A terceira onda

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Muito se especula sobre o que sucederá à Pandemia do Coronavírus. O que será “normal”? (mais comum). Sobre os “novos” valores que prevalecerão no que se pode chamar de “pós-normal”. Como esta crise é transnacional, desconhecendo fronteiras, provavelmente, na correção da crise e na prevenção de próximas crises (em uma perspectiva otimista, já que esta não é a primeira e as anteriores foram ultrapassadas), também deverão observar esta característica. Altruísmo, solidariedade e empatia são igualmente valores citados e repetidos como promissores. Não só pela beleza intrínseca, como também por formas cautelares que representam. Se meu vizinho (pessoa, país ou empresa) estiver bem, aumentam as minhas chances para eu também estar. Algo assim.

A Amazônia, por suas condições de abastecedora e mantenedora de oxigênio, água (os rios que correm e os rios que voam), de termostato planetário e de diversidade vegetal, animal e cultural, se considerarmos valores coletivos e serviços comuns, enquadra-se na condição de espaço de máximo interesse vital e global.

 

A ameaça econômica (Teoria)

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A ciência econômica, na teoria, é assim. O crescimento está condicionado à disponibilidade de poupança. Poupança define-se com abstenção de consumo presente. Ou define-se também como parte da renda que não é consumida, em favor do crescimento para as futuras gerações. Se o país não cresce, é por que não foi capaz de se sacrificar em benefício das próximas gerações. Cria-se, com isso, a argumentação que “justificaria a curatela pela intervenção externa”. Não são discutidos os limites do crescimento, nem a impossibilidade do ambiente absorver tudo o que nele é disposto de forma incremental, a começar pelo carbono.

 

Três ondas

A ciência econômica tem postulados que “explicariam”, ou até “justificariam” (tentam justificar) intervenções em escalada que organiza os movimentos do poder em três ondas sucessivas. A primeira onda, constituída por empresários que, se não chegar até a praia, é sucedida por outra onda, de diplomatas que, se não chegar, é então seguida pela terceira onda – da força, dos “marines” (armados até os dentes, mas não só estes).

 

A primeira onda chegou, a dos negócios

Não é sem propósito que, semana passada, investidores bilionários e empresários fizeram publicar ameaças contra o governo brasileiro, por sua desastrada política em relação ao ambiente em geral e à Amazônia, especificamente, e economistas de dentro do país, ex-ministros da Fazenda ou ex-diretores do Banco Central, conservadores, alguns deles notórios entreguistas, do tipo que manda os escrúpulos às favas, também redigiram o seu manifesto de ocasião. Mais do que um memorial em defesa sincera do ambiente e de mudanças na política econômica, sugere uma tutela antecipada do prestígio e das posições que foram acumulados no tabuleiro de xadrez do colonizador.

Entre eles, nenhum revolucionário sonhador, ou descolonizador, nenhum candidato aos troféus Abd el-Krim, Che Guevara ou Ho-Chi-Minh, reacionários que, por suas folhas corridas, quando no exercício do poder, jamais se manifestaram em defesa do ambiente.

 

Cachorro grande

Este ano, em 23 de junho, 29 representantes do grande capital, investidores ou especuladores capitalistas, com poder de fogo somado de US$ 3,7 trilhões (cerca de 2,5 vezes maior do que o PIB do Brasil), divulgaram o envio de cartas a diplomatas brasileiros cobrando a realização de entendimentos sobre a política ambiental do Governo Federal, particularmente o irresponsável e insensato desmatamento da Amazônia (coluna Empresa-Cidadã de 15 de julho de 2020: “E daí? É só um desmatamentozinho, talquei?”), bem como os planos para liberar a mineração em áreas demarcadas para os povos tradicionais, entre os quais os indígenas, e mais a fala oportunista do ministro Salles, na festiva reunião ministerial de 22 de abril, aquela que mais parecia uma encenação de Os Trapalhões, sugerindo a utilização da crise da Covid-19 como “boi de piranha” para “passar a boiada pela porteira”, propondo com isso aumentar a desregulamentação ambiental.

Entre os investidores e especuladores, estão fundos de pensão, fundos de participações em ativos de empresas, como Alcoa, Agropalma, Amaggi, Anbev, Michelin, Microsoft, Santander, Shell, e Siemens. Empresas são citadas apenas para mostrar que o rosnado é de cachorro grande.

 

A segunda onda chegando, a da diplomacia

Antes das cartas aos diplomatas, em 18 de junho, houve uma manifestação de poderosos fundos de pensão junto à agência de notícias Reuters, com o mesmo significado. Assim, sete investidores advertiram indiretamente o governo brasileiro sobre a possibilidade de desinvestirem em empresas brasileiras de grãos, processamento de carne e títulos públicos.

Nesta onda, estão os fundos Storebrand, o sueco AP7, os noruegueses KLP e DNB Asset Management, Robeco, o finlandês Nordea Asset Management e o britânico LGIM, detentores de US$ 5 bi em investimentos no Brasil, sobretudo no agronegócio. Para se ter uma ideia do modo de operar desses gigantes, o norueguês KLP busca o apoio dos grupos Cargill e Bunge na “análise” das suas políticas ambientais, e, se concluírem que são inadequadas, poderão optar pelo desinvestimento. Na realidade operacional desses grupos, desinvestir tanto pode significar a retirada da parte correspondente em capital (financeiro, máquinas, instalações e equipamentos), quanto pode significar continuar operando, mas em águas turvas, com menor “transparência”.

Em setembro de 2019, 230 investidores já haviam assinado carta pedindo para o governo brasileiro empreender ações urgentes para combater os incêndios florestais na Amazônia. A sequência funciona assim. O consumidor europeu reclama de estar consumindo carne ou grãos produzidos em áreas desflorestadas; o investidor (fundo de pensão ou outro) pressiona o produtor no Brasil (por exemplo, a notória JBS, maior processador de carne do mundo, a Marfrig ou a Minerva), que apura a cadeia de fornecedores.

Foi assim na bem-sucedida campanha “Moratória da soja da Amazônia”, ou na suspensão da compra de títulos da dívida soberana brasileira pelo banco ligado à Nordea (€ 100 milhões colocados em quarentena. O próximo passo poderá ser a venda, derrubando os preços), em resposta à inação do governo brasileiro ante os incêndios florestais, em 2019.

Assim funciona o colonialismo.

E, por favor, #fique em casa.

 

Numere a 2ª coluna de acordo com a 1ª

(1) desembargador (branco)     ( ) Coloca a máscara, por favor.

(2) GCSP (preto)                       ( ) Sabe com quem está falando?

Na próxima semana, apresentaremos a resposta certa aqui, nesta seção.

 

Paulo Márcio de Mello é servidor público aposentado (professor da Universidade do Estado do RJ – Uerj).

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