Saúde mental: afastamentos aumentaram 134% no Brasil

Norma do Ministério do Trabalho exige que empresas cuidem de empregados a partir de maio

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Cipa/acidente de trabalho (Foto: Leonardo Morais/Secretaria de Comunicação e Mobilização Social/Prefeitura de Governador Valadares-MG)
Cipa/acidente de trabalho (Foto: Leonardo Morais/Secretaria de Comunicação e Mobilização Social/Prefeitura de Governador Valadares-MG)

Apenas 46% dos municípios brasileiros possuem políticas ou programas de atendimento a pessoas com transtornos mentais, de acordo com dados compilados pela Série SmartLab de Trabalho Decente 2025.

Apresentados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pelo escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para o Brasil na última terça-feira em Brasília, os dados atualizados mostram que, de 2012 a 2024, foram registrados 8,8 milhões de acidentes de trabalho e 32 mil mortes no emprego com carteira assinada no país.

Coordenada pelo MPT e pela OIT no Brasil, a Iniciativa SmartLab de Trabalho Decente completa 10 anos em 2025.

“É preciso internalizar que o investimento em saúde é um ganha-ganha para as pessoas, para as famílias, para as empresas e a sociedade como um todo. O investimento na promoção da saúde mental beneficia toda a sociedade, porque promove ambientes de trabalho seguros e saudáveis, minimiza a tensão e os conflitos e melhora a fidelização do quadro de pessoal e o rendimento e a produtividade do trabalho”, disse o diretor do escritório da OIT para o Brasil, Vinícius Pinheiro.

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Legenda: “É preciso internalizar que o investimento em saúde é um ganha-ganha para as pessoas, para as famílias, para as empresas e a sociedade como um todo,” disse o diretor do escritório da OIT para o Brasil, Vinícius Pinheiro, durante o lançamento da Série SmartLab de Trabalho Decente 2025, na sede do MPT.

De 2012 a 2024, foram registrados 8,8 milhões de acidentes do trabalho e 32 mil mortes no emprego com carteira assinada, segundo os dados atualizados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho da Iniciativa SmartLab de Trabalho Decente, coordenada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pelo Escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para o Brasil. As informações se baseiam em registros de acidentes do trabalho do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Calcula-se que uma notificação de óbito no trabalho formal ocorra a cada 3,5 horas.

Nos números das notificações previdenciárias foram incluídos tanto as Comunicações de Acidente de Trabalho (CAT) quanto os benefícios acidentários concedidos sem comunicação prévia – acidentes identificados no momento da concessão do benefício, sem registro de CAT. É importante destacar, ainda, que os números referentes a anos anteriores tendem a ser complementados de acordo com a chegada de notificações atrasadas nos anos subsequentes.

Para 2023, os dados do Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho do Ministério da Previdência Social apontam 732 mil registros, mas os números atualizados em 2025, considerada a data do acidente, já alcançam 778 mil para aquele ano, o que demonstra que, além da subnotificação – acidentes que ocorrem, mas que não são comunicados – os casos notificados têm uma grande quantidade de registros atrasados.

Os números de registros de 2024 ainda estão em apuração, com projeção preliminar de que alcançarão no mínimo 742 mil casos notificados, considerando a tendência estatística de maturação temporal da série histórica.

No caso dos benefícios previdenciários acidentários, ocorreram, no mesmo período, 2,6 milhões de novas concessões de afastamentos (benefícios por incapacidade temporária) pelo INSS em razão de doenças e acidentes de trabalho. O gasto com esses benefícios, desde 2012, em valores nominais, já chega a R$ 173 bilhões. O valor inclui auxílios-doença, aposentadorias por invalidez, pensões por morte e auxílios-acidente relacionados ao trabalho.

Na série de 2012 a 2024, acumulam-se ainda 3,5 milhões de registros no âmbito do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do SUS do Ministério da Saúde, que coleta informações sobre casos de notificação compulsória que afetam a população ocupada em trabalhos formais e informais. Isso inclui acidentes do trabalho graves e outras ocorrências laborais como a exposição a material biológico, o câncer relacionado ao trabalho, as dermatoses ocupacionais, as LER/DORT (lesões por esforços repetitivos e distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho), as perdas auditivas induzidas por ruído, as pneumoconioses e os transtornos mentais e comportamentais. Nos últimos dois anos, o total de registros no SUS cresceu mais de 50% (de 392,2 mil em 2022 para 598,8 mil em 2024). Com isso, o Sinan ganha cada vez mais relevância e se aproxima progressivamente dos números de notificações registradas no INSS. Ainda estão sendo apuradas, para futura publicação, as notificações relacionadas ao trabalho envolvendo animais peçonhentos e intoxicações exógenas.

Segundo a coordenadora nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho e da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Codemat) do MPT, Cirlene Zimmermann, “não podemos nos limitar à frieza dos números, das estatísticas, dos dados. É preciso lembrar que cada dado representa uma vida, uma família abalada, uma comunidade impactada. Cada adoecimento é um grito por justiça e por responsabilidade. É nossa missão fazer com que esses números não se limitem a gráficos, mas sejam alertas que nos impulsionem a agir”.

Na série histórica considerada, os benefícios por incapacidade temporária associados à saúde mental no trabalho mais do que dobraram no último biênio, passando de 201 mil em 2022 para 472 mil em 2024 (aumento de 134%). Entre os casos, destacam-se afastamentos acidentários por reações ao estresse (28,6%), ansiedade (27,4%), episódios depressivos (25,1%) e depressão recorrente (8.46%). Quanto aos afastamentos em geral, destacam-se como predominantes os episódios depressivos (25,6%), a ansiedade (20,9%) e a depressão recorrente (12,0%).

A participação percentual de diferentes setores econômicos nos afastamentos por incapacidade temporária acidentárias se alterou significativamente ao longo da série histórica. Ilustrativamente, bancos múltiplos, com carteira comercial, partiram de 9,3% do total em 2012 para alcançar 20% do total de afastamentos acidentários em 2024. Já o setor de comércio varejista de mercadorias (hipermercados e supermercados) passou de 3.9% em 2012 para 5.6% do total em 2024. As atividades de atendimento hospitalar também se destacam nesse aumento da participação, partindo de 1,2% do total em 2012 para 10,2% em 2024.

A Norma Regulamentadora n.º 1 do Ministério do Trabalho e Emprego foi recentemente atualizada para incluir a obrigatoriedade de avaliação de riscos psicossociais no processo de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST). A mudança destaca que riscos psicossociais, como estresse, assédio e carga mental excessiva devem ser identificados e gerenciados pelos empregadores como parte das medidas de proteção à saúde dos trabalhadores.

“É preciso internalizar que o investimento em saúde é um ganha-ganha para as pessoas, para as famílias, para as empresas e a sociedade como um todo. O investimento na promoção da saúde mental beneficia toda a sociedade, porque promove ambientes de trabalho seguros e saudáveis, minimiza a tensão e os conflitos e melhora a fidelização do quadro de pessoal e o rendimento e a produtividade do trabalho”, disse o diretor do escritório da OIT para o Brasil, Vinícius Pinheiro.

“No entanto, a discussão sobre saúde mental continua sendo um tabu no mundo do trabalho globalmente. Por isso, é importante apoiar a prevenção de riscos, proteger e promover a saúde mental no trabalho e apoiar as pessoas com problemas de saúde mental, para que elas possam participar e prosperar no mundo do trabalho. Investimento e liderança serão fundamentais para a aplicação das estratégias e dos princípios e direitos fundamentais do trabalho.”, acrescentou Pinheiro.

Embora o trabalho decente possa ser um fator protetor para a saúde mental, ambientes de trabalho inseguros ou insalubres, caracterizados por riscos psicofisiológicos e sociais – como ruído, altas demandas e assédio – podem prejudicá-la significativamente. Estimativas da OIT apontam que a prevalência de transtornos mentais na população ativa chega 15% (2019) e os enormes custos associados à consequente perda de produtividade alcançam US$ 1 trilhão anualmente.

Na série histórica de 2012 a 2024 do Observatório, os dados mostram que grande parte dos acidentes registrados foi causada pela operação de máquinas e equipamentos (13,6% do total), que provocou amputações e outras lesões gravíssimas com uma frequência 15 vezes maior do que as demais causas, e gerou três vezes mais acidentes fatais do que a média geral dos agentes causadores.

Quanto às ocupações, a mais afetada por afastamentos acidentários é a de alimentadores de linhas de produção (5,1%) do total, seguida de motoristas de caminhão (3,7%), faxineiros (3,4%), serventes de obras (2,9%) e vendedores de comércio varejista (2,4%).

Cerca de 60% dos afastamentos acidentários (B91) ocorreram por fraturas, que já ultrapassam 1 milhão de ocorrências na série, com 84 mil apenas em 2024 (incremento de 20% em relação a 2023), com predominância de fraturas de punho e da mão. O número de afastamentos por amputações também cresceu 6% em 2024, alcançando 4,6 mil ocorrências (superando os 4,4 mil de 2023).

O Observatório mostra, também, que desde 2012, de forma acumulada, mais de meio bilhão de dias de trabalho e de vida saudável foram perdidos. Calculado a partir da soma de todo o tempo individual em que os afastados não puderam trabalhar, o número é uma das formas de se estimar, por aproximação, os prejuízos de produtividade para a economia em geral, sem contar os danos pessoais ao público acidentado e às suas respectivas famílias.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, afastamentos causados por doenças e acidentes de trabalho representam perda média anual de 4% para o Produto Interno Bruto mundial. No caso específico do Brasil, essa porcentagem equivale anualmente a aproximadamente R$ 468 bilhões, se levarmos em consideração o PIB do país em 2024, que foi de R$ 11,7 trilhões (IBGE). Em números acumulados desde 2012, o prejuízo econômico pode chegar a R$ 5 trilhões, cerca de metade do PIB anual do Brasil em números de hoje.

Além do triste passivo humano e dos dramas familiares associados, esses acidentes e doenças produzem de um lado enormes despesas para o sistema de saúde, assistência social e para a Previdência Social, e de outro lado gigantesco impacto negativo, financeiro e de produtividade, para o setor privado e para a economia em geral.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a OIT clamaram recentemente por uma ação concreta para lidar com questões de saúde mental na população ativa. Estima-se que 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos anualmente devido à depressão e à ansiedade que custam à economia global quase US$ 1 trilhão.

O Observatório atualiza também as recomendações de prioridade para campanhas e ações de âmbito municipal, considerando a probabilidade de ocorrência de doenças e acidentes de trabalho no que tange à perspectiva dos agentes causadores. Para produzir as recomendações, foram utilizados métodos probabilísticos aplicados à série histórica de dados municipais.

As recomendações de campanhas locais mais frequentes dão foco a riscos enfrentados por alimentadores de linha de produção (988 municípios), serventes de obras (568 municípios) e motoristas de caminhão de rotas regionais e internacionais (433 municípios).

Quanto aos agravos e doenças, as campanhas mais frequentemente recomendadas dão foco à necessidade de prevenção de fraturas (3.870 municípios), de doenças osteomusculares e do tecido conjuntivo (1.521 municípios) e de ferimentos, amputações e traumatismos (98 localidades). Em relação aos grupos de agentes causadores, grande parte dos municípios recebe a recomendação de foco em campanhas de prevenção contra acidentes causados por máquinas e equipamentos (2.009 municípios), exposição a agentes biológicos (1.089 municípios), veículos de transporte (1.030 municípios), motocicletas (483 municípios) e agentes químicos (370 municípios).

A partir de maio, a saúde mental dos trabalhadores passa a ser uma responsabilidade direta das empresas. A determinação está na atualização da Norma Regulamentadora n.º 1 (NR-1), do Ministério do Trabalho e Emprego, que entra em vigor em 26 de maio. Com essa mudança, as organizações deverão adotar medidas para prevenir riscos psicossociais, como estresse, assédio e carga mental excessiva. O ministério prevê inspeções periódicas dos auditores-fiscais do trabalho.

A mudança alinha o Brasil às melhores práticas internacionais de saúde ocupacional e responde a um cenário preocupante: transtornos psicológicos já representam 38% das licenças concedidas pelo INSS, segundo o Ministério da Previdência. Nos últimos anos, esses afastamentos geraram um custo superior a R$ 12 bilhões para a Previdência Social. Em São Paulo, os problemas relacionados à saúde mental aumentaram quase 67% no estado entre 2023 e 2024. No ano passado, foram mais de 133 mil afastamentos, enquanto em 2023 foram quase 80 mil.

“Essa atualização reforça a importância do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), incluindo pela primeira vez os riscos psicossociais nas avaliações de risco”, explica Mirella Pedrol Franco, coordenadora da área trabalhista do Granito Boneli Advogados.

Além de fortalecer a proteção à saúde mental, a norma também simplifica procedimentos para pequenas e médias empresas, reduzindo burocracia e custos, sem comprometer os direitos dos trabalhadores. “O reconhecimento da saúde mental como parte essencial do ambiente de trabalho é um avanço significativo na legislação trabalhista brasileira”, pontua a advogada.

Para se adequar à nova NR-1, as empresas devem identificar e gerenciar riscos psicossociais, mapeando os fatores que impactam a saúde mental dos colaboradores. Além disso, é essencial oferecer suporte psicológico, implementar medidas preventivas e promover treinamentos sobre segurança no trabalho e a importância da saúde mental para todos os colaboradores.

“As empresas que não cumprirem as diretrizes podem sofrer prejuízos severos, como multas que variam entre R$ 2.396,35 e R$ 6.708,08, dependendo da gravidade da infração e do tamanho da empresa; além de embargo ou interdição das atividades até que as adequações necessárias sejam realizadas”, finaliza a advogada.

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