026 em termos de documentação, mas estão atrasadas nos cronogramas de teste e na discussão com as empresas de tecnologia.
Como você tem visto a preparação das empresas de tecnologia?
Até meados do ano, as empresas de tecnologia estavam trabalhando na programação das novas regras de cálculo, mas quando o Serpro liberou em julho o motor de cálculo da Reforma para avaliação, houve uma boa evolução para a disponibilização dos módulos customizados que fazem o cálculo focado na CBS e no IBS.
A partir de agosto, as empresas de tecnologia iniciaram os ajustes dos módulos sistêmicos e as discussões sobre as tabelas, de forma a que os testes realizados resultem, em novembro, na emissão dos documentos fiscais, em ambiente de homologação, que tenham o destaque da CBS e do IBS, o que vai ser exigido a partir de 1º de janeiro de 2026.
No que as empresas precisam ficar de olho para 2026 e 2027?
Para 2026, as empresas precisam estar aptas para emitir o documento fiscal que atenda o layout pré-determinado. As notas fiscais de mercadorias são um pouco mais simples, pois já existe o documento fiscal eletrônico, então será necessário apenas adequar os campos da CBS e do IBS, mas nós temos a novidade da nota fiscal de serviços eletrônica modelo nacional. Aqui, além da adequação dos contribuintes, nós temos a adequação das prefeituras.
Por mais que isso já estivesse previsto na Emenda Constitucional 132/2023, muitos municípios aderiram ao novo layout nos últimos dois meses, pois eles também podem ser penalizados. Por exemplo, como uma empresa de locação não era tributada pelo ISS, ela não precisava emitir notas fiscais de serviços, mas como ela vai ser tributada pela CBS e pelo IBS, ela vai precisar emitir um documento fiscal em âmbito municipal cujo layout ainda está sendo disponibilizado.
Dessa forma, a grande meta para 2026 é a emissão dos documentos fiscais, seja a nota fiscal de serviços nacional, seja a nota fiscal de mercadoria que já existe, mas com o destaque da CBS (0,9%) e do IBS (0,01%).
Também para o próximo ano, como as precificações serão formadas por novos tributos, as empresas precisarão, de forma proativa, rever contratos e discutir com seus fornecedores e clientes. Elas precisarão verificar se os seus contratos permitem reajustes ou aditivos e mapear a cadeia de fornecedores para saber, por exemplo, se um fornecedor que está no Simples vai optar por uma regra que lhe permita tomar créditos maiores ou vai continuar em uma sistemática que lhe gere créditos menores.
Outra tarefa para o próximo ano é ter o controle dos saldos credores de PIS e Cofins, pela sistemática antiga, que vão ser utilizados na compensação e abatimento da CBS, pela regra futura.
Para 2027, nós temos a extinção do PIS/Cofins e o início do pleno funcionamento da CBS, e se as empresas não tiverem revisitado os seus contratos ao longo de 2026, no ano seguinte elas terão um novo tributo, que vai fazer parte dos seus preços, mas que não foi negociado. A expectativa é que a CBS fique em torno de 8,8%, mas já se fala que ela pode aumentar um pouco.
Em paralelo, nós teremos dois regimes produzindo efeitos ao mesmo tempo, pois o ICMS e o ISS vão continuar existindo até serem substituídos pelo IBS em 2029. Cabe destacar que se em 2026 o IBS vai ser destacado com uma alíquota de 0,01% sem recolhimento, desde que sejam cumpridas as obrigações acessórias, em 2027 e 2028 ele vai ser recolhido, sendo 0,05% para estados e 0,05% para municípios.
O que vai acontecer com o IPI?
O IPI vai continuar vigente, mas a sua alíquota vai ser reduzida a zero em 2027, salvo alguns casos, como a Zona Franca de Manaus. Cabe destacar que, como o IPI tem um viés extrafiscal e pode ser alterado por decreto, ele pode vir a ter uma alíquota no futuro.
Ou seja, hipoteticamente, nós podemos ter no futuro, em um caso extremo, um bem que seja tributado pela CBS, IBS, IPI e pelo Imposto Seletivo (IS)?
Podemos, mas não faria sentido termos o IPI e o IS juntos quando se fala em seletividade e essencialidade. Se isso acontecer, a chance de as empresas questionarem a bitributação é muito grande. É por isso que as alíquotas do IPI serão reduzidas a zero, já que a arrecadação do IS, que começa em 2027, vai compensar a sua arrecadação.
Quando começa o Split de Pagamento e a apuração automática?
O Split de Pagamento vai entrar de forma gradual, pois todos os meios de pagamento precisam estar conectados para que ele funcione. Para 2026, não faz sentido que ele esteja funcionando, pois a CBS e o IBS serão um mero destaque nos documentos fiscais.
Como o Split de Pagamento só vai produzir efeitos a partir do momento em que tivermos os novos tributos, ele deve ficar pronto para 2027, quando teremos o início da CBS.
Considerando a nossa conversa, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
Eu gostaria de acrescentar dois pontos. Mesmo que o Split de Pagamento não entre em 2026, os departamentos financeiros das empresas precisam repensar seus fluxos de caixa, discutindo e simulando cenários para encurtar o pagamento dos fornecedores e o recebimento dos clientes, já que a apuração vai ser em tempo real. Quanto menores forem os prazos de recebimento e de pagamento, mais débitos e créditos vão entrar nas apurações.
Se isso não for trabalhado ao longo de 2026, as empresas vão ter problemas de fluxo de caixa no futuro, pois elas vão demorar a tomar créditos dos seus fornecedores e a prover créditos para os seus clientes.
Com relação ao IBS, ao mesmo tempo em que ele for elevado de forma gradual a partir de 2029, o ICMS e o ISS passarão a ser reduzidos. Como as empresas vão ter que reformular seus preços para esse “restinho” de carga tributária e vão começar a ter decréscimos dos seus regimes especiais, elas vão precisar avaliar os estabelecimentos que possuem em regiões incentivadas. Isso porque, a partir de 2033, esses benefícios vão acabar.
Por exemplo, como os benefícios para quem importa como trading company vão deixar de existir, em termos econômicos e logísticos vai continuar sendo um bom negócio ter esse prestador de serviços? Acredito que sim, mas é preciso analisar, pois as compras via trading company vão ter outra roupagem.
Outra questão é que muitas empresas vão precisar repensar seus negócios. Por exemplo, se uma empresa está em São Paulo, mas vende tudo para a Bahia, sendo que o recolhimento do IBS vai ser no destino, não seria mais fácil, quando se analisa os aspectos logísticos e de mão de obra, se instalar na Bahia?
Esse tipo de questão não vai depender apenas do preço, mas da estratégia, do público consumidor, da origem dos insumos, dos fornecedores estratégicos e do compliance com a legislação. Isso porque, se uma empresa não paga o tributo, o seu cliente não tem crédito. É por isso que as empresas vão precisar trabalhar com fornecedores que façam parte da sua estratégia e lhe tragam um bom fluxo de créditos, o que vai fazer com que a cadeia de suprimentos tenha valor estratégico para o negócio.

















