A troca de cadeiras

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Um dos pilares do regime democrático é o partido político. Como organização política da sociedade civil, é uma das estruturas que mais claramente se colocam numa relação significativa, de um lado, com a organização particular e politicamente relevante da sociedade civil, do outro, com as instituições mais relevantes do Estado (Norberto Bobbio – Dicionário Político, página 1.219). Daí o respeito que se deve ter com os partidos.
Infelizmente, não é o que vem acontecendo em nosso país. A imprensa informou que 35 deputados planejavam mudar de partido, antes mesmo do início da nova legislatura federal, em 1º de fevereiro. Em 1999 – é importante recordar – 49 deputados federais trocaram de legenda anteriormente à posse.
As trocas partidárias vêm-se constituindo, como se vê, num processo de banalização do parlamento, em desrespeito ao exercício democrático do voto, maculando a abertura dos trabalhos do Congresso Nacional e repetindo prática fisiológica verificada a cada início de legislatura.
Considerando que vários parlamentares não têm constrangimento em trocar de legenda antes mesmo de sua investidura e que partidos aceitam esse jogo simplesmente para ampliar seu espaço de negociação no plenário e ganhar mais tempo na propaganda eleitoral gratuita, torna-se premente uma legislação moderna, ética e rígida, capaz de pôr fim a essa distorção, absolutamente incompatível com a democracia.
A troca de cadeiras, cuja motivação são os interesses pessoais e o objeto do desejo, os partidos com maior estrutura e prestígio, é mais uma evidência de que a reforma política está entre as mais urgentes a serem implementadas. A fidelidade partidária – que deveria ser princípio tácito de quem se candidata e pede o voto dos cidadãos sob a égide de um partido, de um ideal político e uma plataforma programática – é item fundamental da nova legislação política que a Nação deve exigir do Executivo e do Parlamento.
Vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais, senadores, governadores e presidente da República eleitos por um partido não poderiam abandoná-lo até o término do mandato ao qual foram eleitos. As mudanças de legenda deveriam ser toleradas somente antes das eleições, no processo de composição das chapas.
A ausência de legislação nesse sentido cria caldo de cultura para o fisiologismo. É absurda para uma nação como o Brasil, com a imensa responsabilidade de promover o desenvolvimento, de incluir milhões de habitantes nos benefícios da economia e de conciliar crescimento com baixa inflação, continuar às voltas com certas manifestações de mesquinhez política.
A legislação atual pertinente às eleições e às prerrogativas e deveres dos partidos, bem como as normas internas do Congresso Nacional, são sempre ambíguas e omissas em itens fundamentais para a normalidade democrática e a prevalência da ética como parâmetro básico do exercício político.
Exemplos: para efeito da medição do tempo a que cada partido tem direito na propaganda eleitoral gratuita vale a composição da legenda no dia da investidura. Já para efeito da composição da mesa diretora da câmara, cujo trabalho é de grande responsabilidade, não há regra definida. Acreditem ou não, os líderes partidários negociavam, poucos dias antes da posse, se a proporcionalidade da mesa seria vinculada à composição dos partidos no dia da eleição ou na data do início dos trabalhos da nova legislatura.
Parece brincadeira, mas, na verdade, se trata de um grave desrespeito à cidadania de quem exerceu o dever e o direito do voto. Diante de tamanho disparate, causa estranheza a notícia divulgada por toda a mídia quanto à dúvida do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em encaminhar a questão da reforma política em 2003 ou 2004. É inconcebível adiar esse processo.
O Parlamento tem papel primordial no encaminhamento das demais reformas (tributária, previdenciária, trabalhista e fiscal) e na solução dos problemas persistentes na economia e no quadro social. Assim, não pode dar-se ao luxo de substituir a discussão de temas e matérias prioritárias por questões menores e inerentes ao universo interno do Congresso e aos interesses pessoais e de grupos políticos.
A ausência da ética espontânea e as omissões da atual legislação, que prevê punições apenas em casos de quebra do decoro parlamentar e condenação judicial, criam situações esdrúxulas. Isto é muito negativo, pois, após reconquistar a democracia e recuperar a crença de que o voto é o mais poderoso instrumento de mudança, o brasileiro tem o direito de ficar indignado diante da troca de cadeiras no Congresso Nacional.
Assim, a reforma política imediata é fundamental para que a Nação mantenha a confiança nas instituições e na democracia, sem a qual será muito dificultada a solução dos problemas e a superação dos desafios persistentes na trajetória histórica do Brasil.

Ruy Martins Altenfelder Silva
Advogado, é presidente do Instituto Roberto Simonsen. Foi secretário da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado de São Paulo.

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