A cada dia mais notícias demonstram o imenso abismo que vai se formando entre as classes sociais brasileiros, resultado de anos de estagnação econômica. Mas o maior agravante é que esta tendência não será revertida nem no curto e muito menos no longo prazo. Pelo contrário, o quadro será de agravamento, seja pela política econômica liberal adotada pelo governo, pela falta de políticas educacionais para gerar mão de obra qualificada ou pela transformação digital, que levará a mudanças na forma como as pessoas trabalharão no futuro.
A tendência é de que cada vez mais as pessoas se lancem no mercado por conta própria como prestadores de serviços, seja via apps ou terceirização. A legislação trabalhista tem apontado para esta maior liberdade do contratante, o que ameniza, em parte o problema do desemprego atual. Segundo a última pesquisa do IBGE, 3,347 milhões de desempregados procuram emprego há pelo menos dois anos, 26,2% do universo de pessoas que procuram emprego.
Mas se as novas tecnologias e a flexibilidade da legislação amenizam o problema no momento, o futuro a Deus pertence. Enquanto medidas como a reforma da Previdência amenizam as contas do governo e garantem que este não se tornará insolvente, o que se pode esperar para as próximas décadas? A aposentadoria se tornará mais difícil e longeva, e como garantir emprego para os mais velhos?
Estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) concluiu que 65% das crianças de hoje trabalharão em profissões que nem mesmo ainda existem! Como conciliar a nova geração que está entrando no mercado de trabalho com uma visão tecnológica totalmente diferente na era da Revolução 4.0 com uma geração mais antiga que está longe de se aposentar? Os apps oferecem um alento para os desempregados ao proporcionarem renda em um país de desempregados, mas não podem ser a solução final. Ora, o que acontece com um motorista de Uber quando quebra a perna? Há seguro desemprego se ele fica sem carro?
A nova economia traz consigo novos desafios. Muitas questões estão ainda longe de serem respondidas. Mas uma coisa é certa. O abismo atual será mais profundo daqui alguns anos. Segundo pesquisa da FGV denominada a “Escalada da Desigualdade”, a desigualdade de renda no Brasil aumentou no segundo trimestre de 2019 pelo 17º trimestre consecutivo. Este é o ciclo mais longo já registrado no país: 4 anos e 3 meses. Os dados destacam que nem no ano de 1989, quando ocorreu o piso histórico de desigualdade brasileira, houve um movimento de concentração de renda por tanto tempo.
O estudo detalha ainda que a concentração de renda passou de 0,6003 no quarto trimestre de 2014 para 0,6291 no segundo trimestre de 2019. Neste período, a renda do trabalho da metade mais pobre da população recuou 17,1%, enquanto a renda dos 1% mais ricos subiu 10,11%. Já os ganhos da classe média diminuíram 4,16%. Para se ter uma ideia, aumentou o número de brasileiros em situação de pobreza, aqueles que recebem uma renda de até R$ 233 mensais. Hoje, 23,3 milhões de pessoas vivem assim!
O ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), elaborado pela ONU, comprova o agravamento do quadro social brasileiro. Pela terceira vez consecutiva, o Brasil permanece estagnado, ou seja, há três anos, não saímos do lugar (79ª posição no levantamento, que analisou 189 países). Com relação à desigualdade, o país caiu 17 posições.
Assim como durante a crise da década de 80, as políticas econômicas se voltaram para a queda da inflação, hoje se tem a miopia de olhar exclusivamente para o déficit público. Não há medidas efetivas voltadas para a melhora de renda da população ou redução da desigualdade. Pelo contrário, a política econômica do bem-estar social parece ter morrido em prol do liberalismo. Retornaremos às ideias clássicas de que isso não gerará uma crise como a de 1929?