Sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a reforma tributária tem causado preocupação entre os investidores de fundos de investimentos em relação à tributação. O Ministério da Fazenda chegou a emitir um comunicado negando que pretenda tributar os fundos. No entanto, analistas consideram que o veto ao inciso V do artigo 26 permite que as futuras normas que tratem sobre a incidência do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) instituam os tributos sobre as operações com bens, serviços ou direitos, efetuadas pelos fundos de investimento.
André Mendes Moreira, professor de direito tributário da USP e sócio do escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Advogados, explica que foi retirada da LC 214/2025 a previsão de isenção do pagamento de IBS e CBS para fundos de investimento, incluindo as isenções que anteriormente contemplavam situações específicas dos Fundos de Investimento Imobiliário (FII) e dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio (Fiagro).
“Na versão anteriormente aprovada pelo Congresso Nacional, os fundos de investimento, em geral, não seriam tributados, exceto em casos específicos. Por exemplo, fundos que realizassem operações antecipando recebíveis, como os Fidcs, estariam sujeitos à tributação. Da mesma forma, fundos que operassem com ativos imobiliários, como FIIs e Fiagros, poderiam ser considerados contribuintes caso não cumprissem determinados requisitos, como aqueles relacionados à aplicação de isenções de Imposto de Renda. Mesmo quando atendessem a esses critérios, ainda poderiam optar por se tornar contribuintes”, diz Moreira.
De acordo com o professor, com o veto presidencial, todos os fundos de investimento passam a ser contribuintes do IBS e da CBS. No entanto, essa mudança não impacta apenas Fidcs, FIIs e Fiagros, incluindo aqueles que operam exclusivamente com títulos e valores mobiliários. “Torna-se, portanto, essencial analisar se as operações realizadas por diferentes tipos de fundos, como os de ações, infraestrutura e renda fixa, podem ser classificadas como tributáveis pelo IBS e pela CBS”, diz Moreira.
“Em sendo contribuintes e havendo a instituição dos tributos, os negócios em geral que envolvam fundos de investimento poderão ser mais caros para os contratantes, por exemplo, locatários de imóveis, além de poderem reduzir os rendimentos dos seus cotistas, caso não haja possibilidade de repasse do IBS e da CBS no valor das utilidades fornecidas”, diz Rafael Bifano, advogado da área de tributário do PLKC Advogados.
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Igor Machado, advogado do escritório Meirelles Costa Advogados, lembra que a medida proposta pela reforma tributária englobava no conceito de fundos de investimentos a serem isentos da tributação pelo CBS e IBS também os fundos de investimento imobiliário (FIIs) e os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio (Fiagro).
“É preciso se atentar, no entanto, ao fato de que a proposta de isenção para este tipo de fundo foi vetada pela Presidência da República quando da promulgação do PLP 68/24, sob a justificativa de ausência de previsão constitucional que autorizasse deixar de considerar estes fundos como contribuintes dos novos tributos instituídos pela reforma, permanecendo isentos de Imposto de Renda eventuais dividendos por eles distribuídos desde que atendidas as regras previstas na legislação para tanto”, diz Machado.
Diante da dúvida, a Fazenda informou que não há intenção de cobrar tributos extras sobre esses fundos, cujos rendimentos já pagam Imposto de Renda. “Alguns analistas estão avaliando que o veto ao inciso V do art. 26 [da lei complementar], que previa que os fundos de investimento não seriam contribuintes, poderia permitir a interpretação de que as operações dos fundos com títulos e valores mobiliários poderiam ser tributadas. Embora essa não seja a interpretação do Ministério da Fazenda, caso seja necessário fazer algum ajuste no texto para deixar claro que não há incidência de IBS e CBS sobre as aplicações dos fundos de investimento em títulos e valores mobiliários, o Ministério da Fazenda irá trabalhar para fazer esse ajuste”, escreveu a assessoria do Ministério.
“A instituição de um tributo na prática é uma opção legislativa que pode considerar diversos fatores, inclusive a oportunidade e conveniência da cobrança. Nesse sentido releva apenas mencionar que a LC 214/25, com o veto, atrai a possibilidade de cobrança do IBS e da CBS sobre as operações envolvendo os fundos de investimento. A manifestação do Poder Público, em comunicados que não se revistam de caráter normativo, não pode gerar qualquer efeito fiscal, mas pode gerar, isso sim confusão, veja-se o caso recente do Pix”, alerta Bifano.
Ele comenta que um eventual fim da isenção seria do fundo que, não sendo PJ, nunca pagou tributos, cabendo aos condôminos assim fazê-lo. “A isenção do fundo não se confunde com a isenção do dividendo, matéria alheia. O fundo, hoje, não paga IRPJ, CSL, PIS e Cofins. A sua tributação pela CBS e pelo IBS significa que suas operações, hoje não gravadas, passariam a ser tributadas”, afirma Bifano. O veto ainda será apreciado pelo Congresso Nacional, que já articula pela derrubada.
Por Gilmara Santos, especial para o Monitor