Agnaldo Timóteo e Alfredo Bosi, patrimônios nacionais

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Agnaldo Timóteo e Alfredo Bosi (fotos divulgação)
Agnaldo Timóteo e Alfredo Bosi (fotos divulgação)

O Brasil caminha para registrar 400 mil mortes ocasionadas pelo coronavírus. E se essa marca está perto de ser alcançada lamentavelmente, levando o sofrimento, a dor e a precoce saudade a milhares de familiares, a culpa é certamente do presidente Bolsonaro que, por sua inércia, ineficiência, desatenção e desrespeito à ciência, não tomou as providências sanitárias lá atrás, quando a doença chegou ao Brasil, tratando-a como um simples resfriadinho. Loucura total!

E é justamente essa pandemia que tem ceifado do nosso convívio amigos e parentes. Dentre tantos que têm partido, é triste ter de registrar as mortes recentes do cantor Agnaldo Timóteo, morto no Rio de Janeiro, e do crítico literário Alfredo Bosi, falecido em São Paulo. Ambos representaram, cada um da sua forma, a cultura do Brasil e, por essa razão, deixam saudade enormes lacunas na música popular e no estudo e na pesquisa das letras.

Agnaldo Timóteo sempre sonhou em ser um artista, um cantor. Teve de trilhar por diversos caminhos, até conseguir uma oportunidade de mostrar o seu talento e a sua voz. E essa possibilidade só foi possível com o empurrão de uma diva do cancioneiro nacional, a inesquecível Ângela Maria, que o apresentou a profissionais ligados às rádios e à música. Ele, por algum tempo, foi motorista da cantora, além de ter sido também torneiro mecânico.

Da Caratinga para o Mundo, a história de Timóteo tem altos e baixos, mas o importante mesmo é que ele, mesmo sendo um sujeito contraditório, marcou, nos quase 60 anos de carreira, seu nome no coração e nas mentes de centenas, milhares de brasileiros.

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Seu jeito irreverente, brincalhão, sua maneira de seduzir e sua voz extraordinária, um dom de Deus, como ele mesmo dizia, encantaram plateias de todo o Brasil e de outras Nações. Adotando o estilo romântico, e não brega, ele vendeu milhões de discos, tornando-se um dos mais completos cantores do país. Seu vozeirão era apreciado e seduzia pela sonoridade que entoava nos acordes, assim como o fizeram Cauby Peixoto e Ângela Maria, para citar apenas esse trio que muitas vezes fizeram shows juntos.

Em 2019, venceu um AVC, depois de ter ficado internado por um bom tempo. Os pessimistas diziam que ele não resistiria e que, mesmo que resistisse, ficaria com sequelas e que sua carreira acabaria ali. Nada disso. Guerreiro, venceu a doença, se recuperou e comemorou com uma bela apresentação seus 50 anos de carreira. O coronavírus, no entanto, foi mais forte, e desse mal foi a óbito.

Timóteo, falecido aos 84 anos, passou toda a sua infância em sua terra natal, Caratinga, em Minas Gerais. Desde pequeno, se interessou por música e se apresentava nos circos que passavam pela cidade.

Em 2017, Timóteo foi tema do documentário Eu, pecador, do saudoso cineasta Nelson Hoineff, no qual ele narra sobre sua trajetória, temperamento, sexualidade, passagem pela política e filosofia de vida. Um belo trabalho de Hoineff, querido amigo, companheiro de jornalismo e de docência. Deixou saudade, também.

Botafoguense fanático, Timóteo deve estar feliz com a homenagem que a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro lhe concedeu, aprovando na última segunda-feira projeto de lei que dá o seu nome ao calçadão que fica em frente ao Estádio Nilton Santos. A Prefeitura do Rio de Janeiro já sancionou a lei. O projeto tem como autor o vereador Cesar Maia, também torcedor do Botafogo.

Uma das muitas histórias de Timóteo envolve a morte do ídolo Mané Garrinha, em 1983. O Anjo das Pernas Tortas, como era chamado, faleceu aos 49 anos, vítima de cirrose hepática, após ter ficado em coma alcoólico no Rio de Janeiro. Após viver uma série de problemas conjugais e financeiros, o craque estava arruinado, tanto físico como emocionalmente, e esses problemas se mostraram presentes até mesmo após sua partida, quando sua família enfrentou uma enorme dificuldade para enterrá-lo. Comovido com a situação do ex-ponta da Seleção Brasileira, Timóteo arcou com todos os gastos do velório do amigo. A lápide de Garrincha, paga pelo cantor, tinha marcado os dizeres: “Aqui descansa em paz aquele que foi a alegria do povo.”

Além de cantor, Timóteo enveredou pela política, tendo sido eleito deputado federal, pelo Rio de Janeiro, duas vezes, eleito vereador, também pelo Rio, em uma legislatura, e duas vezes eleito vereador, por São Paulo. Brigou, trocou de partido várias vezes, mas deixou, também na política, o seu nome registrado.

Eu tive a felicidade de entrevistá-lo algumas vezes e, nesses papos divertidos, pude constatar o quão grande era o cantor Agnaldo Timóteo e quão generoso era o cidadão Agnaldo Timóteo. O documentário de Hoineff, produzido com muito zelo e profundo olhar na vida e na obra do artista, comprova a bela vida vivida por esse cantor, um dos mais importantes do Brasil, certamente.

Alfredo Bosi, um dos maiores críticos literários do Brasil, morreu na quarta-feira, dia 7, em São Paulo, também aos 84 anos, vítima igualmente da nefasta Covid-19. Professor titular aposentado do curso de letras da USP, Bosi foi membro da Academia Brasileira de Letras.

O presidente da Casa de Machado de Assis, Marco Lucchesi, assim falou sobre Bosi: “A tanta dor, soma-se a morte do admirável acadêmico Alfredo Bosi. Sou tomado de profunda emoção. Nem encontro palavras. Escrevo com olhos marejados. Bosi: um homem de profunda erudição, humanista inconteste, um homem que estudou o Renascimento e que o representou.”

Bosi nasceu em São Paulo e foi casado com a psicóloga social, escritora e professora da USP Ecléa Bosi e deixou os filhos Viviana Bosi, também professora da FFLCH-USP, e José Alfredo Bosi.

Após se formar em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), em 1960, Bosi recebeu uma bolsa de estudos na Itália e ficou um ano letivo em Florença. Quando voltou ao Brasil, assumiu os cursos de língua e literatura italiana na USP. Ele foi professor de literatura italiana e seu interesse pela literatura brasileira o levou a escrever os livros Pré-Modernismo (1966) e História Concisa da Literatura Brasileira (1970). Ocupou também a Cátedra Brasileira de Ciências Sociais Sérgio Buarque de Holanda da Maison des Sciences de l’Homme, em Paris.

Em 1997, se tornou diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. No instituto, coordenou o Educação para a Cidadania (1991-96), integrou a comissão coordenadora da Cátedra Simón Bolívar (convênio entre a USP e a Fundação Memorial da América Latina) e coordenou a Comissão de Defesa da Universidade Pública (1998).

Sétimo ocupante da Cadeira nº 12, da ABL, eleito em 2003, na sucessão de Dom Lucas Moreira Neves e recebido pelo acadêmico Eduardo Portella, o acadêmico era um intelectual da mais alta envergadura, um ser humano admirável, uma figura doce e um homem de caráter, além de ter sido dono de pensamento próprio e capaz de fazer análises das mais ousadas e profundas, apoiadas em sua inteligência rara e brilhante, com notável sensibilidade para o ser humano.

Dialética da colonização, de sua autoria, é um dos livros fundamentais para entendimento da cultura brasileira. Com a partida de Bosi, perde a Literatura Brasileira um dos seus extraordinários pesquisadores e perde, assim, a Cultura do Brasil.

Agnaldo Timóteo e Alfredo Bosi partiram, mas deixaram um enorme legado nas áreas nas quais atuaram, com extremo talento.

 

Paulo Alonso é jornalista, reitor da Universidade Santa Úrsula.

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