Nas últimas três décadas, o Brasil e o mundo embarcaram em um ciclo intenso de privatizações, sob o argumento de que a gestão privada seria mais eficiente, moderna e capaz de trazer benefícios econômicos amplos. Entretanto, os resultados dessa política têm revelado uma realidade que foge ao discurso inicial: aumento das tarifas, serviços de baixa qualidade e exclusão social.
A reversão de privatizações malsucedidas não é, como muitos sugerem, um retorno a modelos ultrapassados ou um ato de intervenção estatal indiscriminado. Trata-se de uma resposta pragmática e estratégica aos problemas e desafios que o Brasil enfrenta hoje. Em vez de um debate ideológico, é hora de discutir as privatizações sob a ótica do custo-benefício para os cidadãos, bem como da sustentabilidade econômica e social do país.
O mundo e o retorno à gestão pública
Em várias partes do globo, países que lideraram o movimento de privatizações estão reavaliando suas escolhas. Alemanha, França, Reino Unido e Estados Unidos já reverteram a privatização de centenas de serviços essenciais, como energia, água e transporte. O motivo? A gestão privada mostrou-se incapaz de atender aos interesses coletivos de forma eficiente e justa.
Em Paris, por exemplo, a água voltou para as mãos do setor público após auditorias demonstrarem que as empresas privadas priorizavam lucros em detrimento da infraestrutura e do atendimento à população. Na Alemanha, cidades como Berlim readquiriram suas redes de energia após aumento nas tarifas e falta de investimento em fontes renováveis.
Esses países não realizaram reestatizações por ideologia, mas sim por necessidade. A constatação de que serviços essenciais exigem uma visão estratégica, voltada ao bem-estar público e à sustentabilidade de longo prazo, é um consenso crescente entre gestores de todas as matrizes políticas.
O caso brasileiro: privatizações e seus impactos
No Brasil, as privatizações foram promovidas como solução para problemas fiscais e operacionais. Porém, seus efeitos sobre a sociedade e a economia são claros: tarifas elevadas em energia, transportes e saneamento; acesso limitado para os mais vulneráveis; e ausência de investimentos adequados em infraestrutura.
Serviços como os de ferrovias privatizadas, por exemplo, mostram tarifas cada vez mais caras, não atendem às demandas de pequenos e médios produtores e apresentam manutenção precária, que nem sempre acompanha o aumento dos custos para os usuários. No transporte público, a fragmentação e a busca por rentabilidade levaram à precarização dos sistemas, resultando em redes menos integradas e mais onerosas para os usuários.
Reversão das privatizações como solução: benefícios para todos
Propor a reversão das privatizações no Brasil não é sugerir uma volta ao passado, mas avançar para um novo modelo em que a gestão pública priorize eficiência, transparência e qualidade. A experiência internacional e os exemplos bem-sucedidos no país demonstram que é possível combinar a gestão pública com parcerias estratégicas, garantindo que os interesses coletivos sejam respeitados.
No campo econômico, a reestatização ou a retomada de serviços públicos sob gestão pública possibilita ganhos concretos para toda a sociedade. Para os mais vulneráveis, assegura acesso a serviços essenciais com qualidade e tarifas justas. Para o empresariado, cria um ambiente de infraestrutura mais eficiente e confiável, essencial para a competitividade. Para o governo, oferece maior controle sobre setores estratégicos, fundamental para o planejamento de longo prazo.
Controle social: um modelo de governança moderna
Um dos pilares de um modelo de gestão pública eficiente é o controle social. Países que reestatizaram serviços essenciais adotaram medidas robustas para garantir a transparência e a participação cidadã. Conselhos consultivos, audiências públicas e plataformas de acompanhamento em tempo real permitem que cidadãos e usuários influenciem decisões, promovendo uma governança democrática e alinhada às necessidades da população.
No Brasil, mecanismos semelhantes podem ser implementados para garantir que a reversão das privatizações não reproduza os erros de gestões públicas ineficientes do passado. Um exemplo é o modelo de conselhos de supervisão adotado em cidades alemãs, que incluem representantes da comunidade, especialistas e autoridades públicas, assegurando decisões equilibradas e bem fundamentadas.
Conclusão: reversão das privatizações é uma alternativa estratégica necessária
A elite econômica e política do Brasil – mais resistente à reversão – ao compreender os ganhos potenciais desse movimento, pode liderar um novo ciclo de desenvolvimento sustentável, onde serviços públicos de qualidade, sob gestão pública eficiente e eficaz, tornam-se um pilar para o crescimento econômico e a coesão social. Afinal, em um modelo onde todos ganham, não há espaço para resistências infundadas, apenas para avanços reais.
José Augusto Valente é membro da Divisão Técnica de Transporte e Logística do Clube de Engenharia. Foi secretário de Política Nacional de Transportes e presidente do DER-RJ.