Ações confundem a Justiça sobre o SCR, o sistema de informações de crédito do BC

Justiça confunde o SCR com órgãos de proteção ao crédito e faz decisões equivocadas que afetam a estabilidade do sistema financeiro. Por Pedro Costa, Vítor Lopes e Augusto de Abreu Rodrigues.

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Banco Central (Foto: ABr/arquivo)
Banco Central (Foto: ABr/arquivo)

O Judiciário tem registrado, ultimamente, um aumento das demandas que questionam a inclusão do nome dos consumidores no Sistema de Informações de Crédito do Banco Central do Brasil (SCR). Analisando-se o teor dessas demandas, o SCR seria, na visão dos litigantes, um instrumento ilegalmente criado pelas instituições financeiras, no afã de restringir o crédito dos consumidores.

De antemão, soa curioso que uma empresa, titular de determinada atividade econômica, viesse a criar, por conta própria, um instrumento que acabasse por inibir os próprios objetivos econômicos para os quais foi concebida. Sim, pasmem! Os bancos comerciais, cuja função precípua é a concessão de crédito, acabaram por criar um engenhoso instrumento que restringe a sua livre concessão.

Afora isso – o que já diz muito sobre demandas judiciais com esse teor –, percebe-se que o SCR entrou de vez na pauta do Judiciário e de todos os operadores do Direito que, de alguma forma, militam no setor de Direito Bancário, assim como tradicionalmente, há muito, já estão os sistemas de proteção ao crédito SPC e Serasa.

Como toda novidade, não é raro deparar-se com situações em que, uma vez instado sobre o tema, o Poder Judiciário, lamentavelmente, acolhe argumentos como o acima destacado, concedendo liminares não só para obrigar instituições financeiras a excluírem o nome dos consumidores do SCR, sob pena de multa diária, como também já proferiu sentenças de natureza indenizatória em razão das inscrições no SCR.

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Revela-se preocupante esse tipo de precedente, na medida em que, ao assim proceder, o Judiciário, equivocadamente, equipara o SCR aos sistemas de proteção ao crédito, bem como invade a competência regulatória do Banco Central do Brasil (Bacen), definida a partir de legislação federal.

Na realidade, tais precedentes revelam um claro desconhecimento, por parte de consumidores e juízes, a respeito da natureza jurídica do SCR, que nada mais é do que um banco de dados criado e mantido pelo Bacen, no qual as instituições financeiras possuem o dever regulatório de compartilhar, com seu órgão regulador, as operações de crédito de seus clientes, esclarecendo se eles estão adimplentes ou não.

Esse banco de dados auxilia o Banco Central a concretizar as suas funções institucionais, definidas pela Constituição e por legislação federal, dentre elas o necessário controle macroprudencial do Sistema Financeiro Nacional.

Afinal, ao estatuir as competências do CMN, a Lei 4.595/64 estabelece como seus objetivos: “propiciar o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos financeiros, com vistas à maior eficiência do sistema de pagamentos e de mobilização de recursos” (inciso V do art. 3º); “zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras” (inciso VI do art. 3º); “disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas, inclusive aceites, avais e prestações de quaisquer garantias por parte das instituições financeiras” (inciso VI do art. 4º); e “regular a constituição, funcionamento e fiscalização dos que exercerem atividades subordinadas a esta lei, bem como a aplicação das penalidades previstas” (inciso VIII do art. 4º).

Acrescente-se, ainda, que, dentre as competências do Bacen, encontram-se a formulação, a execução, o acompanhamento e o controle das políticas monetária, cambial, de crédito e de relações financeiras com o exterior; a organização, disciplina e fiscalização do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e do Sistema de Consórcio; a gestão do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e dos serviços do meio circulante, conforme definido no art. 2º do seu regimento interno. A leitura dos artigos 1º ao 5º da Resolução nº 5.037/2022 do Conselho Monetário Nacional não deixa dúvidas a respeito dessas obrigações.

Portanto, o SCR não se trata de um instrumento fruto de um imaginário acordo espúrio nem do intuito lucrativo das instituições financeiras. Trata-se, na realidade, de um mecanismo de supervisão bancária criado pelo CMN – e, portanto, um instrumento regulatório – para acompanhar as instituições financeiras na prevenção de crises.

Impertinente, com isso, qualquer comparação aos convencionais e conhecidos órgãos de proteção ao crédito, como SPC e Serasa, estas, sim, empresas privadas exercentes de atividade econômica, consistentes na criação de um banco de dados tendente à comercialização das informações dele provenientes.

Ninguém, em sã consciência, defende uma exposição indevida dos consumidores perante a sociedade. É preciso, contudo, resistir à adoção de ideias fáceis para soluções complexas.

O desenvolvimento regulatório das últimas décadas permite afirmar que o sistema financeiro possui inegável estabilidade sistêmica, e isso precisa ser prestigiado pelo Poder Judiciário. O SCR, como visto, evidentemente, não possui os mesmos objetivos institucionais dos órgãos de proteção ao crédito.

É preciso separar o joio do trigo. Felizmente, já existem julgados que, sabiamente, afastaram pretensões como as acima expostas, prestigiando a segurança do Sistema Financeiro Nacional, cuja confiança é depositada sobre si por toda a comunidade nacional.

Pedro Costa é sócio de Direito Administrativo e Regulatório do Villemor Amaral; Vitor Lopes é sócio de Bancário e Reestruturação do Villemor Amaral; Augusto de Abreu Rodrigues é coordenador jurídico do Banco BMG.

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