A riqueza da biodiversidade do Cerrado

A importância da proteção do Cerrado: riquezas naturais e os impactos da devastação causados pela expansão agrícola.

792
Desmatamento no Cerrado
Desmatamento no Cerrado (Foto: Marcelo Camargo/ABr)

Enquanto o Código Florestal determina que na Amazônia Legal devem ser preservados, a título de Reserva Legal, 80% do imóvel em área de florestas, esse percentual cai para 35% em área de Cerrado. Tal discrepância parece significar uma autorização tácita para que a vegetação do Cerrado possa ser devastada, não possuindo o mesmo valor que outras áreas cobertas por florestas. No entanto, não deveria ser assim, e a legislação necessita ser revista.

A paisagem do Cerrado, dominada por pequenas e retorcidas árvores entremeadas por capim seco e pequenas flores, às vezes surpreende por majestosos ipês floridos, buritis e palmeiras, que se unem especialmente nas denominadas “Veredas”. Estas, por sua capacidade de reter água, podem ser definidas como verdadeiras fábricas de águas que abastecem os grandes rios. Estima-se que mais de 90% das águas que formam o Rio São Francisco partem do Cerrado.

Dessa forma, o Cerrado possui grandes riquezas por sua vasta fauna e flora, mas também é conhecido como “berço das águas” e a maior fonte de água do país. Apesar disso, é um bioma desprotegido, com milhões de hectares de áreas degradadas e com apenas 8% de sua área de 2 milhões de km² protegida por unidades de conservação.

A fronteira agrícola do “Matopiba” – entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – já apresenta 74% da área total desmatada. Apenas em 2023, o Cerrado perdeu 1,11 milhão de hectares de vegetação nativa, somando-se a uma perda total de 35 milhões de hectares, sendo o segundo bioma que mais perdeu vegetação nos últimos 30 anos.

Espaço Publicitáriocnseg

Com a proteção legal do Código Florestal, as propriedades particulares avançam com poderosas máquinas devastando o Cerrado, especialmente para a plantação de soja e milho. Enquanto isso, a população nativa, que abriga mais de 83 etnias entre indígenas e quilombolas, embora vivendo em completa insegurança fundiária, procura cuidar e proteger o Cerrado, dele retirando o seu sustento sem devastar a natureza, já que, para muitas culturas, a natureza faz parte da própria ancestralidade.

E não são poucas as formas de aproveitamento econômico do Cerrado em pé, sem que haja a devastação do bioma. O potencial de energia elétrica gerado por suas águas; o volume carreado das nascentes para as águas dos rios que alimenta a biodiversidade e a vida dos ribeirinhos e da população; a preservação do carbono estocado no solo; o valor das plantas medicinais ainda pouco aproveitadas, como o óleo de buriti e de copaíba; a possibilidade de biocombustíveis extraídos das palmas; e o delicado artesanato do capim dourado e flores secas, que representam parte de sua cultura, são apenas alguns exemplos de que o Cerrado precisa ser mais protegido.

O ecoturismo também constitui uma importante fonte de renda e convida milhares de pessoas a aproveitarem de forma sustentável e, em muitos locais, com guias especializados, suas nascentes, rios, cachoeiras, belas paisagens e formações rochosas.

As pequenas e retorcidas árvores do Cerrado, que restam atualmente em apenas 54% da cobertura vegetal do bioma, tal como mães que protegem seus filhos, captam com suas longas raízes a possibilidade de vida na terra e, por isso, resistem ao fogo e aos duros e longos períodos de estiagem. Mas não resistem à intervenção humana pujante do agronegócio e à expansão das cidades.

Ao contrário do atual lema de que o Cerrado oferece uma vegetação passível de “sacrifício” e dos esforços legislativos da bancada ruralista para ampliação da fronteira agrícola, talvez por falta de informação quanto à riqueza de sua biodiversidade ou por mera negação quanto à importância do desenvolvimento sustentável, deve ser revista e aumentada sua proteção legal, com o máximo aproveitamento das áreas já degradadas, que já somam 30 milhões de hectares.

Se nada for feito, toda essa riqueza, ainda pouco conhecida e a ser explorada de forma sustentável, e que pode até mesmo vir a representar, por sua flora medicinal, a cura para inúmeras doenças, pode se perder em poucos anos, impactando a vida de milhares de pessoas e comunidades que habitam e retiram o seu sustento do Cerrado e, decerto, a vida de cada um de nós.

1 COMENTÁRIO

  1. Muito esclarecedor e importante o alerta da articulista. Inconcebível que se interprete haver distinção de importância entre vegetações. Pra mãe natureza todos os filhos tem seu valor, e papel predefinidos no ecossistema.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui