A “souvernização” dos saberes e fazeres culturais: artesanato, pero no mucho

A massificação dos souvenirs esvazia identidades locais e ameaça saberes tradicionais, transformando o artesanato em produto estereotipado. Por Allan Magalhães.

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Allan Carlos, professor da Universidade do Estado do Amazonas

Os souvenirs são uma das diferentes formas de os viajantes levarem para suas casas objetos que remetam aos lugares visitados. O próprio significado da palavra, que possui origem francesa, indica esse sentido: recordação ou lembrança. Assim, tudo aquilo que for capaz de promover recordações nos viajantes pode ser considerado um souvenir, desde pequenos itens produzidos em escala (como chaveiros, ímãs de geladeira, canetas, canecas, camisas), que estão sendo comercializados em todos os locais turísticos, até peças de arte, artesanato ou produtos próprios de cada região.

Contudo, a massificação desses objetos de recordação tem impulsionado a criação de produtos estereotipados que descaracterizam as identidades locais, promovendo uma homogeneidade cultural em que todas as “feirinhas de artesanato”, independentemente do local no Brasil em que você esteja, seguem comercializando produtos oriundos de uma mesma “linha de produção”, cujas pequenas variantes são alguns elementos simbólicos locais remodelados para se encaixarem no mercado.

As “feirinhas de artesanato” são lugares de parada obrigatória em toda excursão turística. É uma forma de estimular o comércio sob o pretexto de que os visitantes terão a oportunidade de conhecer produtos locais. Porém, esses espaços massificados, que parecem todos iguais, estão se assemelhando ao “não lugar” a que Marc Augé¹ se refere, pois consistem num espaço público de rápida circulação pelos seus frequentadores, que possuem em comum a credencial de turista e são conduzidos a esses locais com promessas de conhecerem a cultura e o artesanato local.

No entanto, o que encontram, na maioria das vezes, é o oposto: espaços padronizados e representações culturais descaracterizadas e estereotipadas.

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O turismo de massa é um dos grandes responsáveis pela construção desse “não lugar”, ao envolver um grande fluxo de turistas em destinos de grande atrativo, a exemplo de praias famosas. Nesses locais, impera a lógica de mercado, e o turista é um dos ativos das empresas que organizam as excursões, já que são, antes de tudo, ávidos consumidores dispostos a gastar com bens e serviços que lhes proporcionem experiências e recordações ofertadas segundo os interesses econômicos das empresas que organizam os passeios turísticos.

E, nessa dinâmica de mercado massificado, os saberes tradicionais e seus produtos artesanais enfrentam dificuldades para se inserir, porque seguem lógicas distintas de produção e, para nele ingressar — mais por imposição do mercado do que por escolha —, têm que reinventar suas técnicas e usos de matérias-primas, correndo o risco de promover a “souvenização” do produto artesanal em razão da massificação de sua produção para atender às demandas de mercado.

Assim, são necessárias políticas culturais que repensem essa lógica de mercado e transformem o turismo em oportunidade para os artesãos e artesãs que são os detentores dos saberes e fazeres que marcam a identidade cultural de uma comunidade.

O reconhecimento como Mestre da Cultura ou Tesouro Vivo não deve ser apenas um título simbólico, mas também deve ser acompanhado de políticas culturais que promovam dignidade e valorização, pela oferta de condições materiais para que esses saberes sejam mantidos e transmitidos para as gerações futuras. Isso inclui, por exemplo, ofertar espaços dignos para produzirem, exporem e comercializarem seus produtos, e garantir que a eles seja dada visibilidade e inclusão nos roteiros de visitação turística.

Allan Carlos Moreira Magalhães, doutor em Direito. Professor da Universidade do Estado do Amazonas. Articulista do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). É autor do livro “Patrimônio cultural, democracia e federalismo” e coautor do livro “É disso que o povo gosta: o patrimônio cultural no cotidiano da comunidade”.

[1] AUGÉ, Marc. Não lugares: Introdução à antropologia da supermodernidade. São Paulo: Papirus, 2017.

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