A refundação do PTB e o resgate do nacional trabalhismo

A refundação do PTB: o resgate do nacional trabalhismo de Vargas e Brizola, para um Brasil soberano e multipolar.

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Getúlio Vargas
Getúlio Vargas (foto de Flávio Damm, Banco de Imagens Petrobras)

Por feliz coincidência, na semana que o grande nacional trabalhista, o gênio Darcy Ribeiro, completa 28 anos de falecimento, a revista CartaCapital (Ano 30, Nº 1.349, de 19/2/2025), publica a entrevista que Maurício Thuswohl fez com o presidente do PTB, Vivaldo Barbosa, “Retorno às origens”.

E, como é de se esperar, Vivaldo afirma categoricamente que este PTB que surge tem a missão de recuperar o legado de Getúlio Vargas e de Leonel Brizola, não será portanto “mais um na miríade de partidos existentes no Brasil”.

Nenhuma governança efetivamente brasileira teve a longevidade do nacional trabalhismo. Ela está exposta com detalhes e comentários indispensáveis nos três volumes que compõem A Era Vargas, do historiador e jornalista José Augusto Ribeiro, publicados em 2001 pela Casa Jorge Editorial, do Rio de Janeiro.

No domingo, 15 de agosto de 2004, o jornalista Pedro do Couto, ocupou toda página A8 do Jornal do Brasil sobre os 50 anos do suicídio no Palácio do Catete, com o título “Vargas, o estadista que não podia errar”. E conclui sua matéria recordando o mês de agosto na vida de Vargas.

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“Agosto era o mês da sua vida e da sua morte: agosto de 30, Aranha obtém o apoio do lendário Borges de Medeiros para a revolução; agosto de 42, declaração de guerra ao nazismo; agosto de 44, emissão de Aranha do Itamaraty; agosto de 45, ultimato dos generais para manter as eleições de dezembro; agosto de 53, retorno de Aranha ao varguismo, nomeado para ministro da Fazenda; agosto de 54, a crise, a deposição anunciada, o suicídio. Vargas foi só para a história, não citou ninguém na carta. Com o passar do tempo, seu vulto cresce, como agora, 50 anos depois”.

O que mantém por meio século, de 1930 a 1980, a Era Vargas? A ideologia nacional trabalhista.

Ao ser empossado presidente do Governo Provisório da Revolução de 1930, em 3 de novembro, Getúlio tinha consciência que encontraria o País com a estrutura colonial ainda em pleno vigor e, prioritariamente, precisava trazer para o Estado as questões da cidadania, colocá-las no Governo.

Em 14 de novembro, 11 dias após posse, assina o Decreto 19.402, criando o Ministério da Educação e Saúde Pública, entregando esta pasta ao mineiro Francisco Luís da Silva Campos. Pelo Decreto 19.433, de 26 de novembro de 1930, institui o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e escolhe o gaúcho Lindolfo Leopoldo Boeckel Collor para o conduzir.

Afastados, por quase um século, da ocorrência deste movimento marcante da vitória de uma Revolução Cívico, Militar e Popular, única na História do Brasil, é fundamental contextualizá-lo.

Até 1888, ou seja, somente distante 42 anos da criação do Ministério do Trabalho, a escravidão no Brasil era legal; nada, nenhum poder, nenhuma medida administrativa impedia que um ser humano fosse tratado como coisa, sem qualquer direito, apenas ordens a cumprir nas terras e casas de seus donos.

Por seu turno, toda estrutura administrativa, o “Regimento”, que nascera da Carta Régia de Dom João III, Rei de Portugal e Algarves, entregue a Tomé de Sousa, para instituir o governo-geral do Brasil (1549), constituía-se somente de três funções: para defesa externa (capitão-mor, a princípio apenas marítima para defesa da costa), para defesa interna (ouvidor-mor, quer para ações judiciárias quer policiais) e para gestão das finanças (provedor-mor, para arrecadar tributos, gerir os custos da administração e enviar o que fosse possível para Portugal). Tudo mais estava entregue à iniciativa privada.

Por 381 anos, apesar do surgimento do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815), mesmo com a Independência (1822), com a República (1889) apenas pelo crescimento das atividades estas foram se desmembrando, constituindo novas gestões. Exemplificando: as finanças se multiplicaram em fazenda, agricultura, indústria, comércio, e viação e obras públicas; a defesa interna em justiça e negócios interiores; e a defesa externa em Marinha e Ministério da Guerra. De novidade apenas as Relações Exteriores pela Independência formal de Portugal, pois foram mantidos não só o modelo monárquico, como a mesma família real.

E o Brasil da primeira república, daquela República Velha, que ressurge, devido o poder das finanças, a partir de 1980 e tudo abarca, após a “redemocratização” e a eleição de Fernando Collor (1990), se era então devedor dos bancos ingleses, continua hoje de todo um sistema financeiro apátrida.

Mas, naqueles longínquos anos 1930, ao ser auditada por Getúlio Vargas, permitiu, nas palavras do jornalista Beto Almeida, ter redução “superior a 60% em relação à dívida reconhecida pelo governo” e a “relação entre a dívida externa e as exportações de bens, reduziu-se de 4,06%, em 1930, para 0,4 % em 1948. Além disso, o serviço da dívida externa sobre as exportações teve uma queda de 30%, em 1930, para 7% em 1945, quando Getúlio é derrubado por golpe militar” (Beto Almeida, “Auditoria Dívida externa garantiu industrialização e fundação de direitos na Era Vargas”, artigo apresentado no Congresso Internacional Virtual sobre o Sistema da Dívida em tempos de Financeirização e a Importância para Interromper a Barbárie, organizado pela Auditoria Cidadã da Dívida – ACD e pela Red Internacional de Cátedras, Instituiciones y Personalidades sobre el Estudio de la Deuda Pública (RICDP), reproduzido em Aepet Artigos, 3/12/2020).


Estado ou mercado; poder unipolar ou multipolar

“O trabalhismo é o movimento político mais consistente na vida brasileira”

(Vivaldo Barbosa)

A razão desta expressiva e forte afirmativa do presidente do PTB, Vivaldo Barbosa, se justifica pela desinformação, pela inconsistência das verdades apresentadas pelas mídias hegemônicas, que vêm causando ações desconexas e aceitação de objetivos que nos são prejudiciais e, em especial, aos que se submetem às imposições neoliberais e aos interesses das finanças apátridas.

Vejamos como o nacional trabalhismo se posiciona diante do Estado versus Mercado. No brevíssimo retrospecto da estrutura organizacional do Estado no Brasil, viu-se que, antes de Getúlio Vargas, as atividades formadoras da cidadania estavam, se existentes, todas na esfera privada.

Instrução, saúde, urbanização, habitação, mobilidade urbana, garantia dos direitos e circulação de informações estavam sob o planejamento, execução e controle do “mercado”, usando a expressão hodierna para a iniciativa privada.

E assim ficavam enfraquecidas as funções de garantia e defesa da soberania. É só lembrar que eram, até a independência de 1822, os senhores das terras, era o poder fundiário que realizava o alistamento para o serviço militar.

Vejam-se os analfabetos. Em 1920, a taxa de analfabetismo era 71,2%; em 1940, com uma década de governo Vargas, se reduziu a 38,8%, para a população de cinco anos ou mais e de 43,3% para a população de dez anos ou mais. No discurso proferido em 18 de agosto de 1933, Getúlio afirmou: “Há profunda diferença entre ensinar a ler e educar. A leitura é ponto inicial da instrução, e essa, propriamente, só é completa quando se refere à inteligência e à atividade. O raciocínio, força máxima da inteligência, deve ser aperfeiçoado, principalmente por sabermos que o trabalho manual também o exige, pronto e arguto. A instrução que precisamos desenvolver, até o limite extremo das nossas possibilidades, é a profissional e técnica”.

E após a Constituição de 1934, em discurso proferido a 2 de dezembro de 1937, “a Constituição em vigor estabelece a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário. O volume de iletrados constitui obstáculo ponderável, tanto ao aparelhamento institucional, como para o desenvolvimento das atividades produtivas. É preciso reduzi-lo rapidamente, e nessa campanha devem empenhar-se todos, em estreita cooperação com o Estado”.

Enquanto países tão ou mais pobres do que o Brasil, aqui na América Latina, se apresentam no cenário mundial como “territórios livres do analfabetismo”, Bolívia, Cuba, Nicarágua, Venezuela, ainda apresentamos 9,3 milhões de analfabetos, o que corresponde a 5,4% da população brasileira.

Quanto à saúde, na mensagem de 15 de novembro de 1933, Getúlio Vargas afirmava: “Questões interdependentes e correlatas por natureza e finalidade, as referentes à educação e saúde públicas só admitem solução comum. O homem valoriza-se, é certo, pela cultura da inteligência, mas não poderá atuar no sentido de eficiência social se estiver fisicamente incapaz ou encontrar meio hostil, impróprio à vida saudável e sem condições de adaptação produtiva”.

Seis anos depois, em novembro de 1939, Getúlio volta a tratar das calúnias, das agressões que dirigidas ao Brasil buscam lhe atingir, ao discursar: “O Estado Novo quer destruir o conceito pejorativo, invocado frequentemente para nos diminuir, segundo o qual o Brasil é um vasto hospital.”

O sagaz leitor já está se perguntando, como reagiam as forças que por 400 anos se locupletavam com as riquezas e o trabalho dos brasileiros e foram derrotadas na Revolução de 1930.

O nacional trabalhismo foi o vitorioso em 1930, ainda que, como instituição política, só viesse existir em 15 de maio de 1945, na cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, e quatro meses depois realizada sua primeira convenção, sendo eleita sua Comissão Executiva Nacional (14/9/1945).

No entanto, muitos erros são encontrados até mesmo sem aparente intuito oposicionista, para que o ideal de Vargas, prosseguido por Brizola, não chegasse corretamente a todos brasileiros.

O site do Memorial da Democracia expõe: “O novo partido, inspirado no trabalhismo inglês, propunha-se a absorver em seus quadros os trabalhadores urbanos”. Nada mais falso. E na sequência das desinformações dá a entender que o PTB surgiu para disputar com o Partido Comunista Brasileiro (PCB) os operários no Brasil.

O nacional trabalhismo de Getúlio e Brizola tem raízes nacionais, independentistas, abolicionistas, e como única importação, o positivismo, já aclimatado ao Brasil pelo Governante do Rio Grande do Sul por quase toda década de 1890, Júlio de Castilhos, que mostra suas digitais na Constituição Estadual de 1891.

Porém tudo amalgamado pela privilegiada inteligência, cultura, experiência política e o elevado patriotismo de Getúlio Dornelles Vargas, que se imolou ao altar da Pátria, no gesto extremo de 24 de agosto de 1954, e levou o nacional trabalhismo por meio século, o mais fecundo momento de toda nossa história, a governar o Brasil.

Porém o PTB que está sendo refundado tem passado, mas olha para frente, para o futuro. E o que está em disputa neste século 21 é o tempo de potências dominantes e suas colônias, a unipolaridade, e o futuro da colaboração entre Estados Soberanos, a multipolaridade.

A unipolaridade ocidental é a história de um passado escravocrata. Tem início na Idade Média, quando o poder estava na Igreja Católica Romana, com o advento da Idade Moderna, passa sucessivamente por Portugal e Espanha, pela França, pela Inglaterra e já na Idade Contemporânea está nos Estados Unidos da América (EUA), cujo atual presidente fez campanha para ressuscitar: “Make America Great Again”.

No entanto, a multipolaridade encontra suas instituições que dia a dia, ano a ano, crescem e se fortalecem cativando cada vez maior número de Estados Nacionais: os Brics (2009) e a Iniciativa do Cinturão e Rota (2013).

Os Brics, um acrônimo, dos países que, ao início do século 21 despontavam na economia mundial: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Hoje conta com Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã, e, após a reunião de Cúpula de Kazan (2024), foram admitidos como parceiros: Bielorrússia, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Indonésia,  Malásia, Tailândia, Turquia, Uzbequistão e Vietnã. E existem muitos que já manifestaram sua intenção de se associar aos Brics, como Argélia, Azerbaijão, Bahrein, Bangladesh, Belarus, Chade, Nigéria e República do Congo.

A Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR), ou a Nova Rota da Seda, já conta com 150 países sendo 44 da África Subsaariana; 34 da Europa e da Ásia Central; 25 do Leste Asiático e Pacífico; 22 da América Latina e Caribe; 19 do Oriente Médio e Norte da África; e 6 do Sudeste Asiático. Os governos brasileiros ainda não tiveram a autonomia e coragem para largar a unipolaridade e ingressar na ICR, no mundo do futuro.

O PTB, coerente com seus princípios nacionais trabalhistas, não apoia a colonização em qualquer forma que se revista e se disfarce. Ingressar no mundo multipolar é dar não à escravidão, ao domínio das finanças apátridas e sim ao país e ao seu povo.

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

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