Acelerar a liberação de recursos do FNDCT para recuperar a Ciência

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Há hoje um consenso na comunidade científica brasileira de que chegamos à situação mais crítica dos últimos decênios. Os pesquisadores que atuam na área experimental se defrontam com equipamentos quebrados e outros exigindo rápida manutenção. Por outro lado, nossa infraestrutura científica, que há cerca de seis anos estava em situação de alta competitividade com nossos colegas do exterior, precisa ser rapidamente atualizada. Tudo isto nos leva à conclusão sobre a necessidade de contarmos em curtíssimo prazo com um plano especial de revitalização da Ciência brasileira. A começar de imediato com o “SOS Equipamentos” da Finep.

A ausência de uma efetiva infraestrutura fica clara neste momento em que convivemos com a pandemia da Covid-19. Os principais grupos de pesquisa do país não contam com laboratórios em condições de trabalho científico de ponta com biossegurança NB3, o único que permite a manipulação do SARS-Cov-2. A título de exemplo menciono a situação da UFRJ, um dos mais importantes complexos de pesquisa biomédica do país, que conta com apenas uma pequena unidade em condições NB3 e nenhum biotério nestas condições, o que impossibilita a realização de pesquisa experimental com animais infectados.

Cabe lembrar que a parte experimental em animais é, em muitos casos, o melhor caminho para desvendar a fisiopatologia de várias doenças, entre as quais aquelas que tem um patógeno como agente causal, como é o caso da Covid-19. Situação semelhante se repete na grande maioria das instituições brasileiras.

A partir de consultas realizadas com vários colegas que exercem efetiva liderança científica no país, atuando tanto na bancada experimental, como na gestão das principais instituições de apoio à pesquisa, conseguimos chegar a um valor básico para iniciar um processo de recuperação da Ciência brasileira.

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Necessitamos para o período de agosto de 2020 a dezembro de 2021 de R$ 2,7 bilhões, além dos orçamentos que vêm sendo executados nos últimos anos pelos órgãos de governo que atuam no setor. Esses recursos devem ser oriundos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) que tem cerca de R$ 18 bilhões em “reserva de contingência” sob o controle do Tesouro Nacional.

Cabe ressaltar que apenas no orçamento aprovado pelo Congresso Nacional para o exercício de 2020, há uma “reserva de contingência” de R$ 4,3 bilhões. Importante lembrar que os recursos do FNDCT só podem ser utilizados para o desenvolvimento científico e tecnológico do país. Logo, os recursos aqui demandados não representam nenhum esforço impossível. A título de comparação, eles são menores do que o sistema de ciência e tecnologia dos Estados Unidos da América aportou para pesquisas emergenciais sobre a Covid-19.

Há consenso de que uma primeira prioridade na utilização dos recursos é o pagamento de todos os projetos científicos já aprovados pelas agências de fomento que integram o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia e que conta com agências federais e estaduais.

A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) necessita de R$ 600 milhões para os vários programas não reembolsáveis em instituições de pesquisa e empresas, via subvenção econômica. O CNPq necessita de R$ 200 milhões para assegurar a viabilidade dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia e dos grupos apoiados pelo Edital Universal.

As Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa nos Estados – FAPs – necessitam de R$ 600 milhões, que podem ser descentralizados via Finep, para que regularizem a situação de milhares de projetos interrompidos em todo o país. A EMBRAPII necessita com urgência de R$ 200 milhões para apoio à interação entre centros de pesquisa e empresas. Recursos da ordem de R$1,1 bilhão são necessários para a continuidade de alguns projetos estruturantes e para o desenvolvimento de novas propostas.

Destaco aqui a urgente necessidade de dois laboratórios nacionais com nível de biossegurança 4, que permitam a realização de pesquisas científicas com agentes infecciosos de maior gravidade, como, por exemplo, vírus equivalentes ao Ebola. O primeiro desses laboratórios deve se localizar no Instituo Evandro Chagas em Belém do Pará. O segundo próximo a grandes complexos de pesquisa em doenças infecciosas, como a cidade de São Paulo (USP, Unicamp, Unifesp, Butantã, Adolfo Lutz) ou Rio de Janeiro (Fiocruz, UFRJ, Uerj). O Brasil não conta com nenhum laboratório deste nível, situação inaceitável para quem se constitui em uma das mais importantes fontes de agentes patogênicos potenciais.

Há, ainda, a necessidade de se realizar aportes significativos para que os projetos Sirius e o Reator Multipróposito possam se desenvolver conforme cronograma definido pelos responsáveis por esses projetos estruturantes da Ciência brasileira.

É fundamental o lançamento de novas chamadas e encomendas para a manter e atualizar a infraestrutura física e laboratorial das instituições brasileiras, bem como para o desenvolvimento de projetos temáticos, a serem financiados pelo CNPq e Finep.

Para a melhor definição dessas prioridades é fundamental que se constitua um grupo técnico-científico, com a efetiva participação dos principais líderes de pesquisa do país, atuando nas mais variadas áreas do conhecimento. Essa comissão deverá ser indicada pela Academia Brasileira de Ciências e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e outras entidades e sua proposta examinada pelo Conselho Diretor do FNDCT.

Esperamos que essas sugestões sejam abraçadas com entusiasmo e com sentido de urgência pelo presidente da República e seu ministro da Economia, pelo Ministério de Ciência e Tecnologia e pelo Congresso Nacional, para que todas as amarras burocráticas sejam rompidas em prol do desenvolvimento científico e tecnológico do país.

Wanderley de Souza

Professor titular da UFRJ, é membro da Academia Nacional de Medicina e da Academia Brasileira de Ciências.

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